10/5/2014, Conflicts Forum
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Ucrânia, na imprensa-empresa Por Matt Kenyon |
Depois de
cinco dias em Moscou, algumas linhas sobre as perspectivas russas: primeiro, já
estamos além da Crimeia. A Crimeia já é passado. Também já ultrapassamos o
federalismo “frouxo” para a Ucrânia (deixou de ser politicamente viável). De
fato, estamos praticamente além, também, da Ucrânia, como entidade única. E já
se ultrapassou o ponto em que Kiev ou Moscou teriam capacidade para “controlar”
os eventos (no sentido mais amplo da palavra): as duas capitais são reféns dos
eventos (como também o são a Europa e os EUA) e de quaisquer provocações
montadas por uma multidão de ativistas incontroláveis e violentos.
Em resumo, a
dinâmica na direção de algum tipo de secessão do leste da Ucrânia (em parte ou
em etapas sucessivas) é vista como resultado já praticamente inevitável. A
questão que comentaristas bem informados em Moscou se propõem é se acontecerá
com relativamente menos, ou com relativamente mais, violência – e se essa
violência alcançará níveis tais (massacres de russos étnicos ou da comunidade
pró-Rússia), que o presidente Putin entenda que não lhe resta opção que não
seja intervir.
As
iniciativas “de segurança” de Kiev foram espantosamente ineficazes, e o número
de baixas surpreendentemente pequeno (dadas as tensões). Parece que os
militares ucranianos não querem ou não sabem (ou ambos) esmagar uma rebelião
composta de umas poucas centenas de homens armados e apoiados por poucos
milhares de civis desarmados – mas isso, é claro, pode modificar-se a qualquer
instante. (Uma explicação, que circula
pela internet russa é que os soldados ucranianos simplesmente se
recusam a atirar uns contra outros –mesmo que recebam ordens para fazê-lo). Além
do mais, parecem estar em contato direto e regular uns com os outros, e há um
entendimento informal segundo o qual um lado não atirará contra o outro. Atenção: observou-se acerto semelhante a
esse no Afeganistão nos anos 1980s, entre as forças armadas soviéticas e os Mujahidin.
Muitas das
pessoas com quem conversamos desconfiam que interesse a certa ala do establishment
de política externa dos EUA (mas não necessariamente a “ala” do presidente),
provocar precisamente essa situação: uma intervenção russa forçada no leste da
Ucrânia (para proteger os cidadãos contra violências, desordens ou ambos).
Há também
quem pense que uma intervenção russa poderia ser vista como “vantajosa” pelo
depauperado governo “interino” em Kiev. E, além disso, há quem entenda que
algumas ex-repúblicas soviéticas, que agora jazem na linha de frente da
interface União Europeia-Rússia, saltariam na jugular de Moscou, contando com
completar acertos passados, destacando sua posição em Bruxelas e Washington por
terem levado “a democracia” ao leste da Europa.
Em Moscou,
não se vê sinal algum de apetite por intervir na Ucrânia (essa avaliação
aparece sempre, em todos os tipos de grupos de opinião política). Todos
entendem que a Ucrânia é ninho de cobras e, como se não bastasse, é vastíssimo
“buraco negro” econômico. Mas... é praticamente impossível encontrar alguém em
Moscou que não tenha parentes na Ucrânia. O leste da Ucrânia não é a Líbia: o
leste da Ucrânia é família. Além de certo ponto, se a dinâmica da
separação persistir, e se a situação em campo piorar muito, algum tipo de
intervenção russa talvez seja inevitável (assim como Margaret Thatcher também
não pôde resistir às pressões para intervir em apoio aos britânicos nas
Malvinas). Moscou compreende bem que movimento desse tipo despertará outra onda
de “indignação ocidental” anti-Rússia.
Assim sendo,
e bem amplamente, estamos andando já bem depois do que se conheceu como momento
unipolar, ou pós-Guerra Fria. Não nos encaminhamos – não, pelo menos, do ponto
de vista dos russos, tanto quanto se pode avaliar – para uma nova Guerra Fria,
mas para um período de crescente antagonismo russo contra qualquer movimento
ocidental considerado hostil aos interesses-chaves da Rússia – e especialmente
aos que sejam vistos como ameaças a interesses da segurança russa. Nesse
sentido, uma Guerra Fria não é inevitável. A Rússia, por exemplo, não fez
movimentos antagonistas no Irã, na Síria ou no Afeganistão. Putin deu-se certo
trabalho para sublinhar que se – doravante – a Rússia perseguirá sem hesitação
seus interesses vitais e enfrentará quaisquer pressões ocidentais, em outras
questões não existenciais o país permanece aberto como sempre às negociações
diplomáticas.
O ATLANTICISMO é o CAOS desde a antiguidade |
Isso posto, e
para deixar as coisas bem claras, há profunda desilusão em Moscou, com a
diplomacia europeia e norte-americana. Ninguém acalenta qualquer esperança de
acordo diplomático – dada a recente história de acordos traídos e rompidos na
Ucrânia. Não há dúvidas de que sentimentos semelhantes veem-se também em capitais
ocidentais, mas a atmosfera em Moscou piora dia a dia, com endurecimento
visível. Até o componente “pró-Atlanticista” que há na Rússia já sente que a
Europa não conseguirá desescalar a situação. Estão desapontados e amargurados
no seu eclipse político, e a corrente da “ressoberanização” [de Putin] continua
a crescer.
Vale dizer: a
era da esperança gorbacheviana de
alguma espécie de estima paritária (mesmo, talvez, alguma parceria) entre a
Rússia e as potências ocidentais, na conclusão da Guerra Fria, implodiu de vez
e para sempre. Compreender isso é refletir sobre o modo como a Guerra Fria
foi levada a acabar; e como o término e o pós-término foram administrados. Em
retrospectiva, o pós-guerra não foi bem administrado pelos EUA; e há narrativas
irreconciliáveis sobre o tema da chamada “derrota” propriamente dita; e sobre se
foi derrota para a Rússia, ou não.
Seja como
for, o povo russo foi tratado como se tivesse sido psicologicamente derrotado
na Guerra Fria – como os japoneses foram tratados depois das bombas atômicas
norte-americanas em 1945. A
Rússia recebeu ração mínima de estima e consideração depois da Guerra Fria; em
vez disso, os russos receberam o desdém dos “vitoriosos”. Houve raras – se é
que houve alguma – tentativas para incluir a Rússia no “concerto das nações” –
como muitos russos esperaram que aconteceria.
Poucos
contestarão que as medidas econômicas impostas contra a Rússia depois da guerra
geraram ainda mais miséria e sofrimento a muitos russos. Mas, diferente de 1945, a maioria
dos russos jamais se sentiu derrotada; e alguns deles sentiram-se e ainda
se sentem traídos, isso sim.
Seja qual for
o veredito da história sobre se a Guerra Fria foi derrota, o dia seguinte deu
lugar a um ressentimento popular de tipo Tratado de
Versailles, como consequência do acordo pós-Guerra Fria, e o
“triunfalismo” unipolar (completamente injustificado, do ponto de vista dos
russos).
O Dr. Johannes Bell (sentado e de costas) assina o
Tratado de Versailles, na Sala dos Espelhos, enquanto membros das delegações aliadas
aguardam a vez de assinar; foto (retocada) Wikipédia.
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Nesse
sentido, é o fim de uma era: marca o fim do acordo do pós-Guerra Fria que levou
à era unipolar norte-americana. Hoje, o que parece estar perturbando muitos dos
que habitam o ocidente é que se começam a ver sinais de um desafio russo contra
essa ordem unipolar. Assim como Versailles foi psicologicamente rejeitado pelos
alemães, assim a Rússia está abdicando das atuais indulgências (pelo menos no
que tenham a ver com seus interesses chaves).
A grande
questão deve ser se a ampla triangulação (EUA−Rússia−China) que viu méritos no
toque simultâneo e complementar dos seus três eixos — uma triangulação da qual
os EUA dependem pesadamente para sua política externa. É preciso esperar pela
China. A resposta a essa questão pode bem estar em até ponto o antagonismo
entre a Rússia e o Ocidente será autorizado – ou, até, estimulado – a escalar. Só
então talvez seja possível ver quanto e quem está realmente pensando em
secessão da ordem global (incluído romper com o sistema financeiro controlado
pelo Federal Reserve).
Nesse ínterim,
o tempo e a dinâmica exigem que a Rússia pouco faça, agora, na Ucrânia, além de
observar e esperar. O clima na Rússia, contudo, é de esperar provocações na
Ucrânia, vindas de qualquer dos vários partidos interessados, com vistas a
forçar uma intervenção russa — e, assim, uma guerra politicamente limitada, na
utilidade, mas que fará várias coisas: restaurar a “liderança” dos EUA na
Europa; dar nova missão e nova finalidade à OTAN e garantir o mesmo (e maior
destaque) a alguns novos estados-membros da União Europeia (a Polônia, por
exemplo).
David Ignatius |
A Rússia deve
ter concluído que a segunda rodada de sanções econômicas revelou mais sobre
certa falta de desejo político (e financeiro) – ou alguma vulnerabilidade – entre
os aliados europeus dos EUA. A Rússia, com certeza, vê que os EUA vão
sendo tomados pela lógica
da escalada (com o
governo falando de nova estratégia de contenção e a demonização da Rússia como
estado “pária”), seja o que for que o presidente Obama recolha das colunas
assinadas por David
Ignatius. É momento perigoso, como todos reconhecem em Moscou, com as
posições endurecendo nos dois lados.
A Rússia não
se deixa intimidar por sanções (as quais, para alguns, podem servir como
oportunidade para que a Rússia se afaste do sistema de pagamentos
interbancários globais). Nem a Rússia tem qualquer preocupação, como aconteceu
com a URSS, com que os EUA possam reduzir um centavo no preço do petróleo, para
enfraquecer o estado. Os tempos mudaram. Mas a Rússia é mais vulnerável a
qualquer conluio entre o ocidente e os radicais sunitas, uma espécie de neo arma
geoestratégica prioritária.
Já vimos,
portanto, movimento dos russos na direção da Arábia Saudita e do Egito (o
presidente Putin, recentemente, elogiou a “sabedoria” do rei Abdallah). Há
também uma sensação de que a política dos EUA não é plenamente controlada pelo
presidente Obama ; e que os Estados do Golfo, farejando que a política dos EUA
possa estar à deriva e aberta a manipulação por interesses internos nos EUA,
extrairão vantagens (talvez em coordenação com certos grupos norte-americanos
que se opõem às políticas do presidente Obama) para escalar a guerra jihadista
contra o presidente Assad e atacar a política de Obama para o Irã.
A Rússia
talvez tenha de circunscrever esse perigo à sua própria população muçulmana, e
à população muçulmana de suas ex-repúblicas soviéticas vizinhas. Mas, por hora,
a Rússia deixará andar: esperar e ver como os eventos desdobram-se, antes de
recalibrarem qualquer componente crucial de sua política do Oriente Médio. No
prazo mais longo, contudo, o efetivo divórcio da Rússia, para fora da ordem
internacional unipolar impactará poderosamente sobre o Oriente Médio, onde a
Arábia Saudita (para não dizer Síria e Irã) já fez virtualmente o mesmo.
[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em
direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada
do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás de
narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e
interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas
anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as
pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se
escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de
“extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos,
movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais
políticos no mundo.
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