28/4/2014, [*] Andrey Fursov (vídeo legendado em
inglês − 1h 10’49”)
Traduzido da transcrição em
inglês pelo pessoal da Vila Vudu
Há tanta informação essencial aqui, que se fica tonto. Diria que,
no mínimo, 90% acerta na mosca, com detalhes impressionantes. Fursov é peso
pesado – e não é de meias palavras. Não só a topografia da oligarquia da
Ucrânia; também de que lado cada oligarca está jogando; o que as agências de
inteligência ocidental estão fazendo; quais as diferentes agendas para a
Rússia; e como a Rússia deve resistir. Assistam
com calma, com atenção, tomem notas. Pepe
Escobar, no Facebook,
Para o Ocidente, a vitória sobre a União Soviética não foi
menos importante, e provavelmente foi mais importante, que a vitória sobre
Hitler. Porque Hitler era gente deles.
A Rússia jamais foi.
Arnold Toynbee, que nunca foi russófilo, escreveu: “A
política do ocidente, para a Rússia, é sempre política de agressão. A expansão
russa tem natureza defensiva”.
Mas é impensável, não se pode sequer considerar a
possibilidade de um confronto contra o ocidente, se, internamente, na Rússia,
nossa base forem economia e governo neoliberais.
A Rússia só podemos pensar em confrontar o ocidente, se
estivermos apoiados numa economia de mobilização. Ao mesmo tempo, economia de
mobilização só é possível dentro de um sistema social mobilizado. Em outras
palavras, as relações com o ocidente que agora vão tomando forma para o futuro
imediato, exigem mudanças domésticas muito sérias.
Introdução
ANDREY FURSOV: Comecemos
essa reunião de nossa Academia. Hoje,
falaremos sobre Ucrânia.
Primeiro,
quero dizer que, às vezes, é ótimo estar errado. OK, eu estava errado. No
início de fevereiro, minha colega Elena Ponomarëva e eu discutimos a questão
“Podemos ficar com a Crimeia?” Eu fui pessimista e disse que haveria 10% de
chance de ficarmos com a Crimeia. Não ficaríamos, porque o Ocidente reagiria
agressivamente, e nossas autoridades não têm coragem. Ela disse que não, ao
contrário: 90% de chances de ficarmos com a Crimeia; 10%, não acontece. Ela
acertou. Eu errei.
Não há
dúvida de que a reunificação com a Crimeia é marco muito importante.
Em recente
entrevista à televisão, eu disse que esse é, genuinamente, o fim de uma era
desgraçada, que começou em Malta, dias 2-3/12/1989, quando Gorbachev entregou
absolutamente tudo a Bush, até o que ninguém lhe pedia. Depois, tudo que ainda
era possível entregar, foi entregue também. Começaram a surgir raios de
esperança mais tarde, durante o governo Putin. Houve a guerra de 08.08.08. Mas,
depois, não apoiamos a Líbia. Mas, sim, fincamos pé na Síria. Mas são terras
muito distantes da Rússia.
Ucrânia e
Crimeia – aí, é situação completamente outra, situação completamente nova.
Começamos a retomar nosso território, pouco a pouco.
Começou com
o que fizeram os príncipes moscovitas nos séculos 14, 15; o que fizeram os
primeiros Romanovs; e o que o sistema de Stálin fez nos anos 1930s, a saber,
sempre o mesmo movimento: sair da zona histórica da derrota.
Sair da zona
histórica da derrota não significa só questões externas. Hoje estamos rompendo
o status quo global, que tomou forma em 1991-94. Quero
dizer: a desintegração da União Soviética, o acordo do urânio, os tiros
na Casa Branca de Moscou, o
Memorando de Budapeste.
Mas superar
a derrota não tem só um aspecto externo: tem também um aspecto doméstico. O Ieltsinismo fez surgir todo um estrato
de pessoas, que nosso presidente Putin chamou de traidores da nação − falava da
5ª Coluna – entre as autoridades, nos negócios e na mídia. E esses se
revelaram, especificamente, durante os eventos na Crimeia. Aquele foi um
verdadeiro momento da verdade, momento de escolha.
As
verdadeiras cores das pessoas apareceram, em várias esferas. E essa é
experiência muito importante, pela seguinte razão: foi possível observar a real
existência, a aplicação de duplos padrões. O que quero dizer com duplos
padrões? Por exemplo:
Houve tempo
em que os britânicos anexaram as Ilhas Malvinas [Falkland]. E disseram: “Ora,
por que não? Houve um referendo nas Ilhas Malvinas, e os residentes
manifestaram-se a favor de serem ligados com a Grã-Bretanha e basta isso. Mas,
agora, a Crimeia, é outro assunto muito diferente...” – e, isso, quando
qualquer um vê que a situação é análoga.
Hoje estamos
falando sobre a situação da Ucrânia, de vários ângulos. É situação
multifacetada, como todas as grandes situações. Muitos diferentes aspectos
levaram ao que aconteceu. E não têm a ver só com o embate entre a Rússia e o
Ocidente. Há muito mais coisas acontecendo também.
Primeiramente,
tudo começou com um conflito dentro da classe oligárquica ucraniana.
Vladimir
Matveev é um grande analista. Recomendo muito que leiam, há muitas de suas
análises acessíveis pela internet. Além do mais, ninguém precisa ser erudito
para ler os livros dele. Qualquer um, com formação universitária, pode ler o
que ele escreve. Matveev tem escrito muito sobre a questão do Mossad na
Ucrânia. E vive recebendo ameaças. Agora, está precisando sair da Ucrânia e
está encontrando dificuldades.
·
Primeiro falemos sobre os oligarcas uranianos
·
Depois sobre os europeus e norte-americanos terem interesses
diferentes.
·
Depois, há os interesses de Israel.
· E, na
sequência passaremos sobre os eventos chaves, que se originaram do golpe banderista em Kiev, que continua a
desdobrar-se.
Os oligarcas ucranianos
Comecemos
pelos clãs empresariais e de negócios que há na Ucrânia.
Em 2012,
analistas como Matveev alertaram que haveria conflito muito brutal em 2013,
entre aqueles clãs empresariais e de negócios, entre os oligarcas. Foi o que
aconteceu.
O que quero
dizer, quando falo de “clãs na Ucrânia”? Para começar, temos de entender a
divisão de poder que houve no final de 2013. Há quatro clãs básicos.
Primeiro, o
clã de Donetsk – Rinat Akhmetov, cuja fortuna é estimada em $16 bilhões. São
principais interesses são mineração e produção de aço. Esse clã inclui Boris
Kolesnikov, os Kluevs, Yury Ivanyuschenko.
O segundo
clã é a família Yanukovych. Controlam principalmente os oficiais da alfândega,
a agricultura e a infraestrutura. Na comparação, esse clã é um pouco mais
pobre, mas controlaram posições administrativas de muito poder.
A grande
“realização” de Yanukovych é que, durante o governo dele, o estado de bem-estar
na Ucrânia foi extinto. Ou quase, ou o que sobrava dele. A destruição do estado
de bem-estar começou no governo de Kuchma. Yuschenko e Timoshenko reduziram
ainda mais o estado de bem-estar. E Yanukovich acabou de matá-lo. E é
interessante acompanhar o crescimento da classe dos bilionários.
Em 2010,
havia oito bilionários na Ucrânia. No ano seguinte, em 2011, já eram 21. O
regime de Yanukovich favoreceu enormemente o surgimento de bilionários.
Os principais
patrocinadores de Yanukovich foram Rinat Akhmetov e Dmitry Firtash. A divisão
do trabalho entre eles era a seguinte: Ahkmetov controlava o governo; e Firtash
controlava a administração presidencial.
O outro
bloco é o de Firtash, da RosUkrEnergo, produção de energia e químicos. São os
principais sócios de Rothschild na Ucrânia. Um dos principais conselheiros de
Firtash é Robert Shetler-Jones. Adiante falaremos dele – empresário do grupo
Rothschild e, importante, agente do MI6. Aí, não há novidades: em todas as
grandes empresas britânicas, para chegar a posições de comando, é indispensável
a aprovação do MI6. Sem isso, não chegam lá.
O grupo
corporativo seguinte é o Privat, o mais interessante de todos. É o grupo de
Ihor Kolomoisky – o grupo vale 3 bilhões de dólares. É sócio de Gennady
Bogolubov. Kolomoisky é figura muito interessante – e não só porque chamou
nosso presidente Putin de esquizofrênico. Ele é engenhoso e está por trás de tudo que
está acontecendo na Ucrânia.
Bogolubov é
o motor por trás de tudo que está atualmente acontecendo na Ucrânia. Nasceu em
1963. Judeu. Apoia muito ativamente o grupo hassídico − Chabad, que não é seita: é um movimento. É o
principal patrocinador da comunidade de judeus de Dnepropetrovsk. Velho amigo
de Berezovsky.
É dono de
200 empresas, controla 40% de Ukrnafta. E a imprensa. É grande fã de futebol. É
dono dos [times de futebol] FC Dnipro, de Dnepropetrovsk; Arsenal de Liev e
Hapoel de Telavive. É vice-presidente da Federação de Futebol da Ucrânia. O
presidente também é milionário, mas não tão grande quanto Kolomoisky: é dono do
Dynamo de Kiev. Frequentemente, há notícias sobre conexões de Kolomoisky com o
crime organizado internacional. Ele quis muito comprar empresas em Sebastopol.
De fato, chegou muito perto de comprar. É o patrocinador de Yuschenko, Timoshenko
e de Klitschko. E, por paradoxal que pareça, também do ultranacionalista
Tyaghnibok.
Pode parecer
estranho que Kolomoisky, judeu, apoie Tyaghnibok, o ultranacionalista. Mas o
principal objetivo de Tyaghnibok é conseguir que ucranianos e russos entrem em
confronto, uns contra os outros. O seu ultranacionalismo não é antissemita.
E há ainda
outro grupo na Ucrânia, sobre o qual ninguém quer falar muito: o grupo de
Victor Pinchuk, genro de Kuchma. O pessoal de Pinchuk inclui Tigipko e
Yatseniuk.
Segundo
especialistas, como Matveev, que mencionei e recomendo muito que leiam, por sua
vasta expertise, Pinchuk
é muito ligado aos EUA e com a inteligência britânica, o MI6.
Finalmente,
mais uma parte da economia da Ucrânia, sobre a qual os especialistas preferem
não escrever: o comércio de armas, tecnologia militar e narcóticos. Os
especialistas listam aqui dezenas de nomes. Cito os principais:
Vadim
Rabinovitch, cidadão israelense, ucraniano e húngaro; Sergei Maximov e a
família Derkatch. O patriarca é Leonid Derkatch, que dirigiu o serviço de
segurança da Ucrânia, SBU.
Agora, está com todas as cartas na mão, dado que negocia armas. Rabinovitch é
figura muito interessante. Apoia o partido Raduga, de gays e lésbicas, e o
grupo feminista Femen, de Kiev. Com frequência, tem querelas com outros
oligarcas judeus.
De modo
geral, o que caracteriza a situação na Ucrânia é que não há ali um único centro
político – o que se propaga também para dentro da comunidade dos judeus
ucranianos: não têm um centro unificado. Há constantes discussões entre eles,
um grupo querendo impor aos demais o próprio ponto de vista. Há confrontos
furiosos entre os judeus seculares e os que apoiam os hassídicos e chabadistas.
Por exemplo,
houve grave conflito sobre a construção do memorial em Babi Yar. Kolomoisky
insistia que fosse uma sinagoga e um prédio icônico. Vitaly Nakhmanovitch
insistia que não, que o lugar deveria ser absolutamente secular. Houve vários
confrontos sérios.
Por exemplo,
em 2011 Kolomoisky criou o Parlamento Judeu Europeu, dentro do Parlamento
Europeu. Foi um aceno na direção do hassidismo
e dos chabadistas.
O grupo
secular inclui, por exemplo, Vyacheslav Kantor, cujo grupo não aceitou nada
daquilo. Os conflitos são frequentes e graves. Às vezes, acontecem coisas
engraçadas. Por exemplo, Kolomoisky apoia os chabadistas; o Chabad apoiou
Yanukovich durante as eleições. Kolomoisky falou abertamente contra Yanukovich.
A partir disso, eclodiram as mais inflamadas discussões e brigas. Em 2013, as
coisas ficaram realmente muito graves.
Além do
mais, a ganância e a estupidez do clã mafioso de Yanukovich mostrou a própria
cara quando meteram os pés não só nas empresas médias, mas também, até, nos pequenos
negócios. Basicamente, pequenos e médios estavam tendo de pagar 60% a essa
família. É fácil entender quem eram os que saíram às ruas e foram para [a Praça]
Maidan. Estavam absolutamente fartos daquele clã.
Mas outro
assunto, bem diferente, é quem explorou aquela situação. Em 1848, Marx
escreveu, sobre revoluções, que “conhecemos bem o papel que a estupidez
desempenha nas revoluções e como tantos canalhas sempre a explorarão”. No caso
da Ucrânia, são os oligarcas ucranianos.
O interesse dos Rockefellers e
dos Rothchilds na Ucrânia
Na
sequência, há outros atores no campo ucraniano: os Rockefellers e os
Rothchilds.
Os
Rothchilds entraram na Ucrânia imediatamente depois de a Ucrânia separar-se da
União Soviética: chegaram em 1991-95. Simultaneamente, o MI6 entrou também para
fazer o que bem entendesse. De modo geral, todas as agências de inteligência
entraram na Ucrânia, assim, sem qualquer controle, para fazerem o que bem
entendessem. Alguns especialistas dizem que a Ucrânia é o “tanque de areia” [lugar
em que as crianças brincam] das agências de inteligência. Na CIA, há todo um piso do prédio,
dedicado à Ucrânia.
Hoje,
sabemos disso. Mas os que trabalhavam clandestinos na Ucrânia no final dos anos
1990s, já diziam que o SBU era agência subsidiária do FBI e da CIA,
que já trabalhavam ali ativamente. Como, também, o BND (inteligência alemã), que
trabalhava muito ativamente com o submundo dos banderistas. O MI6 trabalhava
mais discretamente. E sobre os agentes israelenses, falarei mais, adiante. O que
interessa anotar desde já é que, basicamente, estavam completamente livres e à
vontade para fazerem o que quisessem.
Firtash
tornou-se rapidamente o principal parceiro dos Rothchilds. Seu sócio, dos
Rothchilds, foi Robert Shetler-Jones. Esse é o homem que os especialistas
consideram o principal instigador das guerras do gás, entre Ucrânia e Rússia.
O grupo
Rothschild está trabalhando no leste da Ucrânia. É a área na qual querem pôr as
mãos, especialmente na região de Dnepropetrovsk, onde operam o banco
“Rothschild Europe” e “Royal Dutch Shell”. Os interesses dos Rothschilds
opõem-se muito fortemente aos interesses da Rússia.
Não esqueçam
de que, quando se fala dos interesses de EUA e Grã-Bretanha, sempre há
diferentes grupos de interesses também naqueles países. Não por acaso, o grande
analista francês de geopolítica, Alexandre Del Valle, não fala sobre “a
política externa” dos EUA, mas sobre “os políticos das políticas externas” dos EUA. São clãs,
também.
Os clãs por
trás de Obama são uma coisa. E os clãs por trás dos neoconservadores são coisa
completamente diferente. E, sim, eles têm diferentes políticas externas.
Os
Rothchilds exploram ativamente as crises e o caos que possam ser manipulados
por atores globais, para comprar patrimônio na Ucrânia, como na Ásia Central e,
onde for possível, também na Rússia. Trata-se de obter o controle sobre
recursos econômicos. Esse é aspecto muito importante.
Os
Rockefellers têm interesses mais modestos. Por exemplo, a Chevron Corporation, parte do império Rockefeller. A região de
Ivano-Frankivsk foi basicamente dada a eles por Yanukovich. Já nem se pode
dizer com certeza se Ivano-Frankivsk pertence à Ucrânia ou se pertence à Chevron Corporation. Os Rockefellers
estão mais interessados no oeste da Ucrânia, que no leste.
O interesse de Israel na
Ucrânia
O ator
seguinte, operante na Ucrânia é Israel, representada na Ucrânia pelo Mossad e
por praticamente todos os serviços de inteligência israelenses. Inclusive o
setor do Komemiyut, o setor,
dentro do Mossad, cujo negócio é a remoção física dos opositores do Mossad.
“Komemiyut”, em hebraico, significa “soberania”. Esse setor Komemiyut do Mossad é responsável, por exemplo, pelo
assassinato de cientistas nucleares iranianos. São muito efetivos, como, em
geral, o Mossad também é.
Aman é o serviço de inteligência militar do primeiro-ministro. Shabak é o serviço de segurança interna. Shin Bet, Nativ – todos eles estão presentes e ativos na
Ucrânia.
O atual
embaixador de Israel na Ucrânia é Reuven Din El – ex-agente residente do Mossad
nos países da Comunidade de Estados Independentes [orig. Commonwealth of Independent States,
CIS] – que foi expulso de
Moscou e, em seguida, foi recebido na Ucrânia como embaixador. Vlad Lerner, de Nativ, é primeiro-secretário da
embaixada de Israel na Ucrânia. Quanto a isso, é preciso reconhecer que
trabalham bem, os serviços israelenses de inteligência, na Ucrânia.
Também é
importante saber que o Mossad opera em
íntima conexão com a CIA e o MI6. É uma serpente unificada de
agências de inteligência, trabalham juntas.
Todas as
agências ocidentais de inteligência, inclusive de Israel, são muito ativas
dentro dos establishments da educação superior na Ucrânia.
Esse ano,
fiz uma conferência no Fórum Seliger da juventude. O pessoal de Kiev contou-me
que em quase todas as grandes instituições de educação superior em Kiev, há uma
“sala OTAN”, um “departamento OTAN”. Se você quiser fazer carreira acadêmica,
tem de passar por vários daqueles programas e disciplinas. E assim estão as
coisas. E os serviços anglo-norte-americanos de inteligência não ficam atrás.
O que a
inteligência israelense está fazendo? Trabalhando sob projetos que visam a
promover estudantes judeus ou que tenham raízes familiares, eles selecionam os
alunos mais talentosos e os mandam estudar no ocidente. Todas as universidades
ocidentais onde dei aulas – Columbia,
Yale, New York, a mais poderosa das quais foi a Central European University de Soros, onde só estudam judeus, e os
mais bem preparados e mais cuidadosamente selecionados. No curso no qual dei
aulas lá, havia três rapazes russos. Não de Moscou, mas de Arkhangelsk, Ivanovo
e Petersburg. Gente realmente escolhida a dedo, genuinamente capazes.
A Central European University é a única
universidade onde fiz conferências. Meu contato foi com jovens professores,
mais do que com alunos. O ritmo padrão de leitura na Central European University é 400 páginas por dia. Como nos tempos
do camarada Stálin. Muitos não suportam o ritmo. Sei de uma aluna, que saíra da
Russian State University for the
Humanities, por exemplo, que estudou lá por um mês, e voltou, porque o
ritmo lhe era fisicamente insuportável. As aulas, claro, são dadas em inglês,
embora recebam falantes de várias línguas.
O contexto global
Mas...
Examinemos então a situação na e em torno da Ucrânia, em contexto mais amplo,
global, considerando o papel que o ocidente, coletivamente, nos seus vários
jogos, atribuiu à Ucrânia.
·
Em primeiro lugar
– a batalha contra a Rússia.
·
Em segundo – o
confronto com a China.
·
Em terceiro – no
que tenha a ver com a guerra incontrolável no Oriente Médio.
Repito, e insisto nisso: não são
todos os grupos no Ocidente que querem fazer guerra no Oriente Médio. Mas, sim,
há alguns grupos interessados nisso. Arábia Saudita e Israel, sim, estão
interessados, por uma vasta série de razões.
Mas os três
vetores acima convergem para a Ucrânia – e os três planos acima se unem num
único plano, a saber: a redistribuição da riqueza geoeconômica e geopolítica
globais, no curso da atual crise econômica global.
A Caldeira de Yellowstone
Claro:
sempre há a Caldeira de
Yellowstone, a super ameaça –
quero dizer, o super vulcão, que pode mudar completamente as regras do jogo, de
um momento para outro. O super vulcão pode resolver todos os problemas que as
elites ocidentais tentam resolver ao longo dos últimos 50-60 anos, e ainda não
conseguiram resolver. Se o super vulcão entrar em irrupção, todos os problemas
resolvem-se. Mas esse é outro assunto.
Examinemos como a situação
evoluiu, como se chegou à situação atual.
Era 1991: a
União Soviética acabava de acabar. Depois de dez anos de roubalheira, os
norte-americanos perguntavam-se “onde vamos encontrar mais, para roubar?” A
China não, não seria possível roubar a China. Para completar, a equipe de
Ieltsin parecia dedicada a destruir a Rússia. E então, de repente, em 2001,
aconteceram os ataques em New York. E
o vetor da política norte-americana girou na direção do Oriente Médio. Passaram
a dedicar-se ao Oriente Médio. Quer dizer: foram distraídos e perderam de vista
os próprios objetivos. E vieram o Iraque, o Afeganistão.
Nesse
período, a Federação Russa teve tempo e espaço para respirar, para repor-se
sobre os próprios pés outra vez. Então, foi a guerra de 08.08.08, [Documentário
The Art of Betrayal em 6 partes,
legendado em inglês vídeo da parte 1 no fim do parágrafo] que mostrou ao ocidente
que haviam deixado escapar alguma coisa, que haviam negligenciado a Rússia, que
a Rússia continuava bem viva. Na sequência, o episódio Medvedev, que não
impediu o ataque à Líbia.
Evidentemente,
a guerra 08.08.08, a chegada de Putin ao poder e nossa posição sobre a Síria,
contra toda a pressão ocidental, mudaram o modo de ver a Rússia, entre os que
haviam levado Obama ao poder.
Dois pontos,
aqui, a observar:
1.
Obama estabeleceu uma doutrina militar na fala ao Parlamento
da Austrália, dia 17/11/2011.
2.
E estabeleceu outra doutrina militar para os EUA, dia 5/1/2012.
Na nova
doutrina militar de 5/1/2012, ficou estabelecido que os EUA passavam a poder
fazer uma grande guerra e várias outras ações indiretas em outras partes do
mundo. Antes, falara em duas guerras; e disse que já não se tratava disso.
Há detalhes
mais interessantes no que Obama disse ao Parlamento Australiano, dia 17/11/2011
– tudo dito, sempre, no estilo vago, de Obama, mas, se se dão os nomes reais às
coisas, tem-se que:
Em primeiro lugar, nessa
doutrina: o cercamento político-econômico contra a China. Controle sobre o
fluxo de energia para a China. Por isso, vimos que enviaram poder naval para os
estreitos entre o Oceano Índico e o Pacífico [Estreito
de Malaca, p. ex. (Nrc)].
Por isso, é
tão importante para a China ter rotas terrestres de suprimento de energia.
Porque rotas marítimas podem ser facilmente interrompidas pelos
norte-americanos.
Em segundo lugar: pressionar
a Federação Russa, como parceira da China, porque é país que está começando a
reerguer-se.
Na verdade,
Obama não disse, aí, nenhuma novidade.
Há uma
organização, Stratfor (Strategic
Forecasting Inc.), uma espécie de CIA privada. O fundador dessa empresa, George
Friedman, disse abertamente que a tarefa básica dos EUA é desestabilizar a
Eurásia, para que jamais haja estado ou grupo de estados capaz de desafiar os
EUA. E a região chave para lidar com o problema de China e Rússia seria o
Oriente Médio, também importante nele e por ele mesmo: petróleo, o Irã, o
Cáspio, o Azerbaijão, em particular.
Prestem muita atenção ao Azerbaijão.
Não tenham ilusões: é parceiro fiel de Israel e dos EUA. Esse país
bombeia petróleo para Israel e Ucrânia, recebe armas de EUA, Ucrânia e Israel e
tem instrutores israelenses trabalhando com o seu exército.
No evento de
um conflito com os armênios, combatentes competentes, não acho que o exército
do Azerbaijão possa sair-se muito melhor do que até aqui, mas é verdade que,
hoje, têm mais capacidades e estão mais bem treinados.
Os objetivos das partes
interessadas no Oriente Médio.
Obama (quero
dizer: os clãs, por trás de Obama).
Aliás, quero
dizer desde já que minha opinião sobre Obama não mudou. O general Ovchinsky e
eu escrevemos um artigo, logo depois da posse de Obama, intitulado “O
presidente caixa de papelão” [orig. “The
Cardboard Box President”]. Não mudamos de opinião. Quando digo “Obama”,
digo, sempre, “o clã que opera por trás dele”.
Desde o
início, esses clãs queriam melhorar as relações com o Irã, em detrimento das
relações com Israel, obviamente. Que utilidade tem o Irã, para os EUA?
Imaginem o
Irã, como parceiro dos EUA. Em primeiro lugar, país muito maior que Israel. Tem
magnífica posição geopolítica. Recursos magníficos. Se o Irã se torna parceiro
dos EUA, estaria criado um eixo Irã-Índia, contra a China, contra a Rússia, e a
tensão se mantém. Israel vive a tensão de ser estado judeu, com os árabes; e o
Irã é xiita. A tensão, aí, continuaria, basicamente, com os monarcas sunitas,
com a Arábia Saudita, quer dizer, continua a haver tensão.
Obama tomou
várias medidas com vistas a melhorar o relacionamento com o Irã. Houve uma onda
de publicações, todas a repetir que os EUA estariam abandonando Israel. Mas
Obama viu-se sob a pressão de vários grupos poderosos, inclusive do lobby pró-Israel. A melhora nas relações com o
Irã não está acontecendo, até agora.
O que é
interessante é que, conforme melhorem ou piorem as relações com o Irã, os EUA
serão forçados a resolver dois problemas. Um deles é o problema de eliminar o
regime de Assad. E, nessa operação, o problema de eliminar a “fabulosa”
organização, o Hezbollah.
Nós não
vemos o Hezbollah como organização terrorista. É organização xiita libanesa,
verdadeiramente global. Estão em vários lugares do mundo. Ouve-se falar da
diáspora dos judeus, diáspora dos armênios, mas a diáspora libanesa também é
considerável. Apenas, que é mais silenciosa, não faz muito barulho. Há cem
anos, os libaneses começaram a estabelecer-se na África, na América do Sul.
Mudaram-se para a parte da África onde estão os diamantes: Sierra Leone,
Libéria, uns poucos em Angola. Nos locais onde está a diáspora libanesa, com o
Hezbollah e outras organizações, eles compram cocaína e a transferem por
submarinos, para a África Ocidental. Antes, usavam submarinos vendidos por
ucranianos. Agora, aqueles submarinos saíram de catálogo e foram substituídos
por outros. A cocaína é transferida para Sierra Leone, onde é trocada por
diamantes. Com os diamantes, compram armas.
Esse
triângulo – Hezbollah, Síria, Irã – está no caminho dos norte-americanos.
Assumiram,
corretamente, que, eliminada a Síria, como parceira árabe do Irã, melhorem ou
piorem as relações com o Irã, o Irã estará enfraquecido, e será mais fácil
chegar a algum acordo com os iranianos.
Remover o
governo de Assad, portanto, converteu-se em objetivo n. 1 dos norte-americanos.
Assim, também, para Arábia Saudita e Israel.
Mas aconteceu
que o “molde” da Primavera Árabe não funcionou na Síria. E tiveram de intervir
militarmente. Mas a intervenção gorou – graças à posição de Rússia e China.
A agressão
do Ocidente contra a Síria foi a primeira fase militar realmente séria, na
direção de redesenhar o mapa geopolítico do Oriente Médio. Repito: a primeira
fase militar realmente séria.
A Líbia foi
caso diferente. Teve a ver com o fato de que o petróleo líbio é muito
importante para os norte-americanos. O custo de produção do petróleo líbio é
$1. Por isso era muito importante. Mas Líbia e Síria são países muito
diferentes, com diferente potencial. E na Síria, repito, as coisas não deram
certo para o ocidente, em primeiro lugar, por causa da posição de Rússia e
China.
A ofensiva
dos EUA contra a Federação Russa e a China fracassou, no teatro sírio. E isso,
mais a volta de Putin à presidência, forçaram a elite ocidental a ter de
procurar outras manobras. Puseram-se a procurar onde atacar – e apareceu a
Ucrânia.
Porque a
Ucrânia é situação explosiva que se desenvolvera em todos os níveis: entre os
próprios oligarcas, entre os oligarcas e a população. Seria vergonhoso para
norte-americanos e europeus não explorarem o que viram ali.
Mas
americanos e europeus têm, sim, objetivos completamente diferentes na Ucrânia.
Os
americanos precisam de caos controlado e guerra civil.
Os
europeus precisam de toda a Ucrânia – um mercado no qual possam despejar todos
os tipos de lixo. E mercado de trabalho barato, acima de tudo. É, de fato,
mercado consumidor não explorado a ser aberto, de 44 milhões de pessoas –
agora, menos a Crimeia.
Em tese, a
Ucrânia não é atualmente membro da OTAN. Mas isso não impede a Ucrânia de
participar nas quatro campanhas militares da OTAN. Por isso, Veronika
Krasheninnikova acertou, quando disse, na televisão, que o atual “problema
ucraniano” tem a ver com onde ficarão as fronteiras da OTAN.
Não faz
diferença alguma se a Ucrânia une-se ou não, formalmente, à OTAN. É evidente
que será país da OTAN. Além disso, também é absolutamente evidente que está
sendo planejado para ser país absolutamente anti-Rússia, nacionalista, banderista e neonazista. E com o
objetivo, ao estabelecer-se esse estado anti-Rússia, de pressionar, sem parar,
a Federação Russa.
O objetivo
de longo prazo é atrair a Rússia para o campo ocidental e começar uma luta:
“Vamos pressionar a Rússia. Depois, para conseguir acordo com o Ocidente, para
resolver esse problema de provocações constantes, a Rússia volta-se para o
Ocidente. Na sequência, a Rússia vira ferramenta do ocidente, para pressionar a
China”.
Se possível,
o melhor seria levar China e Rússia a guerrearem entre elas – esse seria o
cenário ideal para o Ocidente. Como põem a Rússia, perpetuamente, a lutar com
Alemanha e França. É sempre o mesmo padrão, sempre, sempre.
A atual
situação na Ucrânia, que começou no final de 2013, serviu a esse objetivo.
Hegel falou da história ‘traiçoeira’. Aqueles 30 dias, de 15 de fevereiro a 17
de março, romperam tudo, e mudaram o mundo.
A era que
começou no período 1989-94, aos nossos olhos, está chegando ao fim, ou já
terminou.
Nós
frequentemente citamos as palavras de Brzezinski: “Sem a Ucrânia, a Rússia
deixa de ser império eurasiano”. Mas não é verdade. A Rússia pode ser grande
potência, mesmo sem a Ucrânia. Que será mais difícil e demandará mais tempo,
isso, é outro problema.
E o que é a
Ucrânia?
A parte
leste da Ucrânia jamais antes fora parte da Ucrânia. Foi obra dos bolcheviques.
Precisavam aumentar a proporção do proletariado na Ucrânia. Essa foi a única
razão pela qual juntaram à Ucrânia aquelas regiões.
Mas isso não
interessa agora. O que interessa é que as palavras de Brzezinski, tão
repetidas, não são originais. Brzezinski repetia palavras de um general alemão,
Paul Rohrbach, o qual, no início do século XX, já dissera:
“Para
eliminar o perigo que a Rússia gera para a Europa, e sobretudo para a Alemanha,
é necessário separar completamente a Rússia ucraniana da Rússia moscovita”.
Observem
que, para o general alemão, Ucrânia e Muscovy são, ambas, Rússia.
Ele falava,
então, da necessidade de promover um racha interno, dentro da Rússia. E a ideia
tampouco nasceu da cabeça de Rohrbach. Ele estava desenvolvendo a ideia dos
políticos alemães do final do século 19, inclusive de Bismarck, que propôs
meios específicos para resolver esse problema.
Especificamente,
ele enfatizou a necessidade de jogar a Ucrânia contra a Rússia, de pôr os povos
em luta. Mas por quê?
Como
ele escreveu: “Temos de cultivar entre os ucranianos, um povo cuja consciência
esteja a tal ponto alterada que comecem a odiar tudo que seja russo”.
Estamos,
portanto, falando de uma operação histórica de guerra psicológica, de sabotagem
informacional-psicológica, cujo objetivo é produzir eslavos russofóbicos – Orcs a
serviço do Saruman ocidental.
Esses seriam
meios para separar a Ucrânia da Rússia e opor a Rússia a uma espécie de “Rus”
antirrussos, como uma Ucrânia livre, democrática, do império totalitário.
Tudo isso
foi concebido no Projeto Galiciano, no qual trabalharam os serviços de
inteligência austro-alemã e o kaiser alemão e, depois, a inteligência do IIIº Reich, depois a CIA, depois a inteligência alemã, BND.
O serviço de inteligência do
IVº Reich trabalhando
Não tenho
prova direta, mas não há dúvidas de que o IVº
Reich trabalhou aqui, o
“IVº Internacional”, chamado “Daisy”. Quando o dia-D e a hora-H chegaram, o
projeto Galiciano e os banderistas
subterrâneos deram o primeiro tiro – figurativamente e literalmente.
E aqui se
faz o filme rodar para frente, fast
forward, até a Revolução Laranja de 2004, que é diferente do que temos
atualmente.
A Revolução Laranja de 2004 foi
organizada por neoliberais. Quem operava por trás daquilo, na Ucrânia e no
Ocidente, supôs que bastaria aquilo, para criar uma Ucrânia antirrussos. Mas
não bastou. Então, nos eventos atuais, pôs-se em ação abordagem diferente: uma
aliança de neoliberais e ultranacionalistas, de fato, neonazistas.
Os liberais
são a face visível do ocidente. E os militantes neonazistas e tropas de choque
entraram para quebrar o poder de Yanukovich, e aterrorizar o leste da Ucrânia.
Sabe-se que
Yanukovich foi aconselhado a não brincar com fogo com Tyaghnibok e a não deixar
que ele desenvolvesse o seu movimento. O plano de Yanukovich, como vários especialistas
demonstraram, era: “deixar inflar a bola de Tyaghnibok. Depois, no momento das
eleições, o leste, aterrorizado por Tyaghnibok, elegerá Yanukovych”.
Queria jogar
uma espécie de jogo de xadrez. Mas o ocidente absolutamente não estava jogando
xadrez. Derrubaram as peças e usaram o tabuleiro para jogo completamente
diferente.
Mas por que aconteceu agora?
Em primeiro lugar, a Ucrânia
é construção absolutamente artificial, inviável, que só poderia funcionar
normalmente no quadro da União Soviética. A prova é que, apesar de ser o único
estado pós-soviético, além de Rússia e Bielorrússia, que talvez pudesse
manter-se sobre as próprias pernas, não se manteve.
A República
Socialista Soviética da Ucrânia era, em vários sentidos, muito importante na
União Soviética. Quem lembra onde foi posta a Ucrânia, na Exposição-Feira
Nacional de Conquistas Econômicas (ВДНХ)? Bem no centro! Agora, caíram
no esquecimento, mas estavam lá, no centro, no ponto mais destacado daquela
Exposição. A importância da Ucrânia era enfatizada de todos os modos possíveis.
E a Ucrânia só conseguiria existir no quadro geral da URSS. Fora da URSS, a
Ucrânia não consegue desenvolver-se.
E o que
manteve a Ucrânia à tona, até agora? A herança soviética, da qual a Ucrânia se
alimentou, sem parar, por 20 anos.
Para avaliar
o portento que foi essa herança, basta considerar que os oligarcas ucranianos a
devoraram sem parar, ainda mais estupidamente do que os oligarcas russos e,
mesmo assim, aquela herança durou vinte anos.
Mas, como se
dizia na antiga Roma, Nihil dat
fortuna mancipio (A sorte nada dá,
que dure para sempre). E, em 2013, aquela herança, afinal, havia sido devorada
até o último bocado. E, além do mais, Yanukovich trabalhava muito, para comer
muito e bem depressa. A Ucrânia estava à beira do abismo.
A Rússia
poderia salvá-la. Mas isso era completa e absolutamente não desejável, para os
EUA. Essa foi a primeira parte.
Agora, a segunda. Depois de
Maidan 2004, como eu disse, os manipuladores de fantoches ocidentais presumiram
que a coisa estaria resolvida: gente como Yuschenko e Timoshenko resolveriam
todos os problemas. Aconteceu que não resolveram. Yanukovich chegou ao poder.
Jogou praticamente as mesmas jogadas. Jogou mal. Jogou um pouco com os EUA, um
pouco com a Rússia. No final, havia mordido mais do que conseguiria mastigar.
Mas o placar desses 20 anos é positivo para o ocidente.
De fato,
trabalharam muito na Ucrânia: com a colaboração de várias organizações não
governamentais e não comerciais, fizeram trabalho realmente impressionante.
Operaram dúzias de organizações filantrópicas ocidentais.
E nós, os
russos? Temos alguma organização não governamental operando na esfera da
política exterior? “Russkiy Mir”. Apareceu quando? Há pouco tempo. É efetiva?
Há outras? Há “Rossotrudnichestvo”, mas o dinheiro é muito pouco. Há o "Institute of CIS Countries" – uma
instituição. Há também o “Gorchakov Fund”. Mas todas essas são iniciativas
muito recentes e são organizações com poucos recursos.
Por sua vez,
os EUA injetaram na Ucrânia quantidades massivas de dinheiro. E, durante todos
esses anos, houve um movimento Banderista subterrâneo que operou na Ucrânia, em
cooperação com agências de inteligência dos EUA e da Alemanha Ocidental.
De
importante, também, que, geograficamente, a Ucrânia não é estado do Báltico.
Por falar
nisso, quem sabe quando o último “Forest Brother” foi
morto nos estados do Báltico? 1960? Não. Em 1974.
Mas, vocês
sabem, não há muito onde se esconder, nos estados do Báltico. Mas, sim, na
Ucrânia há. E os banderistas
clandestinos sempre andaram por ali. E é claro que o ocidente sempre trabalhou
com eles.
Obviamente,
também houve sérias razões domésticas para os eventos de dezembro, janeiro e
fevereiro de 2014, na Ucrânia: empobrecimento da população; insatisfação com o
regime miserável-oligárquico de Yanukovich.
E agora? O
que estamos vendo agora? A família de Yanukovich foi-se. E, no lugar deles,
assume a família de Timoshenko. Uma família de oligarcas, substituída por
outra. Estão nomeando oligarcas para as prefeituras e regiões do leste.
Já lembrei o
que disse Marx, falando das revoluções europeias de 1848. “Conhecemos bem o
papel que a estupidez desempenha nas revoluções e como tantos canalhas sempre a
explorarão”.
Pelo que se
pode ver dos eventos em curso, a ganância do clã governante explorou tudo o que
pôde, por vias gerais e por vias específicas, conforme a situação aparecia.
O “dia D” e
a “hora H” afinal chegaram, dia 21 de fevereiro. Como eu estudo história, e não
estou na comunidade de inteligência, minha informação é indireta, mas há outros
analistas que confirmam e o fluxo parece ter sido esse.
Por volta
das 18h do dia 21 de fevereiro, metade da Praça Maidan estava vazia. Podia ter
acabado ali. Mas, como vocês sabem, entre 18h e 20h, já havia ali 15 mil
manifestantes. Haviam substituído um grupo de cerca de 3 mil, alguns dos quais
me deram essa informação. E a polícia antitumultos, os Berkut, estava contra eles. Até que,
de repente, os Berkut pararam.
“Nós
continuamos, mas os Berkut pararam”. Claramente, receberam ordens para
parar. O que aconteceu entre as 18h e as 20h?
Minha
versão, para recriar os eventos, é a seguinte – e absolutamente não quero
convencer ninguém. É minha versão do que aconteceu.
Naquele
momento, Yanukovich decidiu que havia vencido e poderia iniciar negociações.
Além do mais, os americanos já haviam dito a ele que sabiam onde haviam sido
desperdiçados os bilhões que puseram na Ucrânia. Foi quando Yanukovich resolveu
aplicar um golpe estúpido, coisa de caipira: decidiu passar a perna nos
norte-americanos, sem se dar conta que os norte-americanos logo lhe aplicariam
uma rasteira, e não respeitariam o acordo assinado. De qualquer modo, os
americanos jamais perdoariam a traição.
Naquele
momento, a oportunidade para evacuar Maidan já passara, e os eventos tomaram
rumo diferente. Nos dias 21 e 22/4/2014, eu dizia que tinha havido uma perda
situacional para a Rússia, porque, em 20 anos, a única força pró-Rússia que
havíamos conseguido criar lá era o governo de Yanukov ch. Aquele resultado era
negativo, para nós.
O que Chernomyrdin
(Embaixador da Rússia na Ucrânia, quando Yulia Tymoshenko foi primeira-ministra)fazia
lá? Cantava e tocava acordeão com os oligarcas. Era destino dele. Bom para ele.
O que
Zubarov fez lá, não temos nem ideia. Mas com certeza assinava bons acordos de
gás com os oligarcas.
A
inteligência ocidental e as organizações não governamentais, todos trabalhavam
com os oligarcas, a intelligentsia e as massas. No final, vejam o resultado:
embora Kiev não seja cidade galiciana, 90% da
intelligentsia de Kiev apoia o Galician Project dos neonazistas. É claro que a inteligência
ocidental fez um bom serviço. De fato, estavam lá para fazer exatamente isso.
Outro
assunto, bem diferente, é que nós não trabalhamos com a mesma eficácia.
Lá ficamos,
anos a fio, conversando com os oligarcas, em vez de cuidar do que interessava à
Rússia. O que quero dizer é que, se a única força pró-Rússia que conseguimos
criar em nível político importante na Ucrânia, em 20 anos, foi essa pessoa
chamada Yanukovich, aquele fracasso era nosso fracasso, era culpa nossa.
Mas, claro,
perder um round não implica perder a luta. De fato, a ação
das autoridades russas na Crimeia mostrou que, apesar de ter perdido um round, ainda se pode vencer a luta.
No match da noite de 17-18, nós vencemos. Mas esse match que nós vencemos só tinha a ver com a
Crimeia. Ainda há a Ucrânia do leste e a Ucrânia do sudeste.
O que o Ocidente queria
Examinemos
agora o que o ocidente queria, quais os planos do ocidente. O que o ocidente precisa
extrair dessa situação?
Pensemos nos
ocidentais, quero dizer, nos que planejaram tudo isso. Essa, me parece, é a
abordagem certa.
No verão,
quando estava em Londres, eu lia os jornais de lá. E li um editorial
maravilhoso no Financial Times.
Basicamente, o editorial atacava os orientadores de alunos e pós-graduandos de
economia, das universidades inglesas. Dizia que, se você quer treinar
economistas, não adianta torturá-los, obrigando-os a ler o que os economistas
escrevem: que é preciso ensinar os alunos, isso sim, a pensar como economista.
No nosso
caso, também temos de ensinar as pessoas a pensar como os políticos pensam.
Nossa ciência política está reduzida a um modelo pelo qual os alunos só
conhecem as teorias da ciência política. Mas as teorias da ciência política têm
bem pouco a ver com a realidade. De fato, as teorias políticas existem para
ocultar, de todos, o que os políticos pensam. É caminho que não leva a nada, ou
leva ao lugar errado.
Então, pensando
como os políticos pensam:
Plano “Mínimo”: o ocidente
estabelece um Reich eslavo, neonazista, banderista. Pressão constante sobre a Rússia, provocações de todos
os tipos. Se a Rússia reagir, ponham-se todos a gritar que “a Rússia
horrivelmente totalitária, está maltratando a Ucrânia livre e democrática”.
Foi o modelo
que usaram na Iugoslávia: “esses pobres albaneses, vítimas dos monstros
sérvios”.
Plano “Máximo”: o mesmo já
usado quando se estabeleceu o Reich nazista alemão, nos anos 1930s. Construa as
forças que, se necessário para o ocidente, assumirão a parte decisiva da guerra
contra a Rússia.
Alguns
dirão: “Que pesadelo! Como alguém iria à guerra contra a Rússia?”.
Há
diferentes situações. Quem, na Europa, pode fazer guerra contra a Rússia? Os
romenos, por exemplo, fariam guerra? Os poloneses? Sozinhos? Nunca. Então, é
preciso achar um estado “pit bull”, que esteja preparado para iniciar,
pelo menos, um conflito local, para mostrar, à Rússia debilitada, como os
eventos podem desenrolar-se.
Se parecer
que simplifico demais, considerem as relações entre o Ocidente e a Rússia. Nos
últimos 200-300 anos, todas as agressões contra as quais a Rússia lutou, sempre
vieram do Ocidente. E a Rússia jamais teve ação de agressão contra o Ocidente.
Consideremos
só dois casos: a campanha de libertação [da Europa] contra Napoleão, da qual Kutuzov
[1] disse que deveria “ter terminado
em 1813, sem darmos um passo além das nossas fronteiras, e França e Inglaterra
que ficassem, lá, em afagos perversos, e guerreando uma contra a outra”. Esse é
um caso.
O segundo é
de 1849, Nicolau I. Minha avaliação é que foi erro, embora Nicolau tenha sido
grande czar. Mas não tínhamos nenhuma obrigação de ajudar a reprimir o levante
húngaro, na Austro-Hungria. Não era necessário. Os húngaros que derrotassem, lá
mesmo, os austríacos. “Eles que fiquem lá, com o teatrinho do caos deles, na
Europa Central. Será mais fácil para nós.”
Fato é que,
além disso, a Rússia jamais empreendera ação alguma no Ocidente. Isso foi no
século 19.
Quanto a mandar
tropas para a Tchecoslováquia, foi feito pelas regras, conforme o Pacto de
Varsóvia.
A OTAN tem
as mesmas regras. Nos estatutos da OTAN está escrito, preto no branco:
Se
qualquer país da OTAN estiver em perigo, por mudanças internas ou externas, haverá
imediato deslocamento de forças.
Pois é. E
quando mandamos as forças, disseram que era uma “Doutrina Brezhnev”. Por quê?
Porque nossa propaganda é fraca. Nossos propagandistas são fracos.
O mundo
deveria ter sido informado de que agimos conforme a Convenção de Varsóvia e os
estatutos da OTAN. Mas eu estava falando do século 19.
Quanto ao
século 20, a
liderança soviética perdeu oportunidade única, em 1968. Foram lentos, apenas
reagiram aos eventos.
Durante os eventos de maio, em Paris-1968, a liderança soviética, usando o Partido Comunista Francês, poderia ter posto as forças da OTAN em Paris, para conter as manifestações de comunistas e sindicatos. Com as forças da OTAN em Paris, eles que passassem 30 anos esbravejando contra a OTAN, sobre como a OTAN massacrou estudantes franceses. Pelo menos, não passariam os mesmos 30 anos falando de “Primavera de Praga”.
Durante os eventos de maio, em Paris-1968, a liderança soviética, usando o Partido Comunista Francês, poderia ter posto as forças da OTAN em Paris, para conter as manifestações de comunistas e sindicatos. Com as forças da OTAN em Paris, eles que passassem 30 anos esbravejando contra a OTAN, sobre como a OTAN massacrou estudantes franceses. Pelo menos, não passariam os mesmos 30 anos falando de “Primavera de Praga”.
Mas a
liderança soviética então só reagia aos eventos. Porque era governo reativo,
reacionário.
Arnold
Toynbee, que nunca foi russófilo, escreveu que “A política do ocidente, para a
Rússia, é política de agressão. A expansão russa tem natureza defensiva” –
escreveu Arnold Toynbee.
O objetivo
final da elite do Atlântico Norte sempre foi eliminar a Rússia.
Quanto a
isso, Leonid Shebarshin, um dos líderes mais visíveis da inteligência
soviética, estava, claro, muito certo, quando escreveu: “O que o Ocidente
espera da Rússia é que ela não exista.” A estratégia sempre foi essa.
Taticamente...
Em 1991, o
Ocidente poderia ter começado a desmembrar a Rússia. Mas, com a China surgindo
no horizonte, não pareceu boa ideia. Decidiram atormentar a Rússia, ao longo,
pode-se dizer, de vinte anos. Mas, durante esse tempo, a Rússia conseguiu
repor-se novamente sobre os próprios pés.
O
Banderastão, se é isso que a Ucrânia está fadada a tornar-se, como decidiram os
mestres-de-fantoches do outro lado do oceano, será quase-estado oligárquico,
terrorista e russofóbico. Russofóbico – já está claro por quê.
Quase-estado,
porque nem a Ucrânia pós-soviética chegou jamais a ser estado plenamente
independente.
Já se vê,
agora, que o estado está sendo administrado de fora para dentro. Kiselëv
acertou em cheio, quando disse, ontem [que há relação direta entre] “A visita
do diretor da CIA a Kiev, e a ordem, emanada do FMI, para que a
Ucrânia demita 12 mil funcionários públicos”.
São cortes
brutais. Mas o dinheiro do FMI nunca vem sem a exigência de que se cortem
programas sociais. O que, por sua vez, gera agitação na população. O governo
tem de agir contra a população e... acaba prisioneiro de um círculo vicioso.
O processo
está muito bem explicado em “Confessions of an Economic Hit Man” [Confissões de
um matador (economista) de aluguel], de John Perkins. Tudo está ali, bem
explicado.
Uma Ucrânia
oligárquica banderista é inevitável,
por essa simples razão: por causa da corrupção, da falta de competência para
não ser e da falta de vontade de não ser. Nessas condições, a oligarquia é o
veículo ideal para a ação dos controles externos.
Claro que
isso satisfará plenamente tanto os oligarcas quanto o Ocidente.
E,
finalmente, se a junta-marionette em Kiev não conseguir segurar-se, com certeza
implantarão política de terror contra o leste e o sudeste. O fato de que
pareçam não ter poder para tanto, é outro assunto.
Só fazem
demarcar “prazos” e “linhas não ultrapassáveis”. Mas o fato é que nada podem
fazer, porque não têm poder real.
Além do
mais, é claro que o “Setor Direita” (Pravy
Sektor) é grave ameaça à liderança ucraniana.
E o que mais
significará a banderização da Ucrânia, se chegar a ser aprovada?
Bem, o leste
e o sudeste são regiões industrialmente desenvolvidas. São áreas modernizadas.
O oeste é agrícola. É claro que a União Europeia não precisa de indústrias
modernas, como Yuzhmash Motor-Sich: são concorrentes; têm de desaparecer.
Tampouco precisam da energia atômica ucraniana. Só precisam de espaço para
jogar lixo radioativo.
A morte de Oleksandr Muzychko
Uma teoria
sobre por que Oleksandr Muzychko foi assassinado, que me convence plenamente, e
que circula pela internet, é que Yulia Timoshenko, precisando de dinheiro,
assinou um acordo com os europeus, pelo qual a Ucrânia passaria a receber lixo
nuclear. O problema é que não há instalações para isso, na Ucrânia. Então,
terão de enterrar o lixo nuclear. O plano era usar a Zona de Exclusão de
Chernobyl. “Já está poluído. Enterramos e escondemos tudo lá.” Alguém tinha de
agir. Yatseniuk e Turnychov não quiseram tocar, sequer, no assunto. Timoshenko
acertou com Yarosh, e Yarosh instruiu Muzychko. Mas Musychko, apesar do ar de
brutalidade, não era idiota. Percebeu imediatamente que quem estava organizando
aquilo teria de matá-lo. Por isso, começou a agir diferente do que Timoshenko
esperava. E foi assassinado.
Tanto quanto
sei, o trem carregado de lixo nuclear continua estacionado na fronteira
Polônia-Ucrânia, sem ter para onde ir. Parece-me completamente óbvio: a Europa
só precisa da Ucrânia como lixão.
O que me
surpreende, sobre a liderança ucraniana é o seguinte: não morrerão contaminados
nem serão esterilizados só “pessoas comuns”. Os filhos deles, as crianças da
elite também serão envenenadas. Não consigo entender isso. Por que ela (Timoshenko),
santo deus, está convertendo o país num monturo radioativo, se até ela vive lá?
Não quer ser presidenta? Não vai ter de ficar lá, pelo menos, por 4-5 anos? É
muito tempo.
A banderização da Ucrânia significará des-modernização e arcaização futurista do país. Se aquela junta conseguir
implantar-se na Ucrânia – do que duvido muito –, a Ucrânia sofrerá colapso para
dentro dessa zona de arcaização
futurista, mais extrema do que se conhece das novelas de batalhas fantasiosas
de Alexei Kolentev.
Uma
importante lição a extrair de toda a crise da Ucrânia, e que para mim é
positiva, tem a ver com a mídia russa. Pela primeira vez, não somos os
perdedores num conflito. Durante a guerra 08.08.08, alguns veículos adotaram
posição anti-Rússia. Dessa vez, só alguns veículos quase completamente
desnorteados, como o jornal de eventos e entretenimento Echo Moskvy ficaram contra, e, mesmo assim, nem todos no
jornal.
Mas o outro
lado ganhou muitas mulheres em menopausa. Até o editor delas adotou posição
mais ponderada. Um grupo significativo foi chamado de “traidores” pelo
presidente Putin, por se ter posicionado contra nós.
Mas, no
geral, a imprensa-empresa russa não perdeu a infoguerra pela Ucrânia, e
praticamente todos agiram com correção.
E, na
Crimeia tudo foi organizado e feito muito corretamente. Do ponto de vista da
lei internacional, nenhuma tentativa de desacreditar o que foi feito ali tem
como sustentar-se. Tudo foi feito muito corretamente.
E, sim, a
crise expôs vasta série de duplos padrões. Passei os olhos pela imprensa no
momento e quero destacar alguns itens para vocês.
·
Num editorial de New
Statesman, lia-se que “Putin violou a soberania da Ucrânia”. Violou, como?
“Porque mandou tropas para a Crimeia”. É mentira. Nunca aconteceu. Deveríamos
ter feito o quê? Convocar reunião dos diplomatas norte-americanos que
organizaram o golpe para derrubar presidente eleito? É mentira. Completa
mentira.
·
A respeitável The
Economist, de 8 de março. Acusou Putin de ter-se tornado “mais
autocrático”. Só isso. Sem dizer mais nada. Nenhum argumento. Nenhuma
disposição para unir-se às fantasias lançadas sobre as pessoas pelo ocidente é
“tornar-se (mais?) autocrático”. Por essa lógica, “democracia” significa lamber
as botas da OTAN.
· É a mesma
via de distorcer, que já usaram contra Gaddafi, agora repetida contra Putin, na
retórica dos artigos de março, sobre a situação na Rússia. Também na revista Time de 17 de março. Também na Spectator de 8 de março. Alguém de nome O'Sullivan,
escreve: “Putin rompeu o consenso que brotou depois do fim da Guerra Fria”.
Como se Putin tivesse algum dia reconhecido e aceito que o tal conceito
tivesse, sequer, existido. Quem bombardeou a Iugoslávia foi a falta de decoro e
vergonha, e a impunidade, da OTAN, a qual, como se já não bastasse, varreu a
Iugoslávia, à bomba. Vocês provavelmente viram os filmes. Eu ouvi a história
narrada pelos sérvios, há muito tempo. Além do que, quando bombardearam áreas
sérvias, espalharam urânio por toda a região. Hoje, há quantidade imensa de
casos de câncer na Sérvia. As pessoas morrem ainda hoje. Também lançaram
espermicida, com as bombas, para produzir infertilidade masculina, para, assim,
eliminarem os sérvios, que são força pró-Rússia, na Europa.
· Adiante, na
mesma edição de The Spectator comentam uma fala de Obama, que
decidiu que “a Rússia está do lado errado da história”. Pela lógica de Obama, o
lado certo da história seria o dos que arrasaram Hiroshima e Nagasaki com bomba
atômica, atacaram o Vietnã, a Iugoslávia, o Iraque, a Líbia, mataram centenas
de milhares de pessoas. Lado certo da história...
O infantil Garry Kasparov
[Comenta
longamente o que Garry Kasparov escreveu. Importante na Rússia. Não é
importante aqui. NTs].
O que
realmente interessa é que a ordem mundial de 1945 entrou em colapso em 1989, em
Malta, quando Gorbachev entregou tudo. Alguns jornalistas cunharam a expressão,
mas não pegou: “Sistema Maltês”, para substituir “Sistema de Yalta”.
Seja como
for, já não faz sentido algum falar sobre “romper a ordem mundial” firmada em
Yalta.
Mas no que Kasparov escreveu, chama a
atenção o que ele recomenda que o ocidente faça. E o que é?
Diz que o ocidente tem de “pressionar os oligarcas”, os oligarcas, não Putin.
Se o ocidente pressionar os oligarcas, eles mesmos farão o golpe e derrubarão
Putin. É um cidadão russo, dizendo ao Departamento de Estado dos EUA, nos EUA,
como deve proceder para produzir “mudança de regime” na Rússia!
Imaginem um
cidadão norte-americano, escrevendo na Rússia ou, talvez, na China, para
ensinar os locais a derrubarem Obama. Acho que esse cidadão teria problemas,
problemas bem sérios nos EUA... Mas Kasparov continua livre, entra e sai da
Rússia como queira, ninguém nem cogita de cassar-lhe os direitos de cidadania.
Qual a
importâncias desses eventos de fevereiro-março? E aqui chegamos ao coração do
assunto.
Pela
primeira vez desde 1991, o ocidente, os EUA, constroem, embora
clandestinamente, uma agressão contra o mundo russo. Porque a Ucrânia está no
território do mundo russo. Organizaram uma agressão muito, muito longe das
próprias águas. Não é razoável supor que a Ucrânia esteja na zona de interesse
dos EUA. O México, talvez; talvez, até, Cuba. Podem até dizer que Cuba estaria
na zona de interesse deles. Mas a Ucrânia é distante demais. Como o Iraque,
também é distante demais.
Foi
agressão, pela primeira vez, desde 1991. Entenderam que poderiam agir. E pela
primeira vez, desde 1991, o agressor, aqui, não teve vida mansa. Foi absolutamente
excelente.
Apesar da
gritaria e barulheira no ocidente, não cedemos, nos reintegramos com a Crimeia
e, como disse o presidente Putin na Praça Vermelha:
A
Crimeia voltou ao seu porto nativo. Aconteceu assim. E podem gritar o quanto
queiram. Pode-se cantar, como o grupo “Nautilus Pompilius”: Goodbye, America! – ganha até um tom simbólico: Goodbye, America!
Acabaram-se
aquelas relações que havia sob os governos russos dos anos 1990s, até no
primeiro mandato de Putin, também no período Medvedev. Foram-se aqueles dias.
Porque o ocidente não perdoará o que nosso atual governo fez e está fazendo.
E, bem... se
o ocidente ainda tinha alguma dúvida, já não há como duvidarem: “olhe aqui, ocidente, nós não somos
Milošević, não somos Saddam Hussein nem Gaddafi” – E nem esses fariam,
contra a Rússia, o que o ocidente fez. Agora, o ocidente já não pode ter
dúvidas.
E
o ocidente não tem breques. Sempre tentando resolver só os problemas deles,
eles fazem e fazem e fazem, sempre o mesmo, até que se espatifam na parede.
OS PROBLEMAS
QUE PERMANECEM
Agora, com essa maravilhosa reunificação com a Crimeia, com toda essa vitória crimeana, que realmente pôs fim a toda uma era, mesmo assim alguns problemas ainda permanecem.
O primeiro problema importante que permanece é a incompatibilidade entre (a) o rumo de nossa política exterior, que caminha na direção de restaurar o status da Rússia como grande nação, e (b) o curso econômico neoliberal do governo, a saber, o rumo que, nominalmente, Medvedev continua a dar ao governo.
Agora, com essa maravilhosa reunificação com a Crimeia, com toda essa vitória crimeana, que realmente pôs fim a toda uma era, mesmo assim alguns problemas ainda permanecem.
O primeiro problema importante que permanece é a incompatibilidade entre (a) o rumo de nossa política exterior, que caminha na direção de restaurar o status da Rússia como grande nação, e (b) o curso econômico neoliberal do governo, a saber, o rumo que, nominalmente, Medvedev continua a dar ao governo.
É
impensável, não se pode sequer considerar a possibilidade de um confronto contra
o ocidente, se, internamente, nossa base forem economia e governo neoliberais.
A Rússia só
podemos pensar em confrontar o ocidente, se estivermos apoiados numa economia
de mobilização. Ao mesmo tempo, economia de mobilização só é possível dentro de
um sistema social mobilizado. Em outras palavras, as relações com o ocidente
que agora vão tomando forma para o futuro imediato, exigem mudanças domésticas
muito sérias.
As mudanças internas requeridas
na Rússia
A primeira mudança é cosmética: Uma política
de supressão legal da 5ª Coluna. É absolutamente o primeiro passo a ser dado.
Na sequência, temos de fortalecer vários pontos relacionados à economia e à
estrutura social. Porque, num semestre, a euforia sobre a reunificação com a
Crimeia já terá passado; e no outono nossos problemas econômicos reaparecerão à
superfície.
Pela
avaliação mais otimista, a economia crescerá 1%. Precisamos, no mínimo, de
5-6%. Claro: a insatisfação com a situação econômica será explorada pelos que
organizaram o protesto de massa em Bolotnaya.
Tirarão
vantagem da insatisfação das pessoas. Claro. Inventarão imediatamente uma
aliança de neoliberais e ultranacionalistas. Logo se porão a falar contra “os
oligarcas”, começará a “luta contra a corrupção”, e tal, e tal, e tal, como
sempre.
Então, se
forem bem-sucedidos, logo aparecerá outro grupo de ‘novos oligarcas’, para
substituir os anteriores...
Revolução é
algo que muda a estrutura socioeconômica. Nenhuma das tais “revoluções
coloridas” mudou coisa alguma na estrutura socioeconômica. Apenas, que os
regimes foram substituídos por regimes pró-Ocidente. Só isso, nada além disso.
Esse é um
aspecto que tem de ser muito bem compreendido.
Se a Rússia
adotar um sistema de mobilização, a elite do Atlântico Norte e sua rede de
agentes na Federação Russa imediatamente passarão a tentar derrubar o regime
existente, o que será feito, repito, sob a bandeira da luta anticorruptos e
anticorrupção e tal e tal.
Essa é a
razão pela qual temos de prestar atenção à [Praça] Maidan de fevereiro e os
heróis que lá se revelaram. Observem. Timoshenko subiu ao palanque em Maidan e
disse que os eventos em Kiev são um modelo para os povos de todas as repúblicas
pós-soviéticas em sua luta contra ditadores.
O filho do
criminoso de guerra Shukhevych, Yury Shukhevych, que cumpriu pena de prisão,
também ali, disse que:
A
Maidan de fevereiro é a continuação dos eventos de 1991, o início da segunda
revolução antissoviética, depois da primeira, de 1991-1993, que deve finalmente
destruir o sonho da ressurreição da União Soviética.
Para eles, visivelmente, Maidan foi uma
continuação de 1991-93. A
Rússia reagiu rapidamente e eficazmente àquela Maidan de fevereiro – protegendo
a Crimeia. Eles não contavam com essa reação.
O segundo problema está intimamente
conectado ao primeiro e brota dele: a 5ª Coluna. Os que Putin chamou de
traidores, nacional-traidores. Quantitativamente, é um grupelho, mas inclui
representantes das autoridades, dos negócios, a imprensa, jornalistas, da intelligentsia, da educação.
Basta identificar quem gritava a plenos
pulmões que a reunificação da Crimeia seria o mesmo que Hitler fez na Áustria.
Esse pessoal conseguiu esconder o fato de que a Áustria foi presente que Hitler
recebeu da Grã-Bretanha e da França: sem a aprovação das duas, Hitler nunca
teria anexado a Áustria.
E a razão pela qual deixaram que Hitler
anexasse a Áustria? Porque Hitler não tinha reservas de moedas; e a Áustria
tinha. Ao dar a Áustria a Hitler, deram-lhe o dinheiro necessário para
rearmar-se. Na sequência, deram-lhe a Tchecoslováquia, porque Hitler precisava
do potencial militar-industrial tcheco, que o Reich não tinha. E ele precisava atravessar
a fronteira até a União Soviética.
A crise na Ucrânia mostrou a unidade
entre povo e governo da Rússia, importante na questão de unir o mundo russo.
Mas a crise torna necessário e urgente que se resolvam várias questões nesse
país.
AS QUESTÕES A SEREM RESOLVIDAS COM
URGÊNCIA
Em minha opinião, essas questões são as
seguintes.
·
Primeiro: supressão da 5ª Coluna, por medidas
político-judiciais – separá-los das empresas-imprensa e das fontes de
financiamento, principalmente do ocidente.
· Segundo:
passagem para uma economia de mobilização, conectada a um sistema social
mobilizado, do qual a economia de mobilização será um dos elementos.
·
Terceiro: reformatação da esfera legal-jurídica. Eliminar a
precedência da lei internacional sobre a lei nacional. (Vale lembrar que nos
EUA ou na Grã-Bretanha, a lei nacional tem precedência sobre a lei
internacional. É coisa que conseguiram impingir com sucesso em vários países,
mas não fizeram “em casa”).
Por fim à participação em estruturas
abertamente anti-Rússia e parar – sobretudo! – de financiá-las.
·
Quarto: fortalecer a aliança militar com a Bielorrússia,
apesar das complicações objetivas e subjetivas do processo. Pouca coisa do que
Lukashenko disse sobre a situação na Crimeia me impressionou, mas ele disse uma
coisa muito importante: que a Bielorrússia jamais tomará qualquer atitude que
prejudique a Rússia. Isso é bom. Acho que deveria ter dito mais.
·
Quinto: contra-atacar o opositor, o agressor, não só por
aqui, junto às nossas fronteiras, mas em todas as partes do mundo onde tenhamos
a possibilidade de contra-atacar. É importante, para estabelecer o grau de
vulnerabilidade do agressor.
Temos de nos encaminhar na direção do
ocidente, exatamente como eles se encaminharam na direção da Rússia, desde que
a Rússia começou a existir como tal em 1991.
Recentemente, o cineasta Karen
Shakhnazarov disse algo que é muito verdade, numa entrevista à televisão: “O
ocidente nunca pôs fim à Guerra Fria contra a Rússia. A União Soviética
desintegrou-se, tudo continuou como antes”.
Brzezinski falou muito francamente numa
de suas entrevistas, depois que a Guerra Fria já havia sido dada por acabada.
Disse ele: “Que ninguém se engane: nós não estamos em guerra contra o
comunismo, mas contra a Rússia, tenha o nome que tiver”.
Se tivesse dito “estamos em guerra
contra o espírito russo”, nesse caso teria praticamente repetido as palavras de
Churchill, em 1940:
Não
estamos em guerra contra Hitler, nem contra o nacional-socialismo. Estamos em
guerra como o espírito alemão, o espírito de Schiller, para que jamais seja
ressuscitado.
A mesma espécie de castração espiritual
que foi imposta aos alemães depois de 1945, eis o que quiseram fazer à Rússia,
depois de 1991.
Numa de suas entrevistas, Alexander
Rahr – é uma espécie de político alemão marginal –, disse que muitos políticos
e jornalistas ocidentais não entendem por que a Rússia nunca se arrepende. Quis
dizer: a Rússia perdeu a Guerra Fria. Então, para muitos, teria de fazer um ato
de contrição.
Disse outra coisa, pela qual foi
criticado no Ocidente: “Para o Ocidente, a vitória sobre a União Soviética não
foi menos importante, e provavelmente foi mais importante, que a vitória sobre
Hitler.” Porque Hitler era “gente deles”. A Rússia jamais foi.
Por tudo isso, temos de contra-agir
contra o agressor, não só nas nossas fronteiras, e não só quando nos invadem.
Temos de criar problemas para o agressor, onde ele seja vulnerável.
·
Sexto: temos de organizar, montar contra-ataque
informacional massivo, poderoso contra a elite do Atlântico Norte.
Particularmente agressivo, em todos os pontos nos quais eles têm problemas:
especificamente, no mundo muçulmano e no mundo falante de espanhol.
Estou trabalhando em estreita
cooperação com os serviços de idiomas espanhol e árabe, da rede Russia Today. Estão fazendo trabalho
excelente.
O que significa ‘o público audiente de
espanhol’? Não se trata só de América Latina e Espanha. Há público imenso de
falantes de espanhol dentro dos EUA. Tem de ser explorado.
·
Sétimo e último: reconfigurar a consciência pública, e a
prontidão, para a defesa. Não significa cada um se autoproteger. Defesa
significa compreender claramente que vivemos tempos de guerra. Treinar a
população, sobretudo os jovens, para estarem preparados para reagir contra
qualquer agressão: militar, informacional, cultural, civilizacional.
Tenho visto com prazer o ressurgimento
da educação militar-patriótica, e o conceito de “Prontidão para Serviço e
Defesa” (ГТО). Lembro que, na escola, fazia exames na escola primária,
depois na escola secundária, de “Prontidão para Serviço e Defesa”. Os exames
incluíam testes físicos, corridas, jogando granadas. As crianças adorávamos
aquilo. É abordagem robusta, da questão da defesa.
A razão pela qual vencemos a guerra foi
que tínhamos as “Sociedades de Assistência à Defesa e Construção de
Aviação-Química” [orig. ing. Societies of Assistance to Defense and
Aviation-Chemical Construction, ru.ОСОАВИАХИМ]. Além das organizações públicas de esportes, nos anos 1930s.
Realmente nos preparamos bem, por longo tempo. Quem quer paz – prepare-se para
a guerra.
Somos povo pacífico, mas nosso trem blindado
está pronto, na reserva.
Assim... As mudanças que aconteceram em
fevereiro-março resumem-se como o fim da era das derrotas. Deixar para trás a
era das derrotas é necessário, não só no front externo, mas também
domesticamente. Ainda há por aí muitos personagens odiosos, do tempo de
Ieltsin. Alguns se mudaram para a Ucrânia.
Há um jornalista, Kiselëv, Evgeny
Kiselëv, tem o mesmo sobrenome que Dmitry Kiselëv. Vive na Ucrânia há vários
anos. É homem de Berezovsky-Gussinsky. Trabalha no rádio, na Ucrânia, há muitos
anos. Agora, anda dizendo que tem vergonha de ser russo. Disse isso. Pois nunca
teve vergonha alguma de aprender, do ocidente, como operar na guerra da
informação.
As políticas de informação deles são
sempre de natureza ofensiva. Se nos condenamos a só reagir, estamos sempre um
passo atrás, e assim se perde a guerra da informação.
Vencemos,
na Crimeia, porque nosso governo, sobretudo o presidente Putin, sempre esteve
um passo à frente do agressor. Putin agiu. Eles reagiram. Putin fixou a agenda.
______________________
Nota dos tradutores
[1] Mikhail Kutuzov foi o general que
comandou o exército russo na guerra de 1812 e derrotou a França de Napoleão Bonaparte, depois de atrair
Napoleão para dentro de Moscou e, até, para dentro do Kremlin, onde o sitiou e
o fez passar fome, obrigou-o a tentar voltar à Europa em pleno inverno russo e,
na retirada forçada, o derrotou. A história está contada em vários filmes, por
exemplo, “A Derrota de Napoleão na
Rússia” (1944), filme de propaganda (maravilhoso, da maravilhosa escola
russa de maravilhoso cinema de propaganda). Trailer a seguir:
_________________________
[*] Andrey Fursov é
historiador, do Instituto de Informação Científica em Ciências Sociais da
Academia de Ciências da Rússia. Autor de mais de 200 trabalhos
científicos, incluindo nove monografias. Em 2009
foi eleito acadêmico da Academia Internacional de Ciências (International Academy of Science).
De acordo com os resultados da votação comunidade
científica na Internet em 2000-2004 e 2005. entrou
para a lista dos “100 maiores pensadores sócio-humanitários da Rússia”.
Seus interesses investigativos se centram na metodologia da
pesquisa sócio-histórica, teoria e história dos sistemas sociais
complexos,
apresenta sujeito histórico, o fenômeno do poder (e da luta mundial pelo
poder,
informação, recursos), sobre a História da Rússia, a História do Sistema
Capitalista
e comparações históricas comparativas Rússia Ocidental e Oriental
Realmente a informação objetiva com fundamentação de fatos históricos é fundamental para a compreensão dos fatos que acontecem na Ucrania, sob os quais só temos a análise interessada e cansativa dos americanos, para os que todos os que legitimamente se defendem, são terroristas.
ResponderExcluirParabéns pelo esforço de traduzir esta fundamental matéria!