1/6/2014, [*] Madhi Darius Nazemroaya −Global Research
Traduzido por Mberublue
Presidentes da Rússia, Vladimir Putin e da China, Xi Jinping (em pé), na cerimônia de assinatura do Acordo Santo Graal (21/5/2014) entre a Gazprom e a CNPC |
Já havia negociações há tempos
para um acordo de gás natural entre a Rússia e a China. Por que a gritaria
quando finalmente aconteceu?
Quanto aos acontecimentos mundiais, é prudente que a pessoa
olhe para além das manchetes. Muitos destes acontecimentos são, de forma
sensacionalista, grosseira e tacanha, desarticuladas e mal interpretadas por
uma espécie de novilíngua, combinadas a uma visão estreita. O anúncio de um
mega acordo (também chamado de “Acordo Santo
Graal” [Nrc]) energético que representa cerca de 36.8 bilhões de metros
cúbicos (1.3 trilhões de pés cúbicos) de gás natural fechado entre a Federação
Russa e a República Popular da China em 21 de maio de 2014 é apenas mais um
exemplo disso.
Apesar de não se tratar, nem sinalizar nada de novo, em
termos políticos ou econômicos, nem significar um estreitamento dos laços entre
os dois países, o acordo atingido por Moscou e Pequim está sendo visto dessa
maneira.
De qualquer maneira, de uma ou de outra forma, as notícias
destacam e distorcem a natureza do acordo energético sino-russo e a grande
maioria delas enfatiza este acontecimento em particular apenas nos seus termos
puramente políticos. Na realidade, com perdão ao trocadilho, este acordo já
está no gasoduto há algum tempo e tanto Pequim quanto Moscou tem falado e estão
em negociação sobre algum tipo de acordo de exportação/importação de gás
natural há dez anos. Qualquer um que estivesse seguindo essas negociações
(realmente importantes) saberia disso e identificaria, no ato, a forma
sensacionalista, distorcida e desarticulada com que se relata atualmente o
acordo do gás.
Especialistas e meios de comunicação hostis a Moscou estão
apresentando o acordo como um sinal de que a Rússia tem planos de apertar os
parafusos sobre o fluxo de energia que manda para a União Europeia. Usam então
esta suposição para argumentar por uma diversificação urgente das fontes de
energia da União Europeia, encorajando seus líderes a reduzir seus laços
econômicos com a Rússia e promover o começo de uma “revolução do gás de xisto”
a ser promovida pelos Estados Unidos com a exploração das reservas de gás
natural e petróleo através do processo
de fracionamento hidráulico (fracking).
Poluição dos aquíferos causada pela extração de gá de xisto por "fracking" |
Por outro lado, especialistas e meios de comunicação que
claramente apóiam a Moscou retratam o acordo do gás entre a Gazprom e a
Corporação Nacional de Petróleo da China (China
National Petroleum Corporation – CNPC) como uma movimentação do Kremlin
para minimizar as perdas econômicas e direcionar seus negócios para o leste a
partir de quando foi confrontado com sanções econômicas e desrespeito
diplomático pelo ocidente em relação à Ucrânia e a península da Criméia.
Reclassificar uma tendência existente.
Sem
dúvida, o acordo sino-russo de gás indubitavelmente não marca o começo de uma
política de “olhar para o oriente” ou de “desdolarização”.
A precipitação da crise ucraniana também não causou uma aliança estratégica
entre a Rússia e a China que germinou como consequência da crise. Qualquer
coisa que tentar mostrar o contrário não passa de sensacionalismo projetado
pelas fontes midiáticas e especialistas desinformados que fazem vista grossa
sobre fatos reais que acontecem entre Rússia e China. Em vez disso há, por
parte desses veículos de mídia e especialistas, ou um déficit de compreensão
abrangente dos fatos que estão moldando o mundo, relatados e analisados por
eles ou eles tentam uma malversação que enquadre tais fatos a uma conveniência
aos seus atuais interesses políticos.
De qualquer maneira, nada há de novo em tudo isso.
Primeiro, não há
novidades no acordo firmado entre a Gazprom e a CNPC.
Segundo, desde
quando os Estados Unidos e a OTAN atacaram a República Federal da Iugoslávia em
1999 que a Rússia e a China se tornaram parceiros na estratégia de se opor aos
sonhos dos EUA por um mundo unipolar.
O acordo do gás em si mesmo é parte de uma tendência e um
processo que já se desenvolvem há vários anos. Na realidade há uma década, a
Federação Russa intentou aumentar seu comércio com a Ásia.
Quanto à desdolarização,
há muito tempo os governos da China e da Rússia anunciaram sua decisão de
tentar essa via, negociando com suas moedas locais em vez do dólar.
Em 2007, os governos de China e Rússia iniciaram a
programação para a criação de um grupo de trabalho que visava a desdolarização
do comércio bilateral através de um acordo formal.
Em 2008, quando Vladimir Putin exercia o cargo de primeiro
ministro russo, ele e seu homólogo chinês, o então primeiro ministro Wen
Jiabao, estavam envolvidos neste processo. Acordos semelhantes existem entre
Moscou e Pequim e seus outros parceiros da Eurásia.
O acordo do gás natural anunciado em Xangai foi elaborado
em conjunto por tecnocratas dos dois países. É o resultado de um trabalho de
anos de negociações insistentes – e não um acordo que surgiu de repente no
espaço de poucos meses de trabalho. Também não se trata o acordo sino-russo de
uma iniciativa da Rússia como esforço para fugir das sanções econômicas que são
feitas a toda hora por Washington e seus parceiros.
De uma forma ou de outra, o negócio que atualmente é
avaliado em US$ 400 bilhões seria fechado e assinado, independentemente das
tensões entre Moscou e Washington sobre a crise que arde na Ucrânia.
Malha de ferrovias e o Oleogasodutostão unindo Rússia (Sibéria) e China (clique na imagem para aumentar) |
Por causa das sanções econômicas contra a Federação Russa,
a revelação da finalização do acordo, feita na última semana durante a cúpula
reunida na Conferência sobre Interação e Medidas de Confiança na Ásia em Xangai
teve destaque político e foi politicamente encenada, enfatizando cuidadosamente
as ramificações trazidas pelo anúncio do acordo.
Mesmo sendo verdade que o negócio foi destacadamente
tecnocrático, há forte possibilidade de que o preço de compra do gás tenha
sofrido alteração por parte dos russos em relação ao que pediam anteriormente aos
chineses, o que teria feito ambos os lados acelerarem o processo de fechamento
do acordo, daí sim baseados em considerações políticas. Falando de outra forma,
a guerra econômica desencadeada contra a Federação Russa pode sim ter apressado
o fechamento do acordo com a introdução de variáveis ou objetivos políticos
para o que até então era apenas uma questão tecnocrática para ambos os países.
O acordo do gás e a guerra psicológica.
A frase que importa neste instante é: confiança dos
investidores. O que marcará definitivamente o acordo do gás é o fato de que a
China e a Rússia têm de volta a arma da confiança dos investidores na guerra do
mercado. Em larga medida, o anúncio do acordo fechado em Xangai é uma resposta
da Rússia e da China aos Estados Unidos e seus aliados que estão
estrategicamente tentando minar a confiança dos investidores na economia russa.
Em seu depoimento de 08 de maio de 2014 ao Comitê de
Política Externa da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos da América,
Victoria Nuland, secretária assistente do Estado para assuntos da Europa e da
Eurásia, afirmou o que segue, de uma declaração adrede preparada:
Victoria Nuland |
A economia
russa já está se curvando à pressão das sanções internacionais que lhe foram
impostas. Sua classificação de crédito paira um pouco acima do status “junk”
(lixo). 51 bilhões de dólares de capital externo saíram da Rússia desde o
início deste ano e aproximadamente 61 bilhões de dólares durante o ano de 2013.
Os títulos russos têm o rendimento negociado mais alto de toda a Europa, mais
que a dívida de qualquer outro país. Com a queda do rublo, o Banco Central teve
que elevar as taxas de juros por duas vezes e gastou cerca de 30 bilhões de
dólares americanos de suas reservas desde o início do mês de março apenas para
estabilizá-lo.
Embora Nuland não tenha dito de forma clara que o povo
russo era o alvo das sanções e dos danos colaterais destas, acabou por ficar
muito claro entre os ouvintes que o alvo das sanções sempre foi, na realidade,
o povo russo. O deputado Albio Sires, durante a palestra e algo candidamente,
deixou bem claro que o povo russo “tem que sentir” as sanções, e mais: pediu
provas para a administração Obama de que o povo estava sofrendo na pele o
castigo das sanções econômicas que os Estados Unidos lhes impunham. Sires foi
tranqüilizado por representantes do Departamento de Estado e do Tesouro dos
EUA, que declararam que o povo russo “começará a sentir” a punição das sanções
econômicas com o estrago no comércio entre a Rússia e a União Europeia, com a
alta desenfreada do custo dos empréstimos e com a inflação se expandindo.
As palavras de Nuland encontraram eco em Daniel Glaser, secretário assistente para terrorismo
financeiro (grifo do tradutor) no Departamento do
Tesouro, na mesma audiência no Capitólio. Deixaram ambos bem claro que o
governo dos Estados Unidos está trabalhando para impor custos econômicos
severos aos russos que devem crescer como uma bola de neve. Glaser deixou bem
claro porém, que é preciso tempo para que os danos infligidos à economia russa
pelos EUA tenham reflexos políticos. A intenção é que a criação de uma recessão
econômica na Rússia possa tornar o povo russo tão miserável que eles mesmos
exigirão que o Kremlin se renda às imposições dos Estados Unidos.
Daniel Glaser |
Eis o depoimento de Glaser:
As sanções, e a incerteza que certamente trarão
ao mercado, terão impacto direta e indiretamente na já combalida economia
russa. Com o aumento das sanções, não só os custos aumentarão como também a
possibilidade da Rússia mitigar seus efeitos diminuirá. Os analistas de mercado
já estão prevendo saídas pesadas e contínuas de capital estrangeiro e local, e
um enfraquecimento das perspectivas de crescimento para este ano. O FMI reviu
para baixo as expectativas de crescimento da Rússia para 0,2% este ano,
sugerindo que não está fora de questão o surgimento de uma recessão.
Ele também fez as seguintes observações:
- Desde o início de 2014, o mercado de ações da Federação Russa caiu cerca de 13%.
- Pesadas saídas de capital começaram a prejudicar a economia russa, o que teve como resultado a degradação da classificação do crédito soberano da Rússia pela Standard and Poors para BBB-, apenas um nível acima do que a S & P chama de “status de lixo” (junk status).
- Investidores em títulos russos exigem agora mais retorno, já que o investimento na Rússia envolve riscos maiores.
- O Banco Central da Rússia gastou quase 50 bilhões de dólares americanos, ou 10% de toda a sua reserva em moeda estrangeira para defender sua moeda (e seu valor) ante o ataque financeiro desfechado por Washington.
- Apesar da substancial intervenção do Banco Central Russo no mercado, a um aumento nas taxas de juros, a moeda nacional russa depreciou-se cerca de 8% desde o início de 2014.
O que Glaser parece ter “esquecido” de dizer é que a
classificação supostamente má de BBB- à qual foi reduzida a economia russa pela
S & P, é a mesma classificação dessa agência para outros dois parceiros dos
russos no BRICS, que sejam a Índia e o Brasil, os quais não parecem estar
tremendo de medo ou em pânico por causa disso. Também esqueceu que as análises
feitas pela S & P, como a economia, não estão livres de manipulação por
interesses políticos. A própria ênfase na classificação como sendo “um nível
apenas acima do status de lixo” não passa de teatro deliberadamente destinado a
causar alarme e medo.
O método de Washington contra a Rússia, claramente envolve
estratégias para insuflar incertezas no mercado com a intenção de
desestabilizar a Rússia ou, como Nuland colocou, “criar condições no mercado
que tornem a Rússia cada vez mais vulnerável a ataques financeiros”. A guerra
psicológica para minar a confiança na economia da Federação Russa usando
manipulação financeira foi lançada e a oportunidade temporal do anúncio do
acordo sino-russo do gás está ligada a isso.
Mesmo que o negócio já estivesse em negociações e
independentemente da situação na Ucrânia, e que a Rússia está se voltando para
a China como forma de obter apoio econômico contra a guerra financeira que está
enfrentando, a revelação extremamente pública do acordo de energia fechado em
Xangai foi um contraponto às ações de Washington contra a Rússia.
Não apenas a realização finalizada do acordo sino-russo de
gás indica que a Rússia tem alternativas econômicas, como o seu anúncio serviu
como um “jab” psicológico para contrapor aos ataques financeiros do governo dos
Estados Unidos contra a Rússia, destinados a minar a confiança dos investidores
na economia russa. Supostamente, o que o acordo faz é tornar segura a confiança
na economia russa, ao mostrar que a Rússia terá ganhos elevados pelos próximos
30 anos.
[*] Mahdi Darius
Nazemroaya é cientista social, escritor premiado,
colunista e pesquisador. Suas obras são reconhecidas internacionalmente em uma
ampla série de publicações e foram traduzidas para mais de vinte idiomas,
incluindo alemão, árabe, italiano, russo, turco, espanhol, português, chinês,
coreano, polonês, armênio, persa, holandês e romeno. Seu trabalho em ciências
geopolíticas e estudos estratégicos tem sido usado por várias instituições
acadêmicas e de defesa de teses em universidades e escolas preparatórias de
oficiais militares. É convidado freqüente em redes internacionais de notícias
como analista de geopolítica e especialista em Oriente Médio.
Atualmente, em viagem
pela América Central, está com a Frente Sandinista de Libertação Nacional, em
sua base em León, na Nicarágua. Esteve como observador internacional em El
Salvador, no primeiro turno das eleições em El Salvador, onde esteve em contato
com funcionários do governo salvadorenho.
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