11/6/2014, Carta Maior
(texto editado pelo pessoal
da Vila Vudu [1])
“Mas não
gosto de dar entrevista. Não quero engrossar o coro de lamentação dos intelectuais”.
Graaaaaaaaaaande
Conceição! Imbatível Conceição!
Essa é uma crise que
estreita o campo de manobra, ao invés de ampliá-lo, como aconteceu em 29. Sim,
você tem a comprovação empírica do fracasso neoliberal, mas são eles que
persistem e dão as cartas no xadrez global. Vivemos um colapso do neoliberalismo
sob o tacão dos neoliberais: a pasmaceira política aqui é reflexo desse
paradoxo.
Maria da Conceição Tavares |
Cautelosa,
quase reticente em falar de economia, “numa hora em que tem tanta gente falando
bobagem”, Maria da Conceição Tavares, a decana dos economistas brasileiros, voz
sempre ouvida com atenção quando o horizonte se anuvia, como agora, rejeita as
soluções miraculosas oferecidas na praça para destravar os nós do crescimento
brasileiro.
A campanha
eleitoral antecipada na queda de braço em torno da Copa do Mundo exacerbou a
divisão do país em duas visões de futuro, diz Conceição, cautelosa:
“Uma valoriza
os avanços obtidos na construção da democracia social nos últimos doze anos.
Não considera o caminho concluído, mas é o que está sendo construído.
A outra,
majoritariamente abraçada pelo conservadorismo e pelas empresas-imprensa equipara
o resultado desse percurso a uma montanha desordenada de escombros. Um Brasil
aos cacos. Propõe-se a saneá-lo de forma radical. Em primeiro lugar, esse “começar
de novo” retiraria o país das mãos do “populismo petista”, em outubro próximo.
Para entregá-lo em seguida a quem entende do ramo: os mercados e suas receitas
de “contração expansiva”, que combinam arrocho salarial e fiscal com fastígio
dos fluxos de capital sem lei”.
Na conversa
com Carta Maior, Conceição avança com cuidado, escolhendo as palavras ao
transpor o limite que havia se imposto de não mexer nesse ambiente conflagrado.
“A situação é
muito delicada, por conta do encavalamento de gargalos econômicos e disputa
eleitoral”, admite. “Mas o fato é que o projeto Dilmista em curso é o mais
adequado à sociedade brasileira”.
“Avanços
sociais, emprego, salário e crédito para manter a atividade – não para puxar,
me entenda, mas para manter o nível de atividade. São doze anos de estirão por
essa via, agora é manter, enquanto se avança no investimento em infraestrutura,
que vai puxar o novo ciclo. É o que tem que ser feito. E está sendo feito”. E
prossegue:
“A maior
dificuldade reside justamente nisso. Não há muito mais o que inventar. Essas
coisas mirabolantes que se puxam da cabeça, como se a crise fosse uma coisa
mental e não uma luta social, não fazem sentido e arriscam pôr tudo a perder”.
Quem fala entende de crise
Conceição
nasceu em abril de 1930, seis meses depois da “Quinta-feira Negra”, de outubro
de 1929, quando as bolsas reduziram a pó e pânico todo um ciclo capitalista de
riqueza especulativa.
“O que se
passa é distinto de tudo aquilo” – dizia ela em entrevista a Carta Maior
no calor dos acontecimentos da desordem neoliberal, em 2011.
Aquele
entendimento pioneiro é reiterado hoje quase com as mesmas palavras, agora endossadas
pelos fatos em curso.
“Essa é uma
crise que estreita o campo de manobra , ao invés de ampliá-lo, como em 29. Sim,
você tem a comprovação empírica do fracasso neoliberal, mas são eles que persistem
e dão as cartas no xadrez global.
Vivemos um
colapso do neoliberalismo sob o tacão dos neoliberais: a pasmaceira política aqui
é reflexo desse paradoxo”.
A professora
de reconhecida bagagem intelectual, em geral prefere não avançar na reflexão
política e ideológica. Mas tem feito concessões diante do cenário de areia
movediça no qual a bússola política parece ter perdido a capacidade de mediar o
cipoal econômico (leia ao final desta nota trechos de um artigo de Maria da
Conceição , “A era das distopias”, publicado originalmente na revista Insight
Inteligência).
Preocupa-a a
ansiedade que a crispação política injeta no quadro econômico.
“Os partidos
estão desengonçados, os movimentos sociais fracionados, os sindicatos aquém do
espaço que lhes cabe. Essa pulverização incentiva soluções redentoras” – avisa,
com um misto de preocupação e revolta. Pensa um pouco e atira:
“Uns querem
milagre social, outros arrocho fiscal” – e repete a disjunção, satisfeita com a
síntese extraída à força do denso nevoeiro. – “E ambos estão desastradamente
equivocados!”.
A crítica
aberta alveja, de um lado, movimentos avulsos que se comportam às vezes como
clientes da sociedade e não como corresponsáveis pela arquitetura da
emancipação da sociedade. De outro lado, alveja a pregação ortodoxa (a agenda
tucana para outubro de 2014).
“Uns querem
milagre; outros, arrocho” – repete. E nesse corredor estreito, elege a
resistência histórica como o chão pelo qual vale a pena lutar nesse momento.
“Lula está
certo. No geral, ele está certo” – diz. – “Lula é pessoa sensata, ao contrário
de muitos economistas visionários que estão à procura de um novo modelo; ele
sabe que uma conquista histórica não se pode perder”.
“Se não há
inflação de demanda (e não há), então por que arrochar o crédito?” – Como o
ex-presidente perguntou em evento recente no Rio Grande do Sul, diante de
autoridades da área econômica do governo.
Conceição o ampara.
“A inflação
de alimentos tem origem na seca, não na exacerbação da demanda. O custo da
energia, idem. Do lado externo, o dólar baixo que desestabiliza o setor externo
da economia é um reflexo da fraca recuperação mundial. Vamos negociar um novo
modelo com o clima, ou com o Fed ?” – detona.
Sem mudar o
tom de voz, a economista debulha e esfarela os grãos das receitas alternativas:
“Vamos fazer arrocho fiscal? Arrocho quem faz são eles! Não recomendo mexer em
modelo algum. O que devemos é sustentar o nível de atividade e avançar no
investimento em infraestrutura, com forte aporte estatal” – e, aí, já está
completamente à vontade, sem compromisso com a decisão de não discutir a luta
pelo desenvolvimento brasileiro “porque é luta que passa por momento delicado”.
Conceição não
acredita que o país possa recuperar integralmente o espaço que a indústria
brasileira perdeu para a concorrência internacional. Mas preconiza uma
revitalização em novas bases. Injetando nervos e musculatura à capacidade
competitiva, com dose combinada de desvalorização cambial e redução do juro.
“Não agora. No próximo governo, quando a inflação climática tiver perdido o
ímpeto”.
A reinvenção
do sistema industrial conta, no seu entender, com uma alavanca fortemente
apoiada em três pontos de chão firme: mercado de massa, pré-sal e grandes
projetos de infraestrutura. E encoraja: “Não é coisa pouca”.
O ceticismo dos
que enxergam uma contradição insolúvel num capitalismo que bordeja a fronteira
do pleno emprego não ofusca seu campo de visão.
O emprego, o
salário e o crédito ordenam a ótica histórica dessa economista que modulou a
filiação keynesiana pela chave da esquerda: formam trunfos da luta pela democracia
social, não obstáculos.
Os pilares
dessa construção híbrida constatam que o pleno emprego no capitalismo enseja
ganhos salariais acima do incremento de produtividade.
Uma
dissociação que resultaria em desequilíbrios esgotantes, circunscrevendo a
história em uma espécie de empreitada de Sísifo: luta-se para gerar empregos
até que, uma vez criados, eles se tornam disfuncionais e têm de ser destruídos.
Pelo bem do sistema. E ai de quem não os destruir.
O “populismo
petista” está entre os que resistem. A um custo alto para a economia.
Em miúdos e
graúdos, a fatura assumiria a forma de uma inflação ascendente, com retração do
investimento produtivo em proveito da especulação rentista – que se beneficia
da alta dos juros inerente à tensão inflacionária do conjunto.
É o
diagnóstico híbrido que se dissemina. Mas que Conceição rejeita: a ideia de
sistema econômico intrinsecamente avesso ao pleno emprego é estranha a essa
economista.
“Como
assim... se o que tivemos nos trinta anos do pós-guerra foi exatamente pleno
emprego, com estabilidade, direitos e crescimento?” – Conceição pergunta.
O que existe
hoje, no entender dela, é um pouco mais complexo e enervado de história, do que
uma fórmula fechada em si.
A desregulação
financeira – que se explica em parte por erros, rendições e derrotas da
esquerda mundial – catalisou e fortaleceu interesses contrários a um desenho de
desenvolvimento comprometido com a maior convergência da riqueza e das
oportunidades.
“Aceitá-la
como inexorável explica o funeral da socialdemocracia europeia” – diz
Conceição.
Mas não
significa que não se possa – “Deve-se!”, ela já retruca – reinventar o espaço
de um desenvolvimento cuja finalidade seja gerar empregos, salários, qualidade
de vida e direitos. Esse espaço morreu na Europa hoje.
“Mas está
vivo no Brasil e em partes da América Latina” – lembra essa portuguesa que
escolheu como sua pátria a luta pelo desenvolvimento com justiça social.
De dentro
dessa pátria, Conceição encara as adversidades à sua volta e endossa a intuição
de Lula e o destemor de Dilma com uma palavra tantas vezes pertinente em sua
vida: resistir, resistir, resistir.
“Resistir para
avançar. O resto é arrocho”.
A seguir,
trecho de artigo de Maria da Conceição Tavares, publicado originalmente na
revista Insight Inteligência.
As pessoas estão perdidas, não sabem como se
guiar do ponto de vista político, econômico. E com isso a história parece que
não se move. O futuro fica ilegível, amorfo.
Na verdade, se o PIB é “pibinho” ou não, qual o
problema? Vai ser 2%, 3% ou 4%? O problema é ter emprego. Para mim, os
critérios clássicos são: emprego, salário mínimo e ascensão social das bases.
Desde o século 18, os movimentos políticos,
sociais e econômicos deixaram de se orientar pela ideia de tradição,
substituindo-a pela de um futuro diferente e melhor. Eles acreditavam que a
história tinha um sentido, um objetivo, uma utopia: criar uma sociedade mais
livre e mais igualitária.
A busca da liberdade pautou o século XIX:
liberdade do indivíduo, política e econômica, representada pela Revolução
Francesa. Depois, no século XX, vieram o marxismo e a promessa do reino da
igualdade, representada pela Revolução Russa. Foi também em nome da igualdade
que se construiu o Estado do Bem-estar, como alternativa ao socialismo.
O planejamento era ideia inseparável dessa
visão de mundo. Democratização, planificação, esse é o século XX. As pessoas
acreditavam que o futuro estava destinado a isso. E orientavam-se politicamente
em função da reconstrução do mundo. Mas essa orientação histórica rumo à
liberdade e à igualdade, elaborada no Iluminismo, acabou no final do século XX.
Acho difícil saber para onde vamos. Não dá para
dizer se o resultado do que está ocorrendo será positivo ou negativo, à luz do
que se conheceu até aqui. O que ocorre hoje pode ser uma transição ou um
apodrecimento. Transição não sei para quê, porque não há utopia prévia. Você
podia falar em transição para o socialismo no século XVIII ou XIX, porque
estavam lá as manifestações e as utopias prévias. Mas, agora, transição para o
socialismo quer dizer o quê?
Tudo bem, pode ser que seja um viés reformista
da minha geração... Eu sou uma adolescente do século XX e me identifico muito
com ele, a favor do que era bom, e contra o que era ruim. Por outro lado, não
vejo causas que sirvam para agregar de forma propositiva tantos interesses
fracionados. Ninguém sabe como reagir, se não há conceito e pensamento,
organizados a partir de uma utopia. Acho que esta sensação de impotência, de
não se ver ninguém pensando diferente, deriva daí.
Diga-me um autor relevante que não esteja pensando
dessa maneira, prostrado pela falta de alternativas? Não há ousadia em nada,
pelo menos do ponto de vista do pensar. Ninguém na academia está falando nada
muito diferente. Por isso, não gosto de dar entrevista, não quero engrossar o
coro de lamentação dos intelectuais. Pode ser que eu já esteja ultrapassada,
que esteja velha. Mas é como eu estou vendo. De qualquer forma, esse ciclo vai
passar. Torcemos para que ele não seja longo.
Comentário da Chica Fuza, tradutora (mal-humorada) da Vila Vudu: Tivemos de dar uma ajeitada/editada, para o
texto da entrevista ficar compreensível. Que loucura é essa, agora, de o
jornalista-entrevistador querer aparecer MAIS que o/a entrevistado/a? Que
saaaaaco! “Martelete midiático” foi a Conceição que disse? Ou foi o
entrevistador? Só de ter de perguntar, já se vê que merda a Carta Maior fez
dessa SENSACIONAL entrevista. Imprensa-empresa não é “martelete”: é chibata, é
tronco, é pelourinho. E não é “midiático”: é comercial, visa ao lucro, não à
informação ou à verdade. A imprensa-empresa é a peste: tem de ser erradicada,
tem de ser extinta... “Martelete midiático” sóssifô a mãe do jornalista.
Sinceramente.
Comentário enviado por e-mail e postado por Castor Filho
ResponderExcluirDepois de três infrutíferas tentativas de provar que não sou um robô, escrevendo os nomes dos números que deveria reconhecer, desisti. Mas, reproduzo abaixo o meu comentário. Gostaria de compartilhar. com este comentário, na minha página do Facebook.Abraço
É bom saber que a grande Maria da Conceição Tavares continua brilhante e muito lúcida nas suas análises da conjuntura econômica nacional.
Arthur Poerner (escritor e jornalista)
Vou postar sua resposta no grupo redecastorphoto do Facebook.
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