Fascismo:
um “ismo” para o século 21
6-8/6/2014, [*] Peter Lee, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Fascistas (neonazistas) desfilam com suástica estilizada e efígie de Stepan Bandera |
Leitores não
europeus talvez não saibam, mas a primavera é a estação preferida para as
marchas dos fascistas nas repúblicas do Báltico. Na Estônia, é dia 16 de
fevereiro; na Lituânia, 16 de fevereiro e 11 de março (aniversários das
declarações de independência); e 16 de março, na Letônia (dia 16/3/1944, pela
primeira vez a Legião Letoniana lutou ao lado da Wehrmacht contra o
Exército Vermelho), os fascistas locais desfilam para celebrar seus grandes
fascistas e seus fascistas heróis, a maior parte dos quais colaboraram com a
Alemanha nazista durante a IIª Guerra Mundial, em guerra contra a União
Soviética.
O grande
evento dos fascistas ucranianos é 1º de janeiro, aniversário do nascimento de
Stepan Bandera (1909-1959), líder do grupo fascista OUN-B (Organização dos Ucranianos
Nacionalistas-Bandera).
Em 2014, 15
mil pessoas marcharam à luz de archotes, pelas ruas de Kiev, dia 1º de janeiro,
para homenagear Bandera.
O fascismo no
leste da Europa é ideologia durável e alarmantemente vital. Não se trata só de
afeto atávico por Hitler e o nazismo, por um poucos doidos fanáticos.
E o fascismo
ucraniano é mais durável e mais vital que vários outros fascismos. Foi forjado
nas condições mais adversas que se possam imaginar: na fornalha do stalinismo,
sob governo de Hitler e durante o esforço polonês para destruir a nacionalidade
ucraniana.
Kruchev |
Entre as duas
guerras mundiais, o nacionalismo ucraniano ficou sob ataque feroz. A URSS
ocupava a parte leste da Ucrânia, submetida à coletivização sob Stálin, e
implantou repressão feroz; e a fome matou milhões. De início, os soviéticos
tentaram cooptar o nacionalismo ucraniano, apoiando a expressão cultural
ucraniana, ao mesmo tempo em que reprimiam as aspirações políticas ucranianas;
as políticas para as nacionalidades da URSS eram “nacionalistas na expressão e
socialistas na essência”. Então, em 1937, Stálin fechou todo o aparelho
cultural ucraniano e o aparelho comunista num só expurgo, e implementou um
controle central russificado, servindo-se de seu instrumento sob medida: Nikita
Kruchev.
Entrementes,
a parte leste da Ucrânia estava sob o tacão da República da Polônia, que
tentava impor-se, antes que ou alemães ou russos reaparecessem para dificultar
outra vez a ação do mesmo tacão. Implicou avançada organizada dos poloneses,
política, de segurança, cultural e demográfica, contra a Galicia ucraniana. O
governo polonês expulsou intelectuais e fazendeiros ucranianos, atacou a
cultura e a religião deles (tomou inclusive igrejas ortodoxas, transformadas em
prédios católicos romanos), marginalizou os ucranianos dentro de sua própria
terra, e reprimiu os ativistas ucranianos pró-independência (como Bandera, que
passou seis anos – de 1933 a
1939 – na prisão polonesa de Wronki, depois de ter tentado assassinar o
ministro polonês do Interior).
Nacionalistas
ucranianos, portanto, não conseguiram levar ao poder nem o comunismo nem a
democracia burguesa. O comunismo era ferramenta do expansionismo soviético, não
de empoderamento de classe; e a democracia polonesa não oferecia qualquer proteção,
nem direitos, nem expressão política – muito menos algum estado ucraniano –, à
minoria ucraniana.
Muitos
nacionalistas ucranianos voltaram-se na direção do fascismo, especificamente na
direção do conceito de “nacionalismo integral”, o qual, na ausência de governo
nacional aceitável, manifestava-se ele próprio num desejo nacional que ainda
havia no espírito dos militantes, não manifestado pelo estado, ou limitado por
suas leis, mas como que encarnado num líder carismático e exercido mediante uma
organização-partido, cuja legitimidade supera a do estado, e cujo compromisso
com a violência a converte, a própria organização-partido, em lei.
Stepan Bandera, já coronel nazista, entre 2 oficiais alemães na IIa. Grande Guerra |
O líder, pelo
menos para muitos ucranianos de convicção fascista, era Stepan Bandera. A
organização, a sua OUN-B (Organização dos Ucranianos Nacionalistas-Bandera).
Esse estado
de coisas persiste no Setor-Direita, (Pravy Sektor) grupo sucessor, hoje, da
OUN-B, com seus uniformes fascistas, culto ao líder, e braço paramilitar. A
ascensão do segundo maior grupamento fascista, o Partido Svoboda, mais
parece uma reembalagem estratégica, que oculta os antecedentes fascistas, em
busca de maior sucesso eleitoral.
Fato é que,
infelizmente para os defensores e apoiadores do atual regime de Kiev, o
adjetivo correto para descrever esses dois partidos não é nem “nacionalistas”
nem “ultranacionalistas”; é “fascistas”.
Fatalmente, o
governo ucraniano voltou-se para o nacionalismo e os heróis fascistas, para
tentar forjar uma identidade pós-soviética essencialmente ucraniana, para
aquele estado no pós-1991.
Numa
repetição de uma tendência no leste da Europa para fazer ressurgirem os
nacionalistas fascistas da IIª Guerra Mundial – alguns dos quais colaboraram
ativamente com os nazistas – para reforçar o sentimento anti-russo, Bandera foi
também adotado como herói nacional ucraniano: em 2010, o presidente Yuschenko
condecorou Bandera postumamente (e também ilegalmente, segundo sentença de uma
corte de Donetsk), como “Herói da Ucrânia”.
Viktor Yushenko |
A verdade
inconfortável é que o governo investiu tanto esforço para reinventar e celebrar
Bandera como herói nacional, que o epíteto “banderista”, que os pró-Rússia usam
para o regime de Kiev, não está muito distanciado da verdade.
Por razões
óbvias, a propaganda russa muito trabalhou para caracterizar Bandera como
nazista, até condená-lo como colaborador de Hitler em sua guerra contra a URSS
e contra o mundo, não como combatente independentista contra a Rússia e o
governo soviético – brutal e extremamente impopular (pelo menos entre os
ucranianos étnicos) – no leste da Ucrânia.
Na verdade, o
fascismo banderista, com seu foco em criar um estado ucraniano puro, só
tangencialmente se relacionava às extravagâncias expansionistas hitleristas,
centradas numa guerra apocalíptica contra o “judeu-bolchevismo” que, na ideia
de Hitler, plantava-se como obstáculo entre a Alemanha e o lugar que lhe
caberia por direito como governante de uma Europa racialmente limpa e império
global comparável aos EUA e à Grã-Bretanha.
Bandera não
foi colaborador nazista importante, mas é verdade é que jamais encontrou espaço
real para tentar ser mais. Ativistas independentistas ucranianos de todas as
estirpes lançaram-se no nazismo nos anos 1930s, vendo a Alemanha como única
força que poderia destruir os dois opressores que eles odiavam: a Polônia,
odiada pelos ucranianos do oeste; e a URSS, pelos ucranianos do leste.
Mas os
nazistas sempre desconfiaram dos eslavos, aos quais na nova ordem ariana
receberiam tarefas degradantes. Os trabalhadores ucranianos levados para
trabalhar na Alemanha eram submetidos a condições miseráveis e tratamento
subumano, por mais que suassem a serviço do Reich.
As conhecidas
formações militares de ucranianos étnicos, “SS Galiciana” e “Nachtigall”
e “Roland”, sempre mantidas sob rédea curta pelos alemães, não fizeram muita
coisa durante a IIª Guerra Mundial, e só viram ação às veras quando os nazistas
ficaram realmente desesperados.
Os nazistas estavam
decididos, sobretudo, a manter total controle sobre a Ucrânia, região central
para o conceito nazista de uma Lebensraum sem eslavos e zona chave para
suas operações militares contra a URSS. Sabiam que o interesse pétreo de
Bandera era criar um estado ucraniano que nenhum estrangeiro controlaria, e
sabiam de sua tendência à violência física. Os nazistas o mantiveram preso por
quase toda a IIª Guerra Mundial e só o libertaram no esforço
“pouco-demais-tarde-demais” para deter o Exército Vermelho que já varria a
Alemanha da Europa Oriental em 1945.
Pós-guerra,
um oficial alemão observou – observação eloquente – que a guerra no leste não
foi perdida em Stalingrado; foi perdida “muito antes – em Kiev, quando
hasteamos a swastika em vez de hastearmos a bandeira ucraniana!”.
Stepan
Bandera foi fascista e terrorista convicto, cuja organização OUN-B lançou
campanha de limpeza étnica com massacres de brutalidade inimaginável durante a
IIª Guerra Mundial. Thomas Snyder, historiador de Yale, elogiador incansável de
praticamente tudo que tenha acontecido na praça Maidan em Kiev, suspende os
elogios no momento em que Bandera entra em cena.
Os nazistas
mataram dezenas de milhões de anônimos no leste da Europa como parte de uma
guerra de conquistas que visava a germanizar a Europa até os Urais; os
ucranianos da OUN-B assassinaram dezenas de milhares dos próprios vizinhos, ao
mesmo tempo em que tentavam arrancar um estado nacional só deles, do tecido
político do leste da Europa.
Como Hitler,
Bandera queria purificar a “pátria” dos seus elementos impuros. Diferente de
Hitler, Bandera só pode aplicar sua fúria contra seus inimigos – basicamente os
poloneses da Galicia – por alguns meses.
5 mil
policiais ucranianos desertaram com as armas para unir-se ao grupo de Bandera, quando
o poder dos nazistas começava a desmanchar-se na Ucrânia, e garantiram os
músculos necessários para a mais famosa ação de Bandera na IIª Guerra Mundial:
o massacre de poloneses onde hoje está o que se chama “oeste da Ucrânia”.
Os
historiadores concordam em que as forças de Bandera cometeram atrocidades
sistemáticas para gerar um reino de terror que espantaria dali os poloneses.
Norman Davies |
Norman
Davies:
Cidades foram incendiadas. Padres católicos
romanos foram empalados ou crucificados. Igrejas foram incendiadas com todos os
paroquianos que haviam procurado refúgio ali. Fazendas isoladas foram atacadas
por gangues armadas com ancinhos e facas de cozinha. Houve degola. Mulheres
grávidas foram mortas à baioneta. Crianças cortadas ao meio. Homens foram
emboscados no campo e nunca mais foram vistos.
Timothy
Snyder:
Timothy Snyder |
Os partisans
ucranianos queimaram casas, mataram a tiros ou obrigaram a entrar nas casas os
que tentavam fugir, e usaram foices e ancinhos para matar os fugitivos
capturados. Houve degola, crucifixão, esquartejamento, corpos com as vísceras
expostas foram deixados nas estradas, para aterrorizar poloneses remanescentes
e fazê-los fugir.
Várias
estimativas falam de algo entre 35 mil e 100 mil poloneses mortos, durante o
terror banderista.
Os que defendem
Bandera lembram que ele ainda estaria preso na Alemanha, quando aconteceram os
massacres, e que não haveria provas de que ele tivesse ordenado os massacres.
Mas, dada sua ideologia, o ódio manifesto contra os poloneses e seu papel como
líder carismático de sua facção, é pouco provável que seus seguidores tivessem
empreendido os massacres sem orientação superior.
Roman Shukhevych |
Um dos
tenentes de Bandera foi Roman Shukhevych. Em fevereiro de 1945, Shukhevych
distribuiu ordem que dizia:
Em vista do sucesso das forças soviéticas, é
necessário acelerar a liquidação dos poloneses, que têm de ser totalmente
varridos, vilas queimadas (...) só
a população polonesa deve ser destruída.
Para incômodo
ainda maior de Bandera, Shukhevych era também comandante do batalhão Nachtigall
[rouxinol] organizado pela Wehrmacht.
Hoje, a
principal preocupação da academia histórica ucraniana nacionalista é desmontar
alegações (muito convincentes), de historiadores russos, poloneses e judeus, de
que o batalhão Nachtigall foi participante ativo e importante no massacre de
judeus de Lviv orquestrado pelo exército alemão depois de chegar, em junho de
1941.
Mas é batalha
pode-se dizer, perdida. Bandera classificou os judeus como “inimigos de segunda
ordem”, graças ao papel que teriam tido como colaboradores e adjuntos da
estratégia russo e polonesa de “dividir e conquistar” contra o nacionalismo
ucraniano. O antissemitismo, de fato, é parte do moderno fascismo
ucraniano e sem dúvida contribuiu para a emigração de 60% dos judeus ucranianos
– 340 mil pessoas –, desde a independência.
Shukhevych
continua a ser um dos heróis dos fascistas ucranianos, até hoje. Mais
importante – porque Bandera foi assassinado em Munique pela URSS em 1959 sem
deixar herdeiro – ele serve como o ancestral, em linha direta, que levou à
formação do principal grupo fascista ucraniano ativo até hoje, o Setor Direita,
Pravy Sektor.
Em fevereiro
de 2014, Andrew Higgins do New York Times redigiu
passagem muito embaraçosa, em que apresenta em alta conta a ocupação de
Lviv – cidade galiciana, no coração do fascismo ucraniano, base de Roman
Shukhevych e do batalhão Nachtigall, e cidade natal também de Simon Wiesnthal –
por forças anti-Yanukovich, em janeiro de 2014:
Yurii Shukhevych |
Alguns dos adversários de longo tempo do
presidente assumiram linha cada vez mais radical.
Como conselheiro e inspiração, lá estava Yurii Shukhevych, veterano nacionalista cego, que passou 31 anos em prisões e campos
de trabalhos forçados soviéticos e cujo pai, Roman, liderou o Exército
Insurgente Ucraniano contra os poloneses e, depois, contra os soviéticos.
Mr. Shukhevych, 80 anos, que perdeu a visão no
tempo que permaneceu preso no gulag
soviético, ajudou a orientar a formação do Setor Direita, organização informal,
cujos combatentes ergueram e hoje controlam as barricadas em torno da Praça
Independência [depois, Euromaidam], no epicentro do movimento de protesto em
Kiev.
O papel de
Yuriy Shukhevych no moderno fascismo ucraniano não é simplesmente inspirar e
fazer relembrar os atos heroicos de seu pai contra a URSS, aos olhos de
nacionalistas ucranianos contemporâneos. Ele próprio é figura essencial na
emergência da principal formação fascista ucraniana de hoje, o Setor Direita e
seus corpos paramilitares.
E os
paramilitares do Pravy Sektor – UNA-UNSO – não são absolutamente “organização
informal”, espécie de coleção de guerreiros de fim-de-semana, como Mr. Higgins,
do NYT, tenta fazer crer que seriam.
A organização
UNA-UNSO foi constituída durante os tumultos do início dos anos 1990s,
principalmente por ucranianos étnicos veteranos da amarga guerra da URSS no
Afeganistão. Desde o início, a UNA-UNSO manifestou gosto por aventuras em solo
estrangeiro, mandando destacamentos a Moscou, em 1990, para fazer oposição ao
golpe comunista contra Ieltsin, e para a Lituânia, em 1991. Com razões
provavelmente bem sólidas, os russos também acusaram milicianos da UNA-UNSO de
terem lutado ao lado das forças anti-Rússia, na Geórgia e na Chechênia.
Depois da
independência formal da Ucrânia, os milicianos elegeram seu líder Yuriy Shukhevych
– filho do comandante banderista Roman Shukhevych – e constituíram uma ala
política, que adiante viria a ser o Setor Direita.
Também depois
da independência em 1991, foi constituído o Partido Social Nacionalista,
declarada e assumidamente fascista – com seu próprio inevitável braço
paramilitar, “Patriotas da Ucrânia” – e sob a liderança de Andriy Parubiy.
Andriy Parubiy, um neonazista no Comando das Forças de Segurança do Governo de Kiev |
Parubiy
deixara o Partido Social Nacionalista em 2004, quando se tornou veículo das
aspirações políticas de Oleh Tyahnybok e converteu-se em Partido Svoboda. As
motivações de Parubiy não são perfeitamente identificáveis, mas eu diria que
ele se tornou uma espécie de cavalo de Troia fascista, dentro do partido da
Pátria de Yulya Tymoshenko. De fato, enquanto o comando político de Tymoshenko
enfraquecia enquanto ela esteve na cadeia, Parubiy continuou como organizador
chave de “voluntários” na Praça Maidan, e emergiu como secretário do Conselho
de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia, encarregado das operações
“antiterroristas” no leste.
Análises
sempre muito otimistas-panglossianas do fascismo ucraniano têm assumido, como
ponto a considerar, o resultado que os partidos Pravy Sektor e Svoboda
obtiveram nas eleições presidenciais de 2014.
Somados, os
dois partidos fascistas não alcançaram 2% dos votos nas eleições presidenciais
de 2014. Mas esse, creio, é indicador pouco significativo da forças dos fascistas.
Yarosh, do Setor Direita, anunciou que não faria campanha eleitoral ativa
(provavelmente, parte do negócio firmado com os apoiadores ocidentais dos
fascistas da Praça Maidan, para ajudar Petro Poroshenko a evitar uma disputa de
segundo turno contra Yulia Timoshenko). Quanto a Tyahnybok, o partido Svoboda
obteve 10% dos votos nas eleições parlamentares de 2012, e parece implausível
que esse apoio tenha simplesmente sumido depois do palanque triunfante da troika
de Maidan, em que Tyahnybok aparecia ao lado de Klitschko e Yatsenyuk.
Seja como
for, os fascistas não consideram o estado, a Constituição e o processo
eleitoral como veículos para as aspirações nacionais ucranianas. Esse é o papel
do líder, do partido e dos paramilitares. Aos fascistas, o que interessa é a
influência que tenham nos assuntos da nação; e, na Ucrânia, essa influência
deles é significativa.
Quando o
leste da Ucrânia levantou-se, o atual governo de Kiev, enfrentando reconhecidos
problemas de ilegitimidade, incompetência e penúria, teve imensas dificuldades
para reunir uma nação ucraniana multiétnica. É conclusão praticamente
indiscutível que paramilitares fascistas serão chamados para suplementar ou,
até, para substituir, as já desgastadas forças em campo, do regime.
Dmytro Yarosh, lider do "Pravy Sektor" e comandante do Batalhão Donbass (esquadrão da morte sob as expensas do Governo de Kiev e dos EUA) |
Numa
espectral – mas, talvez, sim, previsível – recapitulação da colaboração militar
oportunista entre a OUN de Bandera e aWehrmacht, o líder do Setor
Direita, Dmytro Yarosh, organizou o “Batalhão Donbass”, para ajudar as
operações do governo ucraniano no leste. Líderes e escalões inferiores do Setor
Direita também aparentemente aumentaram, se não constituíram completamente, o
Batalhão Dniepr, financiado por oligarcas – e atualmente um das poucas
formações militares que opera no leste e que é brutal e violentamente leal ao
governo de Kiev.
Ainda que se
possa dizer que a Rússia está incitando e apoiando a resistência, o
ressentimento local contra Kiev e suas táticas de violência extrema são
inegavelmente presentes e parecem crescentes, e talvez com ele a necessidade de
mais homens e armas fascistas para subjugar o leste insubordinado.
O cenário
europeu otimista prevê que os problemas com fascistas na Ucrânia (até aqui
praticamente nem reconhecidos) desfaçam-se, à medida que avance a integração
europeia, e a prosperidade decorrente opere como fator de moderação, e aconteça
a Ucrânia floresça como outra Polônia: politicamente estável, unida,
democrática e confiavelmente anti-Rússia.
Mas a feia
verdade é que a Polônia teve suas questões de identidade nacional resolvidas
por Hitler, Stálin e pelo Holocausto, que extirparam todas as complicadas
questões de nacionalidades criadas por suas populações de alemães, de
ucranianos e de judeus. Antes da IIª Guerra Mundial, um terço da população da
Polônia eram “minorias”. Hoje, a Polônia é 96% “polonesa”.
A Ucrânia,
por sua vez, carrega um legado de divisões graças à administração pela URSS no
leste da Ucrânia antes da IIª Guerra Mundial, e a dominação pela elite de Kiev
durante o período soviético. 18% dos ucranianos são russos étnicos; mas 30% da
população é falante de russo como primeira língua. Nas oblasts [províncias]
do leste que atualmente dá combate a Kiev, a porcentagem de falantes de russo
varia de 72% (Dnipropetrovsk) a 93% (Donetsk). Na Crimeia, já reintegrada à
Federação Russa, essa porcentagem chega a 97%.
Ucrânia - mapa étnico-linguístico |
A menos que o
regime de Kiev sem o ter desejado ou planejado resolva o problema escalando a
crise ao ponto de a Rússia incorporar as províncias do leste e remover os
russo-ucranianos da equação nacional, o futuro mais plausível para a Ucrânia é
fracasso, polarização, pobreza, violência – e sucesso político dos fascistas,
com identidade de russos étnicos e linguísticos convertida em significante de
sempre crescentes ameaças ao estado ucraniano.
Mas, ao
avaliar as possibilidades do fascismo na Europa, é erro supor que os fascistas
estejam combatendo a última guerra – para completar a des-bolchevização e a
des-russificação do leste da Europa que Hitler só pôde começar.
O comunismo
não é a única luz que já fraqueja.
Os fascistas
ucranianos adoram ver a Rússia a martelar contra a OTAN, mas detestam ver União
Europeia supranacional a acertar os ponteiros com a Rússia.
Nisso, não
estão sozinhos. O fascismo – e um sentimento anti-União Europeia – invade
também partes da Europa que jamais conheceram a ira de Stálin. Nas mais
recentes eleições para o Parlamento Europeu, os “eurocéticos” e
ultranacionalistas xenofóbicos ganharam muitos votos, liderados por Marine Le
Pen, cujo Front National obteve 25%
dos votos franceses naquele Parlamento.
Thomas Piketty |
Muito disso
tudo tem a ver com a trilha equivocada que o capitalismo neoliberal globalizado
seguiu ao longo da última década. Já que agora, somos todos Pikettyistas...
parece que dentre os principais resultados obtidos pelo neoliberalismo lá estão
a desigualdade de renda e grande número de oligarcas.
É anátema
para os liberais democratas, mas já tristemente evidente, que o fascismo
prospera, largamente como resultado da percepção crescente de que o
neoliberalismo e a globalização não estão conseguindo entregar justiça e
igualdade de bens econômicos e sociais às maiorias.
A democracia
já está sendo vista como brinquedo preferencial dos oligarcas, que manipulam o
sistema atual para proteger e expandir a riqueza e o poder DELES; constituições
liberais, com suas garantias aos direitos das minorias, parecem receitas para
gerar impotência nacional. Mercados livres transnacionais em bens e capitais
alimentam a austeridade local, o desemprego local e a miséria local. Governos
democráticos parecem obedecer ao manual dos livres mercados, só para se verem
mergulhados em problemas que não conseguem gerir, e rendem-se entregando a
própria soberania a grupos de euro-financistas.
O fascismo,
com a exaltação que promove do particular, do emocional e do des-democrático,
oferece o núcleo ideológico e político duro necessário para contra-arrestar aquelas
outras forças externas.
O fascismo já
se converteu em elemento importante da política de oposição: uma força que
obstrui a imposição das normas da globalização, e uma ideologia que justifica
protegerem-se interesses locais contra as demandas da democracia liberal, do
capital transnacional e dos direitos de propriedade e das minorias.
Talvez se
trate de neoliberalismo, não de fascismo. E talvez o neoliberalismo esteja
passando por crise de legitimidade e aceitação.
Assim sendo,
não passam de delírio e pensamento delirante-desejante as ideias de que o
fascismo possa ser tratado como criação delirante do século 20, e de que o
desafio do fascismo contra a ordem neoliberal possa ser ignorado.
Ainda que a
União Europeia cresça e floresça, continuará a enfrentar grandes dificuldades
para superar a percepção de que só garante seus benefícios a um subconjunto bem
limitado de países, empresas e indivíduos, à custa dos demais, muitos.
No leste da
Europa, acrescente à mistura incendiária a percepção de que a União Europeia,
aquele bastião dos ideais liberais democráticos e do livre mercado, tem muito
pouca vontade, nem tem, sequer, qualquer interesse, em se opor à Rússia.
Esse
sentimento não apenas espalhará movimentos progressistas benignos como os
“Verdes” e os “Occupy”, que combinam (i)
compromisso com a democracia e com direitos humanos e individuais, com (ii) bem merecida reputação por falta
de coerência interna, grupelhismo, muitas divisões internas, impotência
política e falta de disposição para o confronto.
Para muita
gente, o ressentimento inevitavelmente tomará o rumo do nacionalismo e da
percepção de que a oposição fascista, de desafio militante, sem programa ou
compromisso, e irracional, racialista, des-democrática e antidemocrática
exclusionária e brutal, é o melhor instrumento para alcançar alguma (qualquer)
identidade local e agenciar poder – e em grandeza continental: maior, mais
perigosa, menos aberta ao diálogo civilizado.
Temo que o
fascismo não seja apenas parte do passado da Europa: é parte também do futuro
da Europa.
[*] Peter Lee
é jornalista norte americano de origem chinesa que escreve sobre assuntos dos
países do sul e leste da Ásia e a intersecção de negócios entre essa região e
os EUA. Além de articulista de várias publicações anima o blog China Matters.
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