28/7/2014, [*] Pepe Escobar, RT, Russia Today – Moscou
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Voluntário federalista guarda fronteira entre a RPD e a Ucrânia em 22/7/2014 |
O Novo
Grande Jogo na Eurásia nunca deixa de arrepiar, com as viradas extremas no
roteiro. Os Três Grandes atores são sempre os mesmos: EUA, Rússia e China. O
diabo mora nas subtramas concêntricas.
De
Washington, já se viu que a “política” profunda de estado para a Rússia são
sanções, sanções e mais sanções; por causa da Crimeia, por causa do apoio aos
federalistas no leste da Ucrânia, por causa da tragédia do MH17.
Há sanções
contra a energia, a defesa e as finanças da Rússia – e andam rápidas na trilha
rumo a guerra econômica total, o que, por si só já é declaração de guerra. Como
contra Cuba; como contra o Iraque (até que haja mudança de regime); como contra
o Irã (até que aconteça um acordo nuclear, mas nem isso é garantido).
Temei a ira
do Império do Caos! A prescrição nunca muda: sanções; guerra
geoeconômica/política sem lei ou limite; subversão provocada dentro do país (NED,
variado sortimento de ONGs); e boataria envenenada em tempo integral pela
imprensa-empresa, marinada em muita arrogância e húbris.
Em Moscou
não há ilusões: não importa o que o Kremlin faça na Ucrânia, não haverá reset
algum. A histeria das sanções em Washington – que já ultrapassou há muito o
nível da “contenção” – é já vista meio para (e o que mais seria?!) mudança de
regime, não obstante a imensa popularidade de Putin. Não surpreende que a Think-tank-elândia dos EUA já se
tenha posto a cacarejar sobre o tema.
Em termos
gerais, há, nas esferas do poder russo, uma escola atlanticista – neoliberal –
que se quer render ao Império do Caos; esses atlanticistas estão em luta contra
os Eurasianistas, que sonham com ser respeitados pelos EUA como iguais. Ora! O
Império do Caos absolutamente não reconhece iguais. Para ter certeza, basta
consultar a doutrina da Dominação de Pleno Espectro do Pentágono.
Os melhores
e mais brilhantes na Rússia sabem muito bem que ninguém consegue vencer quando
a força descomunal da grande finança do Império do Caos – embora já em processo
de acelerada decadência – e dos vassalos do Império do Caos são postas a
trabalhar contra você. Mas isso não implica que Moscou vá encolher-se e
resignar-se a ser “isolada”. Até um Irã muito mais fraco que a Rússia soube
combater com sucesso contra o “isolamento”, durante anos.
Moscou conta
hoje com cerca de US$ 500 bilhões de reservas. Elas e o capital doméstico podem
ser usados para fortalecer o rublo e apoiar investimentos na indústria russa. A
porta está aberta para diversificar a economia russa e fazê-la deixar para trás
a figura de uma Rússia exportadora de matérias primas, tomando o rumo da
manufatura pós-moderna; no percurso, geram-se milhões de oportunidades de
negócios para as PMEs (pequenas e médias empresas) russas.
Soldados carregam caixão com as vítimas do MH17 |
Agora, sobre
o capítulo União Europeia
É onde entra
em cena uma Europa fragilíssima. A Rússia é o terceiro maior parceiro comercial
da Europa. Grandes economias como Alemanha, França e Itália estão muito
profundamente integradas com a economia russa.
Etapa chave
da estratégia de Washington é desconectar Europa e Rússia, parte de uma agenda
muito mais ampla, para impedir por todos os meios que se desenvolva qualquer
integração comercial/de trocas/de desenvolvimento econômico de toda a Eurásia.
Tudo isso depende da Alemanha.
E esse é o
debate chave, hoje, em Berlim. O business alemão – e até políticos conservadores –
estão chegando à seguinte clara conclusão: ninguém ali quer relacionamento
gravemente disfuncional com a Rússia. 57% da opinião pública quer que a
política externa alemã seja mais independente dos EUA (as intrusões do complexo
orwelliano/Panopticon dos EUA, na Alemanha e contra alemães, foram decisivos
nessa virada de jogo).
Os EUA
aplicaram pressão furiosa sobre a União Europeia na questão da tragédia do
MH17. Moscou apresentou quantidade substanciosa de provas convincentes à UE.
Washington não apresentou coisa alguma – nem apresentarão porque não têm prova
alguma, além do que se vê em Facebook,
Twitter e YouTube.
Enquanto
Moscou insiste, desde o primeiro dia, na necessidade de haver investigação
independente, internacional e tecnicamente confiável, Washington só faz “ordenar”
que a União Europeia “ignore” e “não comente” as provas muito sólidas que Moscou
distribuiu. Já há inteligência alemã que confirma, até, que a já duvidosa
inteligência dos EUA sobre o caso foi “manipulada”.
Mas é
difícil subestimar a capacidade de uma União Europeia terrivelmente dividida
conseguir atirar nas próprias costas. Vejam-se as sanções que a UE propôs
contra o gasoduto “Ramo Sul” da Gazprom sob o Mar Negro, que suprirá, quando
completo, 15% da demanda europeia – e, também, um pacote de sanções contra o
acesso ao mercado de capitais, no campo da defesa, do uso mútuo de bens e de
tecnologia sensível (leia as “Sanções contra a Rússia que estão
sendo discutidas em Bruxelas”, a íntegra
do não documento, que vazou).
As
principais parceiras da Gazprom no gasoduto Ramo Sul são a italiana ENI, a
francesa EDF, a austríaca OMV e a Wintershall da Alemanha, subsidiária da BASF.
A construção do Ramo Sul depende fortemente de know-how europeu.
Tubulação do gasoduto "South Stream" |
Se a lista
total de sanções vier a ser aplicada pela União Europeia (e inclui restringir o
acesso dos russos a extração, perfuração, administração e plataformas
flutuantes ou submersíveis de perfuração e a poços flutuantes), atrasará por
muito tempo os projetos do Oleogasodutostão, e o desenvolvimento do mercado
europeu de gás natural liquefeito [orig. liquefied
natural gas (LNG)]. A União
Europeia precisa do Ramo Sul muito mais do que a Rússia – que sempre pode
vender mais gás para a Ásia, em todos os casos.
BRICS e mais
BRICS...
A verdadeira
razão, absolutamente sem limites, para a guerra econômica obsessiva que o
Império do Caos insiste em fazer contra a Rússia, é que Moscou, como país
membro dos BRICS, ao lado, sobretudo, de China e Brasil, estão na linha de
frente das potências emergentes que se opõem à (des)ordem financeira/política
global – que se espoja no capitalismo de cassino – comandada pelo Império do
Caos.
E a coisa
vai ficando cada vez mais intrigante-interessantíssima, porque o efeito da
histeria de sanções foi gerar e fazer acumular mais e mais simpatias
pró-Rússia, no mundo em desenvolvimento. O conversê
insistente da propaganda típica de Washington, sobre “o mundo” que se teria
unido para “isolar” a Rússia – perfeito replay do caso do Irã – só se aplica à OTAN.
Acompanhei
bem de perto os últimos capítulos na integração da Eurásia, do “negócio do
século”, de gás, entre Rússia e China, firmado entre Xangai e o Fórum Econômico
de São Petersburgo; e, depois, ainda mais perto, a integração Eurásia-América
do Sul, na reunião de cúpula dos BRICS no Brasil, que criou o Novo Banco de
Desenvolvimento e reforçou o impulso dos BRICS para desenvolverem suas próprias
instituições globais paralelas.
O presidente
Putin propôs até uma coalizão de energia entre os BRICS, que se completa com
acordos de energia nuclear, um “banco de reserva de combustível e um instituto
de política energética.” Moscou – como Pequim – está construindo e firmando
ativamente acordos de energia por toda a América do Sul, como no caso da
Rosatom já contratada por Argentina e Brasil para construir usinas nucleares.
A integração
da Eurásia , no front asiático,
prossegue sem descanso. A Rússia venderá mais gás a baixo preço não só à China,
mas também, em futuro próximo, ao Japão à
Coreia do Sul. E Pequim, entrementes, move cuidadosamente suas peças
financeiras, econômicas e geopolíticas sobre o tabuleiro de xadrez, e agora já
sob alerta vermelho total contra a histeria das sanções. A liderança coletiva
chinesa sabe muito bem que o alvo um dia pode ser a Rússia por causa da
Ucrânia, mas, dia seguinte, pode ser a China, por causa do Mar do Sul da China
ou mesmo uma Hong Kong que atualmente já caminha para um impasse: os candidatos
do alto Executivo de Hong Kong serão escolhidos por democracia direta, ou por
comitê, como Pequim prefere?
O ponto chave é: esqueçam o reset EUA-Rússia.
A parceria estratégica Rússia-China será fortalecida. A China prepara-se para
quando chegar a vez dela no show das sanções histéricas. E, no futuro previsível, o
novo jogo no tabuleiro de xadrez é Guerra Fria 2.0.
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire,
Counterpunch e outros; é correspondente/ articulista das
redes Russia Today,The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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