2/7/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Estado Islâmico do Iraque e Levante (ing. ISIS ou ISIL; em port. EIIL) - em vermelho |
“Ser ou não
ser” é tão... metafisicamente fora de moda! [1] O IS é – e aí ESTÁ – em plena áudio glória a seguir (em árabe):
E estamos
falando do pacote completo – Califa incluído:
Abu Bakr al-Baghdadi |
“... o escravo de Alá, Ibrahim Ibn ‘Awwad Ibn
Ibrahim Ibn ‘Ali Ibn Muhammad al-Badrial-Hashimi al-Husayni al-Qurashi por
linhagem, de Samarra por nascimento e criação, al-Baghdadi por residência e
formação”. Dito mais simplesmente, Abu Bakr al-Baghdadi.
O EI
virtualmente ordenou que toda a al-Qaeda “histórica” – sim, aquela, a do 11/9
(ou não), de um Osama bin Laden – além de todos e quaisquer grupos jihadistas
do planeta, jurem lealdade ao novo imã, em teoria teológica o novo Senhor a
governar todos os muçulmanos. Não há qualquer sinal de que o ex-braço direito
de Osama, Ayman “O doutor” al-Zawahiri venha a obedecer, para nem mencionar o
1,5 bilhões de muçulmanos pelo mundo. Muito provavelmente, a al-Qaeda declarará
que “autênticos, só nós”. E daí advirá tremendo arranca-rabo teológico.
Afinal, na
Síria, o ISIL, como a Frente Jabhat al-Nusra lutaram, inicialmente, sob
a bandeira da al-Qaeda, até que a griffe – de modo
espetaculoso-espetacular – decidiu expulsar al-Baghdadi. Ele e o ISIL foram
longe demais – com aqueles vídeos de decapitações e crucifixões e profanação
serial de santuários xiitas, sufis e cristãos.
Al-Baghdadi,
nascido Ibrahim al-Badri em Samarra, é clérigo sunita padrão, com diploma de
pedagogia pela Universidade de Bagdá. Seu alter ego nasceu depois da Operação
Choque e Pavor, em 2003, e logo se metamorfoseou em matador serial à vera – dos
que explodem crianças xiitas em lojas de sorvete ou dezenas de mulheres em
casamentos xiitas.
A folha
corrida do ISIL na Síria inclui proibir todas e quaisquer bandeiras,
exceto a dele; destruir quaisquer templos ou santuários “politeístas” (todos
que não sejam sunitas); e impor às mulheres todo o vestuário que eles entendem
que seja islamicamente correto. Mas acima de tudo, é folha corrida de terror.
Não é propriamente um exército, mas uma bem treinada milícia de mujahid
profissional, passaportes europeus incluídos, com experiência de combate no
Iraque, no Afeganistão e, em menor grau, também na Chechênia. O armamento
pesado é pago em petrodólares do golfo – os “ricos doadores do Golfo” de
sempre, o que não exclui conexões oficiais.
Região de Deir Ezzor (A) (Síria) em rosa |
As fontes de
renda foram muitíssimo diversificadas quando o ISIL capturou os campos
de petróleo em torno de Deir Ezzor, na Síria; e depois de ofensivas recentes
pela província de Niniveh no Iraque, já puderam pôr as mãos em vastos arsenais
de artilharia pesada, montanhas de dinheiro vivo e até ouro, e, por que não, Humvees
que os EUA deixaram pelo caminho. A marca registrada deles é, claro,
aquelas longas colunas de caminhonetes Toyota brancas, novinhas em folha –
publicidade gratuita para os off road, que o quartel-general da Toyota
no Japão pode não considerar muito bem-vinda.
Cheios de
petróleo e beneficiado pelos impostos, o EI está agora firmemente a caminho
para garantir serviços (mínimos) e apoio (máximo) a um (máximo) Exército Jihadi
– bem como os Talibã, de 1996 até 2001. Pode-se ter certeza de que o EI continuará
sua massiva estratégia de “engajamento com a sociedade”. E o que mais desejaria
um califato coloquialista, que fala pelos cotovelos por YouTube, Facebook e Twitter? Não surpreende que sejam já
sucesso entre uma geração de recrutas Google
– e mestres da arrecadação de dinheiro via vídeos horrendos. Em tese, a
doutrinação avança mãos-nas-mãos com o “trabalho de caridade”; moradores de
Aleppo, por exemplo, muito teriam a dizer sobre o ISIL, em campo.
Rei Abdullah Arábia Saudita |
Missão para
sempre não cumprida
Ainda não se
sabe com clareza como a nova realidade EI se mostrará em campo. O novo califa,
sim, já declarou jihad contra toda essa coleção de corruptos e/ou
incompetentes “líderes” do Oriente Médio – o que implica que se deve esperar
das Casas de Saud e de Thani, por exemplo, alguma feroz reação de “luta pela
sobrevivência”. Não se deve descartar a possibilidade de que al-Baghdadi sonhe
com reinar sobre os campos de petróleo dos sauditas – depois de decapitar todos
os trabalhadores xiitas, é claro.
E é só o
começo; numa de suas contas da empresa Tweeter,
o EI publicou um mapa de todos os domínios que planejam conquistar no período
de cinco anos: Espanha, Norte da África, Bálcãs, todo o Oriente Médio e grandes
porções da Ásia. Aí está! Mais ambiciosos que a OTAN!
Com a coragem
que a caracteriza, a Casa de Saud já começa a achar que impor mudação-de-regime
a Nouri al-Maliki no Iraque pode ser péssima ideia. Assim, os sauditas põem-se
em conflito direto contra o governo Obama, cujos planos A, B e C são, sempre e
só, mudação-de-regime.
Recep Erdogan |
A Turquia –
ex-sede do Califato, por falar nisso – permanece em silêncio. Não é surpresa.
Ancara é a principal base logística do EI. O califa Erdogan com certeza anda
pensando no próprio futuro, agora que surgiu um califa desafiante. Em teoria,
Arábia Saudita, Turquia e Jordânia dizem, todas, que estão prontas para
combater o que seria “guerra em escala maior” do que a “outra”, aquela, o maná
que nunca para de chover dos céus, a guerra original, cunhada pela
junta-Cheney, a GGT (guerra global ao terror), a GWOT (global war on
terror).
E há também a
questão caso do destino dos mais US$ 500 milhões do “Fundo Obama” para os
rebeldes “adequadamente selecionados” na Síria, os quais milhões, de fato,
significam a expansão das “instalações de treinamento” clandestinas da CIA na
Jordânia e na Turquia, todas elas pesadamente infiltradas-para-extração-de-gordos-lucros,
pelo EI. Pensem em hordas de novos recrutados do EI fazendo pose de “rebeldes
moderados” e sendo treinados para entrar em ação...
John Kerry |
É mais fácil
o Brasil vencer a Copa do Mundo com um time de bebês chorões sem noção tática
do númeno [2] do jogo, que o
secretário John Kerry dos EUA e a gangue de seu Departamento de Estado
compreenderem que a “oposição” síria é controlada por jihadistas. Mas aí é que
está, porque, sim, eles sabem disso – o que se encaixa perfeitamente na agenda
nada-secreta da Guerra Global ao Terror, do Império do Caos, de guerra à
distância sempre prorrogável e expansível, sempre contra Síria e Iraque, e
nutrida com milhões para financiar o terror.
Assim sendo,
há 13 anos Washington esmagou a al-Qaeda e os Talibã no Afeganistão. Depois os
Talibã reencarnaram. Depois foi a Operação Choque e Terror. Depois foi a
“Missão Cumprida” no Iraque. Depois a al-Qaeda foi injetada no Iraque. Depois a
al-Qaeda deixou de existir, “porque” Osama bin Laden estava morto. Depois veio
o ISIL. E agora aí está o EI [now (...) IS is]. E
começamos tudo outra vez, não no Hindu Kush, mas no Levante. E com Osama novo.
O que há de
errado nisso?! Se ninguém aí acha que tudo isso é sketch do novo show
ao vivo de Monty Python, esse mês, em Londres, é porque é.
_________________
Notas dos
tradutores
[1]
“IS” é também a forma de 3ª pessoa
do discurso, do verbo SER/ESTAR (ele/ela É e ele/ela ESTÁ), em ing. to be. Comentários feitos a partir dessa
“semelhança” são quase intraduzíveis.
[2]
Orig. nous; pode-se
ver sobre essa palavra grega e hegeliana. Também sobre a tradução de “númeno”.
___________________
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War,
Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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