5/8/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Situação militar em Donetsk/Lugansk (conforme a Junta-de Kiev) |
As tensões na
Ucrânia ficarão mais agudas nas semanas vindouras. Kiev pressiona com operações
militares no leste da Ucrânia, ao mesmo tempo em que diz que está aberta ao
diálogo. A intenção é negociar de uma posição de força, depois de ganhar
controle sobre as áreas controladas por forças rebeldes, especialmente Donetsk.
O ministro de Defesa da Ucrânia, Vlaeriy Heletey, já diz que
sente a vitória.
A comunidade
internacional como um todo aceitará que seja prerrogativa soberana de Kiev
esmagar as forças do separatismo político. Muitos países simplesmente adotarão
métodos similares. Mas o que realmente dá força a Kiev é o apoio do ocidente.
Até aqui,
esse apoio tem sido sobretudo político, financeiro e diplomático, mas essas
proporções parecem estar às vésperas de mudar significativamente. No sábado (2/8/2014),
a
União Europeia decidiu levantar a proibição vigente há seis meses,
de exportar-se equipamento militar e assemelhados para a Ucrânia; é decisão que
com certeza altera a alquimia do conflito. O suprimento de armas da Europa será,
sem dúvidas, acelerado nas próximas semanas. Na essência, a Ucrânia está sendo
posicionada para converter-se numa espécie de conflito sírio ao contrário – e
esse pode bem ser o cálculo do governo de Barack Obama.
União Europeia libera armas à Junta de Kiev |
De fato, a
Grã-Bretanha (e o Canadá, que tem grande população de emigrados ucranianos)
está ansiosa para participar. Claramente, Washington tem planos para aumentar a
pressão sobre a Rússia. Torna-se obviamente claro, se se leem lado a lado os
comunicados distribuídos respectivamente pelo Kremlin e pela Casa
Branca sobre a conversa telefônica entre Putin e Obama, na
6ª-feira (1/8/2014).
O Kremlin diz
que foi uma boa conversa, resposta a telefonema de Obama; e que os dois
presidentes discutiram uma via de paz na Ucrânia que tenta criar-se e até
trocaram ideias sobre “o atual estado de coisas” e “vários aspectos” das
relações russo-norte-americanas. Ao contrário, a notícia distribuída por
Washington insiste que Obama falou duro sobre a Ucrânia.
Não só isso;
no mesmo momento em que Obama telefonava para Putin, o vice-presidente Joe
Biden fazia seu telefonema semanal rotineiro ao presidente ucraniano Petro
Poroshenko para fazer-lhe a cabeça na direção de não retroceder e, de fato,
avançar, nas operações militares no leste da Ucrânia. O press-release
da Casa Branca sugere que Biden, que é
um dos “falcões” contra a Rússia, está fazendo a sintonia fina dos movimentos
relacionados ao problema ucraniano.
Os ataques
crescentes no leste da Ucrânia e o uso de armamento pesado nas operações
militares põem Moscou sob imensa pressão para intervir. Mas o ponto é que, como
um especialista russo explica, nada parece
confirmar que realmente se possa ver alguma luz no fim do túnel de Poroshenko;
não, pelo menos, com certeza, no curto prazo.
Ministério de Relações Exteriores da Rússia |
Verdade é que
ainda não se conhece toda a extensão da resposta dos russos às sanções
ocidentais. As palavras do ministro da Defesa da Rússia Sergei Rybakov ontem (4/8/2014)
sugerem que as sanções “reduzirão as chances de [a Rússia] vir a cooperar em
outros campos que interessam a eles [leia-se: que interessam à Europa e aos
EUA], porque é claro que haverá repercussões”. De fato, é um aviso.
Mas Rybakov
explicou que Moscou ainda está contida, apesar de
reconhecer que se deva esperar que as relações entre Rússia e potências
ocidentais deva continuar em trilha descendente. Disse que:
Não temos manifestado nenhum comportamento
hostil contra EUA ou União Europeia ou Canadá, e, na verdade, nem contra a
Ucrânia. Mesmo assim, não se vê sinal de arrefecimento no comportamento de
impor sanções, nem se vê sinal de qualquer tentativa para examinar as coisas
sob outra perspectiva. Há perigo real, que não deve ser ignorado, de que a “comichão”
das sanções não pare por aqui. Vão arranhar até ver sangue.
A “comichão”
já se manifesta nas políticas para o Pacífico Asiático. O Japão, que vinha
trabalhando numa aproximação com a Rússia, foi forçado por Washington a
retroceder. O relatório oficial que o Ministério da Defesa publica anualmente
em Tóquio já condena a “anexação” da Crimeia como “questão global” que “altera
o status quo por força ou coerção” e
que “tem impacto sobre toda a comunidade internacional, incluída a Ásia”.
Shinzo Abe e Vladimir Putin no G20 de S. Petersburgo |
Tóquio
alinhou-se às sanções ocidentais contra a Rússia. A reação russa foi rápida e
forte. O Ministério de Relações Exteriores classificou
o movimento japonês como
(...) inamistoso e de visão curta e que agride
inevitavelmente todo o complexo de nossas relações bilaterais e as faz
retroceder.
A expectativa
de Moscou, de que Tóquio pudesse ser paulatinamente levada a assumir política
independente e rejeitaria a tutela norte-americana revelou-se irrealista. É preciso
acrescentar um ponto de interrogação à viagem de Putin, prevista para o outono
(outubro/novembro), ao Japão.
Quaisquer
consequências negativas para uma cooperação de energia em expansão entre russos
e japoneses envia ondas de choque para todo o mercado de energia do Pacífico
Asiático, inclusive para a Índia. Mas o que mais conta são os alinhamentos
dentro do complexo triângulo Rússia-China-Japão.
Fato é que a
força do Japão para negociar vis-à-vis à China diminuiu. Pequim está
acompanhando fina e atentamente “os apuros diplomáticos” do Japão. A fricção
nas relações Rússia-Japão interessa à China e Pequim parece que, afinal,
concederá uma audiência ao primeiro-ministro Shinzo Abe, com o presidente Xi
Jinping. A visita
secreta do ex-primeiro-ministro Yasuo Fukuda a Pequim, há uma semana, jamais teria
acontecido sem o conhecimento de Abe.
Xi Jinping Shinzo Abe |
Parece que
está prevista uma reunião de cúpula
entre Abe e Xi. Depois de ter trabalhado encobertamente para agitar as
tensões entre Japão e China no quadro da estratégia de reequilibramento na Ásia
em anos bem recentes, Washington estaria agora trabalhando para rebaixar as
mesmas tensões, para que os EUA possam-se concentrar-se em sua atual obsessão:
criar “imagem inimiga”, da Rússia.
Quase com
certeza, a iniciativa australiana de fazer manobras
militares trilaterais com China e EUA foi ideia do Pentágono. O evento está
previsto para outubro e acontecerá na Austrália. A presteza com que essas
manobras foram marcadas já nos calcanhares das Manobras Malabar (envolvendo EUA,
Japão e China) mês passado, é clara mensagem política que não deve passar
despercebida pelos países do Pacífico Asiático, especialmente a Índia.
Claro, tudo
isso vira história com moral-da-história para a Índia, com a visita do
primeiro-ministro Narendra Modi ao Japão já se aproximando, e com o secretário
de Defesa dos EUA, Chuck Hagel, esperado em Delhi nesse fim de semana. A parte
triste é que os especialistas indianos ainda
se comportam como se o desafio intelectual de dar conta das
complexidades da dinâmica do poder no Pacífico Asiático, no contexto da nova
Guerra Fria, fosse superior às capacidades deles. A boa notícia é que Modi não
dá nenhuma atenção ao que digam.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão
e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança
para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia
Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House e muitas
outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994),
famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
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