18/9/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O Califa - Abu Bakr al-Baghdadi |
PARIS – Ando vagando há alguns dias pela Europa, e a estrela do show, definitivamente, é O Califa. O ex-Abu Bakr al-Baghdadi desbancou totalmente Vladimir Putin como Doutor-Mal da hora. Onde está uma boa Guerra Fria 2.0, quando você mais precisa?! OK. Foi desbancada pela “guerra longa” do Pentágono – nossa velha conhecida Guerra Global ao Terror, GGaT [ing. GWOT, Global War on Terror).
Primeiro, Obama prometeu que não haveria coturnos no solo para lutar contra O Califa – como uma re-invasão do Iraque. Então, o general Martin Dempsey, comandante do Estado-Maior das Forças Conjuntas dos EUA, disse que, se o atual gambito da autodefinida doutrina de “Não faça merd coisa estúpida” de política externa de Obama não funcionar – e não funcionará – ele chega lá com os coturnos e todo o resto da tropa em solo, clandestinos, ou seja como for.
Na sequência, O Califa conquistou Hollywood e já distribuiu o trailer da próxima produção de O Califato, “Chamas da Guerra” [Flames of War], direção Michael Bay [Outono, 2014], trailer a seguir:
Irá direto para Netflix? A escola de geopolítica “Marvel Comics” é invencível.
Confie em mim, baby
Enquanto isso, em Paris, o presidente general François Hollande comicha de vontade de meter lá seus Rafales e cair numa boa nova guerra – considerando que se trata da única coisa capaz de levantar o humor de presidente em frangalhos, cujo governo mal conseguiu sobreviver a um voto “de confiança”; compare essa “confiança com os palavrões & xingamentos que sua equipe ouve de números crescentes de parisienses desempregados, exauridos de tantos impostos a pagar ou afogados no pântano dos burocratas parisienses.
Obama já enviou mais 475 “conselheiros” militares extras para Bagdá e para o Curdistão Iraquiano. São pelo menos 1.600 militares dos EUA em solo, no Iraque. Foi assim que o Vietnã começou. A CIA, com o apoio de vastíssima inteligência em terra, jura que são exatamente 31.785 jihadistas a lutar por “O Califa”. Mais ou menos. Dizem que dois terços deles estariam na Síria. A nova guerra, de fato, está sendo travada por todo o “Siriaque”. Ou no que O Califa chama de Estado Islâmico, EI, o emirado privado lá dele.
O não menos meticuloso Dempsey, por sua vez, tem certeza de que precisa de cinco meses for treinar e armar uma nova gangue de rebeldes “moderados” para darem combate ao Califa. Calma-aí... Mas a opinião pública global já estava quase acreditando que os rebeldes “moderados” de antes – apoiados pelo Qatar – conseguiriam fazer cumprir a ordem de “Assad tem de sair” que Obama distribuiu faz tempo! Sim, mas eles não conseguiram.
Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) Países e Capitais |
Os “nossos” filhos-de-puta do ramo dos petrodólares conhecidos como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) prometeram obedientemente ajudar na nova guerra de Obama, ao lado de Egito, Jordânia, Líbano e Iraque. A Turquia só se envolverá no front “humanitário” – enquanto deixa entrar em seu território o petróleo contrabandeado vendido pelos pascácios d’O Califa.
Os membros da destroçada Liga Árabe prometeram solenemente trabalhar “com determinação” para vedar o fluxo de armas e dinheiro para o show de O Califa. Mas nunca terão os colhões que têm a guerrilha peshmerga curda, que acaba de matar o chefe do Estado Islâmico em Mosul. Esse tipo de inteligência plantada lá mesmo em campo, mais seguir-o-dinheiro pelas rotas de contrabando de petróleo, daria cabo ao Califato e sem demora. Mas a infinita GGaT (Guerra Global ao Terror) não quer saber disso.
Califa, nos dê cá uma mãozinha
Com todo esse suspense monumental à moda Hollywood para assistir, quem se preocupa com a Ucrânia? Pode até ter sido afastada das manchetes depois do último pacote de sujíssimas sanções que EUA/UE aplicaram à Rússia... mas já está de volta aos holofotes, porque hoje, 5ª-feira (18/9/1014), o oligarca ucraniano virado presidente, Petro Poroshenko, estará reunido com a nêmesis de O Califa, em Washington.
Preparem-se todos pois para um surto frenético de retórica sobre o Império do Mal – e a mais feroz indignação provocada pela “invasão” dos russos à Ucrânia. Durará só um dia. A “estratégia’ de “Não faça merd coisa estúpida” muda de assunto com a rapidez com que surfa pelo iTunes. E o novo som agora é a ofensiva no “Siriaque”; mais outra operação “cinética” de Obama, Rebel Yell, de Billy Idol (logo abixo) remixada.
Assim, sobra muito espaço para a think-tankelândia dos EUA carpir que a “agressão” russa lucrará com o novo som, para “avançar” na Europa Central e do Leste; e que a “ameaça” chinesa se aproveitará para “dominar” o Pacífico Ocidental. Quer dizer: o que é mais crucial para o Império do Caos: Rússia, China ou “Siriaque”? A think-tankelândia não faz nem ideia. Só estão tentando não fazer “merd coisa estúpida”.
Apesar de toda essa pananoia vulcânica no circuito governamental em Washington, o Grande Quadro, no longo prazo, indica que Moscou continuará a expandir seus nodos do Oleogasodutostão por todo o Leste da Europa diretamente no rumo da Europa Ocidental, ampliando, comercialmente, a zona de influência “soft” dos russos. Ninguém precisa “invadir” coisa alguma.
Na Ucrânia, o Grande Quadro indica que a União Europeia caminha para crise horrenda, uma terceira recessão em cinco anos, obviamente sem dinheiro para pagar, para nem discutir a vontade de pagar, as contas gigantescas que a Ucrânia acumulou. Mais cedo – com negociações que começam nesse sábado em Berlim – ou mais tarde, a União Europeia terá de encontrar jeito de acertar-se com Moscou, para conseguir receber o precioso gás russo.
Guerra Global ao Terror, GGaT |
Assim, os doidos-por-guerra da OTAN – da União Europeia – sob as garras do Pentágono. Toda a retórica sobre aquela débil “força de reação rápida” à parte, o fato é que a Organização do Tratado do Atlântico Norte não tem colhões para confrontar a Rússia com as tropas alocadas na Ucrânia. E não vai haver “coisa estúpida” de bombardeio aéreo de Obama contra os federalistas no Donbass – como se russófonos na Ucrânia defendendo a própria terra e a própria língua contra uma forma de limpeza étnica em câmera lenta pudessem ser comparados aos pascácios multinacionais d’O Califa no “Siriaque”. A opinião pública nos EUA sabe muito bem – quer dizer... vai-se ver, talvez não saiba – que o povo do Donbass não está ameaçando atravessar para El Paso amanhã cedo.
Tanto trabalho duro para se pivotear, da Guerra Global ao Terror (GGaT), para o Jogo dos Big Boys na Eurásia. Tão pouco tempo – e competência! Os pascácios d’O Califa anunciaram pelos jornais que decidiram degolar Putin. Ah... Se pelo menos o Pentágono pudesse terceirizar o serviço...
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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