“Uma Ucrânia federalizada livre de nazistas?”
30/11/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Faça-me o favor! Essa ideia já era! Total fantasia.
The Saker |
Essa é uma das questões que divide opiniões entre muita gente boa e realmente sincera, e a qual raramente vi diretamente discutida. Mas é questão absolutamente crucial. Hoje, a enfrentaremos diretamente.
O argumento realista (versão nº 1)
Como disse Otto von Bismarck, “política é a ciência do possível”. É muito bonito e recomendável esperar pelo melhor, mas a menos que você seja doido ou que creia em pensamento mágico, é preciso preparar-se para o pior e acertar-se com qualquer coisa que apareça entre um e outro extremo. Há muitos conflitos que terminam numa espécie de conciliação de que nenhum dos dois lados gosta, mas que os dois lados aceitam simplesmente porque a alternativa é pior. Assim como Andreas Walsh destaca corretamente, querer “uma Ucrânia federalizada livre de nazistas” (palavras de Bezler) é querer um pouco demais. De fato, há crescentes sinais de que o apoio à chamada “anti-terrorist operation”(ATO) [“operação antiterrorista” (OAT)] está *crescendo* e que a zumbificação do povo ucraniano é processo muito bem sucedido.
Por exemplo, há dois dias assisti a mais uma video conferência entre alguns cidadãos de Kiev e alguns cidadãos de Donetsk (vídeo de 1h 4’23”, em ucraniano sem legendas em inglês no fim do parágrafo) e fiquei horrorizado de ver que o pessoal de Kiev continua a falar, aparentemente com toda a sinceridade, convencidos da veracidade do que dizem, sobre “o exército russo envolvido nas batalhas na Novorússia”. Quanto ao mais novo Ukie Rada [parlamento], está espantosamente cheio de comandantes nazistas, líderes de esquadrões-da-morte, políticos declaradamente nazistas e, claro, oligarcas. A verdade é que não há nem sinal de qualquer des-nazificação, por leve que fosse, na Ucrânia, bem ao contrário: todos os sinais indicam rápida e forte nazificação da sociedade ucraniana.
Tudo isso é verdade, mas é só parte do quadro. Parte pequena.
O argumento realista (versão n. 2)
O grande problema com o argumento realista acima é que está completamente focado no curto prazo. Pior, responde a uma falsa questão (“há sinais, ou não, de des-nazificação na Ucrânia?”). A pergunta correta é muito diferente daquela. A pergunta correta é: “é viável um regime nazista na Ucrânia?” O argumento que desenvolvo aqui também é argumento realista; em minha opinião, como trabalharei para demonstrar, é mais realista que o anterior. Para responder essa pergunta, temos antes de responder duas subperguntas:
(a) Um regime nazista na Ucrânia é intrinsicamente viável? Quero dizer: nas melhores circunstâncias externas, um regime nazista poderia permanecer no poder na Ucrânia? Em termos práticos, significa o seguinte: os nazistas são capazes de impedir a total “somalização” do que restou da Ucrânia? Poderiam os nazistas, mesmo com suficiente apoio externo, estabilizar e seja como for reconstruir parte pelo menos de algum estado?
(b) Ainda se um regime nazista em Kiev for viável, os países em torno da Ucrânia podem aceitar uma Ucrânia nazista como vizinha de longo prazo? Verdade é que Hitler jamais foi derrotado por “votos” ou “eleições”. Foi preciso que o Exército Soviético (com alguma ajuda atrasada, das anglopotências) para livrar o mundo, de Hitler. Meu argumento aqui prevê que há governos tão inerentemente terríveis, que ninguém pode jamais aceitá-los (o governo do Estado Islâmico, por exemplo).
Cuidemos, então, de responder a primeira pergunta (a).
Não me parece que se possa negar que a Ucrânia é navio que está indo a pique. A economia ucraniana está morta. Não há dinheiro, nem bens, nem ouro. Nesse momento, a Ucrânia está andando “na banguela” e, quando finalmente parar, as coisas ficarão muito, muito feias. Neste exato momento, o regime que está no poder está ocupado fazendo as coisas mais “patrióticas” imagináveis, mas todas absolutamente inúteis para qualquer finalidade. Estão re-escrevendo livros de história (embora falte dinheiro para publicá-los); estão aceitando não cidadãos em posições centrais de governo (norte-americanos, poloneses, alemães, lituanos, georgianos, etc.); e estão mudando o nome da IIª Guerra Mundial. Grande coisa, claro, mas sempre dolorosamente claro que a Junta de Kiev não tem plano algum para dar jeito na economia, nem, sequer, para fingir que tenta. Significa que estamos lidando com um navio que está afundando, cuja tripulação nem tenta fingir que tenta impedir que o navio acabe no fundo do mar. Qual a viabilidade disso?
Consideremos agora a segunda pergunta (b):
É também inegável que nem Europa nem Rússia podem simplesmente dar as costas à Ucrânia como deram as costas à África subsaariana e fingir que a coisa não existe. Não importa o quanto a Ucrânia venha, no futuro, assemelhar-se a Somália, Congo ou Libéria; a Ucrânia existe, milhões de pessoas vivem ali e não querem morrer. E têm armas, muitas armas. Assim sendo, não importa a política, a União Europeia e a Rússia terão de resgatar o povo ucraniano; e nenhum lado tem os meios necessários para fazer isso sozinho. Isso, por sua vez, significa que os dois lados têm poder de veto contra qualquer plano de resgate para a Ucrânia. A Rússia também.
Igor Bezler |
A Rússia, por falar dela, tem a opção de resgatar só o Donbass, o qual, como se sabe, é a parte mais rica e mais bem educada da Ucrânia; e de deixar o resto para os burocratas da União Europeia (UE). A Rússia é também muito mais capaz de isolar-se contra uma Ucrânia “africanizada”, que a UE. Em outras palavras, a UE é muito mais diretamente ameaçada pelo caos ucraniano, que a Rússia; e, de longe, é muito menos capaz de lidar com as consequências daquele caos, que a Rússia. E os russos compreendem isso.
Por fim, mas absolutamente não menos importante, não importa quem esteja no poder e não importa a política da situação, a geografia dita uma realidade simples: a Rússia sempre será o principal parceiro comercial da Ucrânia. Não ver isso é simplesmente ignorar a natureza das forças de mercado. Ou, em outras palavras: todos e quaisquer (todos e quaisquer mesmo) planos para a reconstrução da Ucrânia dependem crucialmente de se restabelecerem laços econômicos com a Rússia.
Tudo o que acima se lê pode ser bem simplesmente resumido no seguinte: no longo prazo, nenhum regime é viável em Kiev, a menos que conte com o apoio dos russos. É simples assim.
Claro que, no curto prazo e até em médio prazo, os anglo-sionistas podem impor um regime nazista em Kiev. Mas no longo prazo, tudo que façam e digam é futilidade, porque simplesmente não há, por ali por perto, os recursos mínimos necessários para manter esse “projeto” em andamento.
Guerras falsas e guerras reais
O recente fluxo incansável de falsas guerras ao qual todos assistimos pelo canal CNN resultou em a opinião pública “desaprender” completamente como são as guerras reais. Sempre vemos os EUA atacando, os “bandidos” respondendo como podem, vez ou outra; então os EUA vencem a guerra, e todos nos mudamos para a pseudoguerra seguinte. Guerras reais não acontecem assim.
Primeiro, guerras reais demoram anos até serem resolvidas. Não falo de falsas guerras como “Tempestade no Deserto” ou o bombardeio contra a Sérvia. Falo de guerras verdadeiras, guerras *reais*. Como a Iª ou a IIª Guerras Mundiais. Ou a guerra dos EUA contra o Japão, no Pacífico. Ou a guerra da Coreia (que prossegue, tecnicamente). Assistam a seguir documentário sobre e Ia. Guerra Mundial:
Segundo, na maioria das guerras reais, o lado atacado está quase sempre despreparado para se autodefender (por isso é atacado). É bem verdade para a Rússia, como alguns deduziram corretamente de [sessão de perguntas e respostas] Khazin Q&A: em 2014, a Rússia não estava preparada para combater contra o Império Anglo-sionista (a Rússia teria preferido que o conflito acontecesse em 2020). Mas quando você é atacado, você não escolhe o momento do ataque: essa vantagem pertence exclusivamente ao atacante.
Terceiro, por isso mesmo, a maioria das guerras reais começam por um recuo do lado atacado. É derivação direta do segundo ponto acima. Nesse momento, a Rússia “recuou” para menos que a total região de Donetsk e Lugansk, e teve de ceder não só grande parte da Novorússia histórica, mas a Ucrânia toda. É normal e inteiramente previsível. Curioso é, de fato, que todo o exército ucraniano não tenha conseguido subjugar duas regiões tão pequenas.
Mas quem acreditar seriamente que essa guerra acabaria nisso é absolutamente ingênuo e simplório, ou realmente não compreende o que realmente está em jogo. Porque o que está em jogo é a própria existência da Rússia como estado e como nação. A Rússia jamais admitirá que o conflito seja congelado, para ali permanecer, em região próxima da atual linha de contato. De fato, a Rússia jamais permitirá que permaneça no poder, em Kiev, um regime nazista. E, como já expliquei acima, a Rússia tem os meios necessários para impedir tal coisa.
Os mais velhos no Donbass, que imediatamente compararam a guerra atual e a IIª Guerra Mundial estão corretos. Nos dois casos, essas duas guerras, travaram-se em torno da própria sobrevivência da Rússia, não só como nação e como estado, mas como campo civilizacional. O fato de que a IIª Guerra Mundial foi combatida principalmente com a Wehrmacht alemã; e a guerra moderna está sendo combatida, em primeiro lugar, por técnicas de propaganda avançada, absolutamente não muda coisa alguma. Nos dois casos estamos enfrentando um atentado para destruir “Rússia”, no mais amplo sentido da palavra. A seguir curto documentário sobre a Operação Barbarossa, na Ucrânia, durante a IIa Guerra Mundial:
Tendo conhecido muita gente que viveu durante a IIª Guerra Mundial, inclusive russos que viveram na Alemanha, e tenho estudado a história daquela guerra, posso dizer que o nível de russofobia é hoje ainda pior que nos dias de Hitler. Pelo menos, durante a IIª Guerra Mundial a maioria dos alemães não eram adestrados, por lavagem cerebral “midiática”, a odiar russos (só os membros militantes do Partido Nacional-Socialista insistiam nisso e, mesmo assim, nem todos!). Hoje, a russofobia já está generalizada e absolutamente histérica, sobretudo nos EUA e na Ucrânia controlada pela Junta.
Quem possa deve examinar a imprensa nacionalista ucraniana, ouvir os discursos, ler seus websites, ouvi-los também pelas “redes sociais”, procurar conhecer o mais possível sobre o pensamento nacionalista ucraniano, para conseguir perceber uma coisa simples: no fundo, a “Ucrânia” nada é senão uma “anti-Rússia”. “Ucrânia” é conceito sem conteúdo positivo, de fato; não tem, sequer, qualquer realidade inerente. “Ucrânia” significa “anti-russos”; Ucrânia só se define pela oposição à Rússia.
Historicamente, o projeto ucraniano foi criado, no começo, pelo Papado, como ação anti-ortodoxos. Mas, seguindo o declínio do cristianismo no ocidente e a ascensão do nacionalismo, o “Projeto Ucrânia” passou, da versão inicial anti-ortodoxos, para a versão modernizada, secular, anti-russos.
Assim como o judaísmo nada é, em termos históricos, culturais e religiosos, além de anticristianismo, assim também o ucranianismo já é um antirrussismo. Pensam que estou brincando?
Observem os doidos no poder em Kiev: imigrantes nascidos nos EUA, oligarcas judeus, nazistas em geral, sacerdotes Uniat, gays sem campanha para autopromoção, comandantes de esquadrões-da-morte, estudantes pró-europeísmo. Pensem e respondam: há alguma ideia, qualquer coisa, que dê unidade a essa manada de doidos-pirados? Só uma coisa: o ódio mais furioso e doentio contra a Rússia.
Realismo realista
A relação ontológica entre Rússia e Ucrânia é semelhante à que há entre um elétron e um pósitron: combinados, explodem e liberam grande quantidade de energia (na forma de violência, esperemos que sem raios-gama). A boa notícia para a Rússia é que sua massa de matéria é muito maior que a massa ucraniana de antimatéria, muitas e muitas vezes superior, muitas ordens de magnitude acima. Em inglês bem claro, significa simplesmente que os “pósitrons ucranianos” (os nazistas russofóbicos realmente linha-duríssima) perderão, com certeza, pelo menos no longo prazo. A massa da Rússia é maior, em termos demográficos, geográficos, intelectuais, culturais, sociais e, claro, econômicos. Os nazistas não têm chance alguma.
Novorússia atual, segundo o Washington Post |
Assim sendo, Bezler, longe de estar sendo ingênuo ou simplório, está apenas olhando à distância. Claro, a tarefa imediata ao alcance da mão é proteger a Novorússia e garantir que sobreviva ao inverno. Depois, a tarefa de médio prazo será reconstruir a Novorússia (que também se pode chamar de “Ucrânia libertada”, em oposição à “Ucrânia ocupada”, o Banderastão). A tarefa de médio prazo, portanto, consistirá em alcançar algum tipo de acordo com quem esteja no poder em Kiev, para prover segurança temporária, mas de boa qualidade, à Novorússia. Por fim, a tarefa de longo prazo será aplicar a correta pressão política para promover clandestinamente, enquanto parece que nada se faz, um processo de des-nazificação da Ucrânia (deixar os Ukies pensarem que eles próprios se estariam “desnazificando”.
Ah, sim, demorará anos, como todas as guerras. Mas não há outra solução. Ingenuidade é pensar que a Rússia pode-se expor ao risco de viver ao lado de uma anti-Rússia, apesar da pequena Novorússia. E, finalmente, o povo da Ucrânia, a maior parte dele, pelo menos, merece vida melhor que viver sob regime nazista!
Sim, sim, a propaganda imperial parece estar vencendo, mas as primeiras fissuras já começam a aparecer, sobretudo na Europa, e quanto mais os doidos em Kiev mostrem sua verdadeira cara, mais difícil para os europlutocratas vendê-los como “do bem”, à população europeia já empobrecida e cada vez mais hostil. Será como com os “heroicos mujahidinafegãos”, que começaram como “combatentes pela liberdade”, mas logo foram degradados para “fundamentalistas islamistas” , daí para “terroristas da al-Qaeda”, e, agora, são o “ISIL, mega-super-maxibandidos”.
Depois que tudo estiver concluído, e a poeira tiver baixado, e a guerra terminada, duas coisas permanecerão: o fato de que a Ucrânia é entidade artificial e o fato de que ninguém desejará recomeçar aquela guerra. Em teoria, partir a Ucrânia em várias partes é possível, mas traz riscos enormes: a questão das fronteiras é, potencialmente, a via mais direta para reiniciar a violência e o terror. Solução muito melhor é garantir que cada região possa preservar e desenvolver identidade própria. Assim sendo, por todas essas razões, “Uma Ucrânia federalizada livre de nazistas” não é uma das soluções: é a única solução. Bezler tem razão.
The Saker
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