3/1/2015, [*] Graham E. Fuller (dica de MK Bhadrakumar)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
No que tenha a ver com as estupidezes das políticas dos EUA para a Rússia, ou com a paixão irrestrita pela música e literatura russas, ou com a paixão sem fim pela “cidade dos desejos do coração” (Istambul) e, claro, também no que tenha a ver com a futilidade de combater os Talibã ou com a tragédia em câmera lenta do próprio Paquistão − em todos esses tópicos concordo total e completamente com meu amigo Graham.
Sobre o Oriente Médio, não sei. Tendo a ver as coisas um pouco diferentes, especialmente a Turquia… Mas fato é que Graham é autoridade fenomenalmente respeitada sobre o Islã e toda aquela região e viveu e trabalhou durante toda sua vida adulta no Oriente Médio, e eu só passei por lá como pássaro em trânsito” (MK Bhadrakumar, 4/1/2015, em Indian Punchline).
Só doido, para tentar previsões de longo prazo para o Oriente Médio. De minha parte, então, aí vão minhas previsões de longo prazo para o Oriente Médio, para 2015.
1 – Declinarão o poder e a influência do ISIS. Já disse e repito que não acredito que oISIS seja viável como estado; não tem qualquer ideologia coerente e funcional, nem instituições políticas e sociais sérias, nem qualquer processo razoável de liderança política, ou competência para lidar com a logística detalhada e complexa da governança, ou qualquer chance de estabelecer relações de estado para estado na região. Além do mais, já alienaram a maioria dos muçulmanos sunitas do mundo, com grave dissensão entre os sunitas no Iraque e na Síria. No plano ideal, o ISIS deve ruir por si mesmo, quer dizer, sem qualquer interferência externa massiva, sobretudo sem intervenção ocidental, intervenção a qual, em vários sentidos, só fará confirmar e reforçar as alegações ideológicas do próprio ISIL.
Para ser convincentemente e decisivamente derrotada, a IDEIA do ISIL – como foi articulada e é praticada – tem de ruir visível e demonstravelmente por falha do próprio movimento, e aos olhos dos muçulmanos da região.
2 – Crescerá muito o papel do Irã como ator na região. Apesar das idas e vindas, estou otimista quanto às negociações entre EUA e Irã. Os dois lados precisam desesperadamente de algum sucesso nessas negociações. É mais que hora de as relações se normalizarem, e a normalização é necessária para a ordem regional.
Além do mais, Irã e Turquia [além da Síria, é claro! (NTs)] são os únicos governos REAIS na região, com governança genuína baseada em legitimidade popular, por muitos que sejam os erros desses governos. Turquia e Irã (e Síria, é claro! (NTs)] são estados democráticos.
Esses dois estados [além da Síria, é claro! (NTs)] abraçam e defendem muitas das aspirações dos povos na região, de modo que não se vê em nenhum outro governo ou líder daquela parte do mundo.
Mais cedo ou mais tarde, o Golfo será forçado a acertar os ponteiros com a realidade de um Irã normalizado; os dois lados jamais realmente estiveram em guerra, apesar de todos os rugidos belicosos que emergiram dali periodicamente ao longo do século 20.
O Irã é potência pós-revolucionária, com visão de um Oriente Médio realmente soberano, livre da dominação ocidental – o que nenhum dos estados árabes é, em termos convincentes [exceto, é claro, a Síria de Bashar al-Assad, é claro! (NTs)].
A influência do Irã crescerá também na região, na resistência contra os desafios e provocações crescentes que Israel não economiza para manter os palestinos sob dominação permanente.
3 – O presidente Erdoğan verá sua influência começar a diminuir na Turquia, em 2015. Depois de governo brilhante do AKP durante uma década, a primeira, o governo de Erdoğan já se vê envolvido em escândalos de corrupção, e entrou em modo paranoico de perseguição contra todos e quaisquer que critiquem ou façam oposição ao seu modo de governar, cada dia mais irracional, autoritário e quixotesco. Já entrou no processo de agredir instituições e destruir o legado do próprio primeiro-ministro e seu partido.
Continuo a confiar que as instituições turcas mais ampIas, embora enfraquecidas por Erdoğan, mesmo assim bastarão para manter o país em trilha basicamente democrática e não violenta até que Erdoğan perca completamente a credibilidade – o que acontecerá talvez mais cedo do que se supõe.
4 – A Rússia desempenhará papel de maior destaque nos arranjos diplomáticos no Oriente Médio, como fator positivo. A capacidade que a Rússia demonstrou para atuar em papel diplomático (fortemente técnico) decisivo e resolveu a questão nuclear no Irã; e a voz decisiva que manifestou na questão síria são contribuições significativas para a resolução desses dois conflitos de alta prioridade e alto risco que afetam toda a região.
É essencial que o papel da Rússia seja aceito e integrado, em vez de ser sempre apresentado como mera projeção de algum tipo de luta global de alguma neo-Guerra Fria – confronto pelo qual o ocidente e Moscou são igualmente responsáveis. O ocidente [de fato, mesmo, são os EUA (NTs)] tem insistido em provocar confrontos contraproducentes com Moscou, no esforço para meter a OTAN dentro da Ucrânia a qualquer preço.
Conseguem imaginar qual seria a reação dos EUA, se algum tratado de segurança entre China e México incluísse implantar armas e soldados chineses em solo mexicano? [1]
5 – Os Talibã farão novos avanços no sentido de obter mais poder dentro do governo afegão. Depois de 13 anos de guerra no Afeganistão, os EUA fracassaram na “missão” de estabilizar o país; e tampouco conseguiram eliminar os Talibã como força decisiva na equação do poder nacional afegão. Os Talibã são muito mais que simples movimento islamista: em vários sentidos, os Talibã “representam” o poder nacionalista do povo pashtun dentro do Afeganistão (mesmo que não sejam aceitos como tal por todos os pashtuns).
Os pashtuns perderam muito, quando o governo dos Talibã foi derrubado pelos EUA em 2001. Agora, a inclusão dos Talibã novamente no governo afegão é fator essencial para a estabilidade futura no Afeganistão. Os Talibã buscarão fortalecer seu poder em campo durante esse ano, para garantir base de apoio às suas demandas políticas em qualquer futura negociação sobre a partilha do poder político. É impossível excluir funcionalmente os Talibã. A estabilidade no Paquistão, de que o país precisa desesperadamente, também depende, em parte, desses acordos no Afeganistão, depois de os EUA saírem de lá.
OK. E chega de previsões de alto risco para um só ano!
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Nota dos tradutores
[1] Como disse o presidente Rafael Correa, do Equador: Se os EUA autorizarem que o Equador instale uma base militar em Miami, então, OK, aceitaremos bases militares dos EUA no Equador. [Rafael Correa, entrevistado por Julien Assange, 22/5/2012, na rede Russia Today, trad. em redecastorphoto].
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[*] Graham E. Fuller foi por 20 anos oficial de operações da CIA em quase todo o Oriente Médio − Turquia, Líbano, Arábia Saudita, Iêmen, Afeganistão e Hong Kong, por duas décadas (aprox. 1970-1990). A seguir foi nomeado um analista sênior a CIA para a previsão global onde trabalhou por mais 5 anos. Em 2004 mudou-se para o Canadá e, entre outras coisas, é agora um professor adjunto de história na Simon Fraser University, em Vancouver. Sem nunca perder interesse no mundo islâmico escreveu vários livros sobre o assunto:
"Three Truths and a Lie" (livro de memórias)
"Turkey and the Arab Spring" (o mais recente)
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