26/1/2015, [*] F. William Engdahl, New Eastern Outlook
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Em 2008, Washington criou um comando especial do Pentágono, o AFRICOM, para conter as grandes iniciativas econômicas dos chineses na África, de empréstimos e crédito fácil em troca de acordos de longo prazo para fornecimento aos chineses, de óleo e outras matérias primas africanas. Os resultados foram pífios, em matéria de “conter” a busca dos chineses por matéria prima para sua crescente economia.
Agora, a China deu passo firme e amplo na direção de desafiar abertamente a chamada “Doutrina Monroe” − doutrina imperialista de facto − e trouxe grandes iniciativas para a América Latina. É o “próprio quintal” de Washington!
Xi Jinping recebe Rafael Correa em Pequim para a Reunião CELAC-China (15/1/2015) |
Com as burras carregadas de dólares, empresas estatais chinesas estão fazendo uma grande entrée apoiada pelo governo chinês, em tradicionais áreas de influência de banqueiros e empresários norte-americanos: a América Latina. É movimento diabolicamente esperto, para acertar bem no calcanhar de Aquiles de Washington. A intenção da declaração original, de 1823, que fez o Presidente dos EUA, James Monroe, era dizer ao mundo que as colônias que acabavam de se tornar independentes de potências europeias ficariam fora do alcance de repetidas tentativas de recolonização – sob risco de aqueles colonizadores sofrerem intervenção dos EUA.
Foi doutrina bizarra, uma declaração, de facto , de que ao sul do Rio Grande toda a América Latina passaria a ser uma espécie de “esfera de influência” ou colônia informal. As nações da América Latina, especialmente no pós-1945, prosperaram bem pouco ou nada, sob o que sempre foi colonização, de facto, pelos EUA. A economia “de livre mercado” dos EUA, e as crises das dívidas nacionais nos anos 1980s – dívidas impingidas por banqueiros de Wall Street e pelo Tesouro dos EUA na crise do petróleo de 1980 – expuseram as nações latino-americanas a uma selvagem “austeridade” e ao roubo de seus bens nacionais mais valiosos, assaltados por empresas norte-americanas de operação multinacional e bancos, banqueiros e fundos de investimento do tipo do Fundo Quantum, de George Soros.
Como reação, ao longo da década passada ou um pouco mais, várias nações, a começar pela Venezuela governada pelo falecido Hugo Chávez, começaram a distanciar-se da dependência que as ligava aos “Yankees” do norte. As razões eram claras. No alvorecer do século XXI, a América Latina ainda era a sociedade mais desigual do globo, e muitos culpavam o neoliberalismo, por esse estado de coisas – o neoliberalismo de “livres mercados”, imposto pelo FMI norte-americano.
Fidel Castro, Tabaré Vázquez, Luiz Inacio Lula da Silva, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Michelle Bachelet na XXX Cúpula de Países Sócios e Associados de Mercosul em 2006 |
Depois do sucesso de Chávez na Venezuela, silenciosamente apoiados por Havana, os bolivianos elegeram pela primeira vez um indígena, à presidência.
Contra empenhadas tentativas dos EUA de bloqueá-lo, foi Evo Morales quem afinal bloqueou e fez gorar a Área de Livre Comércio das Américas, ALCA [orig. Free Trade Area of the Americas (FTAA)], uma extensão da NAFTA norte-americana, e denunciou-a, muito corretamente, como “projeto de neocolonização”, uma “política de genocídio econômico”.
Ricardo Lagos no Chile (2000); Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil (2002) e sua sucessora escolhida a dedo, Dilma Rousseff; Lucio Gutiérrez no Equador (2002); Néstor Kirchner na Argentina (2003) e Tabaré Vasquez no Uruguai (2004), todos prometeram impedir que avançasse políticas promovidas pelos EUA ou pelo Fundo Monetário Internacional, FMI. Em 2005, praticamente 75% da população da América Latina era governada por nacionalistas e latino-americanistas integracionistas, antagonistas das políticas neoliberais de Washington.
Washington fez repetidas tentativas, sempre sem sucesso, para criar “revoluções coloridas” na Venezuela, na Bolívia e noutros estados independentes. Resultados miseráveis para Washington, com os EUA já focados na China e, mais recentemente, no Oriente Médio e na Rússia. A decisão do governo Obama de “normalizar” relações com o estado comunista de Cuba é indicação de que, sim, as coisas estão mudando radicalmente.
É onde entra o dragão chinês
Exatamente quando Washington tenta escalar os esforços para conter a emergência de uma América Latina economicamente e politicamente assertiva, mais especialmente as nações da América do Sul, a China decide tomar uma iniciativa econômica que Washington simplesmente não tem meios para conter.
Como se lê no website oficial China Daily, o presidente chinês Xi Jinping disse, dia 8/1/2015, que os investimentos da China na América Latina alcançarão US$ 250 bilhões nos próximos dez anos e que se estima que o comércio bilateral alcançará US$ 500 bilhões no mesmo período.
Importante, também, a ocasião em que foi feito esse impressionante comunicado: em Pequim, antes do início do encontro das 33 nações latino-americanas e do Caribe, do qual não participam EUA nem Canadá. Anglo-saxões nada bem-vindos, evidentemente. Foi o primeiro fórum ministerial da China e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe, CELAC, proposto pela China em 2014. Depois que Pequim decide fazer acontecer alguma coisa, as coisas andam rápidas. E nesse caso é movimento estratégico. A CELAC foi criada em dezembro de 2011 por Hugo Chávez em Caracas, Venezuela. Inclui todos os países sul-americanos, alguns estados do Caribe e o México.
Cúpula CELAC 2015 (28-29/1/2015) |
Xi da China, figura chave nos emergentes BRICS e encarregado da sede do novo Banco de Infraestrutura e Desenvolvimento dos BRICS, disse ao conclave que:
(...) a China crê que essa reunião dará resultados produtivos, e enviará ao mundo um sinal positivo sobre a cooperação, cada dia mais aprofundada, entre China e América Latina; terá assim impacto importante e de grande alcance, na promoção da cooperação sul-sul e da prosperidade para todo o mundo.
Um plano qüinqüenal
Durante os dois dias de reuniões em Pequim, os países discutiram a adoção de um plano de cinco anos para cooperação ampla. Como disse o presidente Xi (atenção!):
(...) terá impacto importante e de grande alcance, na promoção da cooperação sul-sul e da prosperidade para todo o mundo.
Sul-sul não é EUA, nem União Europeia.
Trata-se aí da mais ampla mudança econômica global desde o surgimento da Europa há vários séculos, como coração pulsante do poder econômico global.
Os dois lados – a China e as nações CELAC – acertaram um quadro de cooperação, fundos e projetos nos campos da energia, desenvolvimento da infraestrutura, inovação e agricultura. Para a China, é acesso aberto aos recursos naturais mais valiosos da região, inclusive o crucial petróleo venezuelano, o cobre chileno e peruano, e a soja argentina e brasileira. Os países latino-americanos, por sua vez, verão chegar os bilhões de dólares em investimentos chineses e linhas de crédito de longo prazo. Eis o que os chineses chamam de “acordo ganha-ganha”.
Nas discussões colaterais, Xi também concordou em trabalhar para diminuir as dores provocadas na Venezuela pelo atual colapso no preço do petróleo. Em conversações com o Presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, Xi da China confirmou projetos conjuntos no valor de mais de US$ 20 bilhões; e o Equador, outro país produtor de petróleo e membro da OPEP, recebeu empréstimo de US $7,5 bilhões dos chineses para suavizar o impacto do choque financeiro.
Se se combina a isso o conjunto histórico de acordos econômicos com China e Rússia; a emergência dos países BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul – como substituição potencial para os FMI controlado pelos EUA e o Banco Mundial; o fortalecimento da Organização [Eurasiana] de Cooperação de Xangai; e, desde 1º de janeiro de 2015, o estabelecimento formal da União Econômica Eurasiana, que inclui Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão e Armênia, os contornos desse novo espaço econômico sul-sul vão-se tornando cada vez mais claros, para substituir um mundo de dólar e euro em colapso.
2015 serão “tempos interessantes”, como dizem os chineses.
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[*] Frederick William Engdahl é jornalista, conferencista e consultor para riscos estratégicos. É graduado em política pela Princeton University; autor consagrado e especialista em questões energéticas e geopolítica da revista online New Eastern Outlook.
Nascido em Minneapolis, Minnesota, Estados Unidos, é filho de F. William Engdahl e Ruth Aalund (nascida Rishoff). F.W. Engdahl cresceu no Texas, e depois de se formar em engenharia e jurisprudência na Princeton University em 1966 (bacharelado), e pós-graduação em economia comparativa da University of Stockholm 1969-1970. Trabalhou como economista e jornalista free-lance em Nova York e na Europa. Começou a escrever sobre política do petróleo, com o primeiro choque do petróleo na década de 1970. Tem sido colaborador de longa data do movimento LaRouche.
Seu primeiro livro foi A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order, onde discute os papéis de Zbigniew Brzezinski, de George Ball e dos EUA na derrubada do xá do Irã em 1979, que se destinava a manipular os preços do petróleo e impedir a expansão soviética. Engdahl afirma que Brzezinski e Ball usaram o modelo de balcanização do mundo islâmico proposto por Bernard Lewis.Em 2007, completou seu livro Seeds of Destruction: The Hidden Agenda of Genetic Manipulation. Seu último livro foi: Gods of Money: Wall Street and the Death of the American Century (2010).
Engdahl é autor frequente do sítio do Centre for Research on Globalization. É casado desde 1987 e vive há mais de duas décadas perto de Frankfurt am Main, na Alemanha.
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