quarta-feira, 25 de março de 2015

França: a extrema-direita constrói-se sobre a fraqueza da esquerda

22/3/2015, [*] Nikos Smyrnaios, Ephemeron, Grécia –
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

França - Eleições Regionais, 2015
Eleições regionais realizadas nesse domingo na França confirmaram que prossegue por lá o avanço da Frente Nacional, que começou em 2011, quando Marine Le Pen assumiu a liderança do partido. A presença dos fascistas no 2º turno da eleição presidencial de 2017 é agora altamente provável, o que pode levá-los à presidência do país.

O establishment político francês, ou seja, a direita, trouxe de volta Sarkozy. O resultado de um confronto hipotético Le Pen-Hollande-Sarkozy em 2017 é bastante incerto. A possibilidade de vitória da extrema direita no segundo maior país da União Europeia já não é irrealista.

Há duas razões principais que explicam esse pesadelo, mas é cenário provável. Por um lado, a estratégia eleitoral reconhecidamente bem-sucedida do partido de Le Pen. Por outro, o abandono, pelos socialistas, dos estratos pobres da sociedade; e a fragmentação da esquerda radical. Aconteceu na atmosfera insalubre circundante, na qual a islamofobia cresceu, insuflada por alguns dos veículos da mídia-empresa, o que piorou após o ataque terrorista contra Charlie Hebdo.

Marine Le Pen votando em 22/3/2015
Desde 2011, quando tomou as rédeas do partido fundado por seu pai, Marine Le Pen fez a Frente Nacional ganhar ares de partido “decente”, na consciência de grande parte da opinião pública – embora sem jamais ter exercido o poder nem jamais se ter manifestado como partido antissistema. Na verdade, a retórica de Marine Le Pen tem-se centrado na crítica ao governo de Sarkozy e do governo da União Europeia (partidos socialistas e UMP). E trabalha em dois eixos: explora a imagem de “trabalhadora francesa” e uma tal “insegurança cultural”, de que fala sempre.

A retórica social da Le Pen contém muitas bandeiras que são bandeiras tradicionais da esquerda, mas foram deixadas para trás: defesa dos trabalhadores, crítica aos bancos e ao capital, denúncia da hipocrisia social-democrata, a favor de a França sair da Eurozona, etc.). E com essa retórica, a Frente Nacional surgiu como o maior partido entre os eleitores da classe trabalhadora. Mesmo que essa retórica seja absolutamente hipócrita, pois o partido é partido do capital francês, é retórica particularmente eficaz com vistas a eleições.

Simultaneamente, Le Pen refinou o seu discurso racista. Já não inclui bandeiras antissemitas brutais de IIª Guerra Mundial, como faz seu pai. Agora, a filha fala de “incompatibilidade” entre “valores culturais europeus” e o Islã. Para Le Pen, mesmo que jamais o diga tão claramente, a grande “ameaça” que a Europa enfrenta é a conquista pacífica do Ocidente, por ondas de imigração em massa.

Certamente a maioria dos membros e simpatizantes da Frente Nacional, xenófobos e intolerantes, ainda estão em conflito com a maioria dos eleitores. É o que se comprova pela baixa recepção e pouca simpatia que os delírios racistas dos candidatos às eleições locais receberam nas redes sociais.

A fraqueza da esquerda radical

Jean-Luc Mélenchon do Parti de Gauche
Mas a esquerda radical aparece fragmentada e fraca. A dinâmica do candidato Mélenchon nas presidenciais de 2012 parece que evaporou. Há pelo menos três razões para isso:

(1) A competição eleitoral entre partidos de esquerda, que não favorece uma estratégia eleitoral comum, embora, nos discursos, todos concordem, teoricamente, sobre a importância de uma esquerda unida.
(2) Disputas políticas sérias que estão em curso em campos importantes: em torno da questão do Islã na França; da relação com a Rússia de Putin e sua posição sobre a guerra na Ucrânia; a ecologia radical, que contrasta com a abordagem tradicional de desenvolvimento, etc. O mais recente exemplo desse desentendimento político dentro da esquerda em toda a Europa é o modelo do partido SYRIZA e estimativas sobre a eleição.

Mas há mais uma importante razão:

(3) para a queda da esquerda radical na França: a impotência do movimento sindical e social, que não traduz a insatisfação dos cidadãos organizados no confronto com o governo. Isso explica, dentre outras coisas, o fracasso da liderança sindical (ver CGT) e a política de repressão rigorosa e muitas vezes violenta de manifestações e protestos, que recentemente resultou na morte de manifestante Rémi Fraisse, por granadas de efeito moral.

Nicolas Sarkozy
A gradual retomada do Estado francês por Sarkozy (Ministro da Ordem Pública e Presidente entre 2002 e 2012) e depois por Manuel Waltz (antes Ministro de Política Pública dos socialistas e agora Primeiro-Ministro) prossegue, sem qualquer abalo, desde depois do ataque a Charlie Hebdo: mobilização massiva de soldados para proteger a ordem, medidas extraordinárias de segurança, prisões arbitrárias... Os socialistas estão pavimentando o caminho para Marine Le Pen (ou Sarkozy). Provavelmente já é tarde demais para mudar qualquer coisa.
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[*] Nikos Smyrnaios (Nick Smyrna) Nasceu em Atenas, Grécia, em 1976; vive e trabalha na França desde 1995. Recebeu seu PhD em 2005 pela Universidade de Grenoble. Atualmente é professor sênior da Universidade de Toulouse onde leciona História, Sociologia, Cultura & Economia de Massa e Mídia Digital. Sua pesquisa centra-se em parâmetros socioeconômicos e questões políticas da internet. Atua intensamente no jornalismo online, mídia digital e o no uso político de sites de redes sociais. Anima seu blog Ephemeron publicando artigos em grego e francês, mas também em inglês.

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