20/4/2015, [*] Robert Hunziker – Counterpunch
Traduzido por Emex (que nos ajuda do Canadá).
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu
Milton Friedman, economista estadunidense (1912-2006), autoproclamado herdeiro de Adam Smith, usou o termo neoliberalismo num ensaio, “Neoliberalismo e suas perspectivas”, em 1951. Desde então, o mundo se inclinou neste sentido, a começar com o Chile, como experiência de laboratório de “Chicago Boys” sob o olho vigilante do infame ditador General Augusto José Ramón Pinochet Ugarte, presidente de 1974 a 1990. E o mundo nunca mais foi o mesmo.
Hoje em dia, o neoliberalismo reina supremo através dos oceanos, o controle dos fundamentos da economia passa do setor público para o setor privado com limitada interferência governamental, quanto menor melhor; impõem-se os livres mercados, o livre comércio geral, sucessivas desregulamentações bem como o regime de arrocho para as massas (Grécia e Espanha são os maiores movimentos de resistência a isso hoje em dia).
Com o neoliberalismo, o Mercado determina praticamente tudo. Visto de outro ângulo, o mundo se tornou uma gigantesca esfera mercantilizada girando em torno do sistema solar, enquanto o mercado determina preços para cada coisa, com exceção da biosfera, de fato, uma grande exceção.
Faz algum sentido, determinar preços para cada coisa, menos para a biosfera? Já que tudo, do trigo à viagem espacial, é determinado pelo mercado, por que não a atmosfera, os oceanos, o solo? O que deixa a biosfera fora do reino do mercado?
No fim das contas, a sobrevivência do mais apto é tão velha quanto a natureza, e o neoliberalismo, na prática, determina “a sobrevivência do mais apto econômico”, espelhando o comportamento da natureza. No entanto, o que acontece na vida real é que o neoliberalismo é o mais baixo abutre econômico, graças ao qual os ricos acumulam cada vez mais a custa dos que recebem cada vez mais baixos salários, cada vez menos benefícios e têm sua autoestima esmagada. O que poderia ser pior?
Há uma maneira melhor, um foco mais nítido encontrado dentro da economia ecológica, que amarra a imagem em seu conjunto, as externalidades destacadas dos mercados, bem como tudo dentro de mercados, integrando assim, importantes externalidades ao sistema de mercado, por exemplo, os limites biofísicos.
Neste ritmo, ao invés de contestar as tendências do capitalismo, que nunca cedem, é melhor juntar-se à festa reconfigurando o neoliberalismo como uma eco-economia em que o capital natural é um auxiliar do trabalho e do capital humanamente produzido.
A terra é um planeta finito com um capital natural finito; violar limites naturais pode trazer grandes transtornos, de grandes dimensões, levando a batalhas cruéis e guerras em larga escala.
A pegada ecológica
A pegada ecológica pode ser representada como a área agregada de terra e água em várias categorias ecológicas reivindicadas pelos participantes nesta economia para produzir todos os recursos de seu consumo, e para absorver todos os seus restos gerados numa base contínua, usando a tecnologia corrente. Mathis Wackernagel e William E. Rees, Perceptual and Structural Barriers to Investing in Natural Capital: Economics from an Ecological Footprint Perspective, Ecological Economics 20, May 28, 1996.
Economistas ecológicos reconhecem que as sociedades industriais dependem para sobreviver não apenas do trabalho e do capital humanamente produzido, mas também do capital natural. (Wackernagel and Rees).
Por exemplo, uma floresta ou uma indústria pesqueira podem ser capazes de fornecer uma colheita perpétua ano após ano. A floresta ou o estoque de peixes são o capital natural; a colheita sustentável é a renda natural.
No entanto, o capital natural não é simplesmente um inventário de recursos. Ele é constituído de todos os componentes da ecosfera, inclusive da cadeia estrutural de relações que torna a vida possível. O capital natural é definido por Sir John Richard Hicks, economista britânico, 1904-1989; o capital natural hicksiano produz a renda natural hicksiana, que é o nível de consumo que pode ser sustentado de um a outro período sem redução da riqueza natural, ou seja, constitui a chave do sucesso eco-econômico.
Nosso problema é que o capital que tanto nos esforçamos em manter intacto é apenas o capital humanamente produzido. A categoria “capital natural” não é levada em conta. De fato, essa categoria é excluída por definição na medida em que se define o capital como meios de produção (humanamente) produzidos. Herman E. Daly, et al, For the Common Good: Redirecting the Economy Toward Community, the Environment, and a Sustainable Future, Beacon Press Books, 1994.
Estudando a formação de capital natural, estimativas de suas pegadas ecológicas e sua apropriada capacidade de carga, podemos ter uma indicação da sustentabilidade do nível de consumo segundo a disponibilidade de produção ecológica.
Por exemplo, a média individual em um país industrializado requer o equivalente a 2-5 hectares (5-12 acres ) de terra produtiva para sustentar o consumo de materiais derivados do fluxo de recursos contidos em bens e serviços. No entanto, há apenas 1.5 hectares per capita de terra produtiva no planeta (World Resources Institute).
Há pois um hiato de sustentabilidade, o qual ajuda a explicar porque em vez de um fluxo sustentável de capital natural temos em curso um esgotamento de capital natural. De fato, cálculos brutos
(...) sugerem que a pegada ecológica de todas as nações industriais conta por menos de 20% da população mundial, o que vai muito além da disponibilidade de terras ecologicamente produtivas no planeta Terra” (Wackernagel and Rees).
Em outras palavras, 20% da população mundial consomem 100% do capital ecologicamente produtivo do planeta, além do qual o capital natural entra em déficit. Isso ajuda a entender porque 2.7 bilhões de pessoas vivem com US$ 2 (dois dólares) por dia (fonte: Banco Mundial), o equivalente a uma ida diária ao Starbuck, ou quase isso.
Isso não é simplesmente possível… que cada pessoa continue a consumir nos atuais níveis industriais sem riscos de esgotamento irreversível de recursos e colapso da biosfera. (Wackernagel).
Globalização e interesses próprios, ambos consagrados e encorajados pelos princípios do neoliberalismo, são fatores dominantes no esgotamento do capital natural, pondo em evidência um defeito da economia de mercado, em que a “mão invisível” de Adam Smith efetivamente maximiza bem-estar material em um ambiente natural ilimitado, mas se torna uma força de destruição em um sistema finito como a ecosfera.
A "mão invisível" do mercado ROUBA o trabalhador |
Como agravante, a “globalização” considera o mundo como infinito, o que ele não é. Além disso, infelizmente, a humanidade não pode socorrer o capital natural.
A eco-economia busca: (1) escala sustentável, (2) justa distribuição de recursos, e (3)eficiente alocação destes. (Robert Costanza, Gund Professor of Ecological Economics, Univ. of Vermont, at Yale School of Management, Interview, May 2010).
Mas o neoliberalismo não se mede pelos padrões de Costanza; ele antes instiga um modus operandi de terra arrasada, dirigido por implacáveis forças do lucro pelo lucro, esquecendo escalas sustentáveis ou justa distribuição de recursos, bem como sua eficiente alocação.
O resultado do padrão laser de focalização extrema nos lucros é que sempre há vitoriosos e vencidos, o que evidencia a falha do neoliberalismo em reconhecer a escala finita do planeta. Limites biofísicos deveriam restringir certas atividades, como por exemplo, a pesca industrial por arrasto (banida, mas ainda alternativamente praticada), já que as redes se estendem por mais de 30 milhas , apreendendo todo tipo de criatura do capital natural que encontram pela frente.
Além do mais, o neoliberalismo não leva em conta a justa distribuição da renda. Mas, como provam pesquisas, quanto mais desigual for a renda, menos produtiva será a economia. Quanto a isso, a teoria econômica dominante põe ênfase no “ter mais”, fiel à ideia de que há um “mais” a ser distribuído. No entanto, a teoria do efeito multiplicador da riqueza dos mais ricos não passa de um mito. Prova disso é o 1%, que captura e acumula montantes de capital desproporcionais (é por isso que eles são chamados o 1%), criando grupos concorrentes dentro da sociedade, colocando esta em conflito consigo mesma.
Um exemplo de externalidade social: a compra de uma grande casa para competir com outras grandes casas tem o efeito cascata de provocar outras compras de grandes casas (é preciso ter mais que o vizinho); um excesso leva a outro e logo precisa-se trabalhar duro para manter um nível de vida crescente que vai além dos limites naturais. Quando isso acontece, a qualidade de vida em geral piora, ao invés de melhorar.
CONSUMISMO |
Para conter a compulsão ao consumismo insaciável da “compra pela glória”, uma externalidade social que esgota o capital natural, Robert Frank, um economista de Cornell, sugere um imposto progressivo sobre o consumo. Enquanto o luxo custaria mais, o investimento em itens socialmente produtivos seria isento de impostos.
Sob a teoria da sustentabilidade, por exemplo, a sustentabilidade, Wal-Mart consistiria em 100% de energias renováveis, zero desperdício e venda de produtos socialmente e ambientalmente sustentáveis. Imagine a quantidade de mercadorias inúteis que seriam eliminadas em lojas que adotassem essa redução de escalas.
Na natureza, as coisas não crescem para sempre, senão os girassóis cresceriam até as nuvens e teríamos porquinhos da índia de mais de 400 quilos. Muito pelo contrário, o crescimento alcança um “estado estacionário”, as coisas ficam pequenas. Se as economias seguissem o curso da natureza, a compensação aos estágios de crescimento seria alcançar o estado estacionário, como todos os sistemas naturais. Isso significaria o fim da competição impiedosa, o crescimento pelo crescimento; alternativamente, passar-se-ia da cooperação à colaboração para um estado estacionário de desenvolvimento, uma ecosfera sustentável.
Uma solução contra os princípios do neoliberalismo selvagem é a empresa pública de bens comuns, como imaginada por Elinor Ostrom, “Prêmio Nobel de economia” de 2009 (1933-2012), Governing the Commons, Cambridge University Press, 1990, que demonstra como a propriedade coletiva pode ser exitosamente administrada por associações de usuários, fazendo da atmosfera um bem com direitos de propriedade em favor da comunidade global. Quem quer que danificasse a propriedade global seria multado, o que forneceria justificação legal para taxas sobre o carbono, que seriam usadas para pagar dividendos a todos os proprietários (isso também foi defendido pelo doutor James Hansen, um líder da pesquisa sobre o aquecimento global), o que também ajudaria a resolver a questão da distribuição de recursos. Adicionalmente, criar-se-iam empresas públicas de oceanos, empresas públicas de bacias hidrográficas, etc..
Um interessante estudo de caso de comparação/contraste de alocação de recursos é o derretimento financeiro de 2008, quando trilhões foram gastos para salvar a finança, ou seja, Wall Street, bancos comerciais e grandes seguradoras. Por que não gastar trilhões em futuro sustentável, com uma taxa de consumo ecológico para complementar o imposto sobre a renda e promover um financiamento ecologicamente sustentável? Se gastamos trilhões provenientes dos impostos para salvar Wall Street, por que não fazemos o mesmo pela ecosfera, que é a estrutura básica, a única existente, sobre a qual o neoliberalismo se desdobra para fazer seja o que for.
Ao final de tudo, acredita-se que num mundo em que a degradação da natureza não mais seja livre de taxas, em que cartões de crédito não garantam impunidade, os produtos sustentáveis vão custar menos, conquistar mercado e se tornar rentáveis. Ninguém deveria tirar proveito da degradação do capital natural. No entanto, é o que está acontecendo agora.
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[*] Robert Hunziker é mestre em História Econômica pela De Paul University; escreve artigos para várias publicações incluindo o Counterpunch; mora em Los Angeles e pode ser contactado no endereço: roberthunziker@icloud.com
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