“Mídia” tenta afogar campanha de
Sanders num maremoto de silêncio
28/5/2015, [*] Gaius Publius, Down with Tyranny
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Bernie Sanders por DonkeyHotey |
Todos sabíamos que “os falastrões” – palavra que Steve Hendricks usa para designar jornalistas-empregados e “especialistas” midiáticos também empregados – fariam de tudo para afundar a campanha presidencial de (Bernie) Sanders. Como Hendricks diz no artigo adiante citado, os patrões daqueles jornalistas e “especialistas” empregados querem exatamente isso, e empregado não chia, empregado obedece.
Na véspera da eleição presidencial de 1948 Newsweek perguntou aos 50 repórteres que acompanhavam o trem de campanha do presidente Truman quem venceria. Numa só voz responderam o que o jornal Chicago Tribune repetiria, para sua grande vergonha, em manchete, na noite da eleição: “Dewey derrota Truman”. Historiadores relembrarão para sempre que Truman não apenas derrotou Dewey, como lhe aplicou verdadeira surra de votos.
Tentando descobrir por que a imprensa errara tão espetacularmente, James Reston, do The New York Times concluiu que ele e seus colegas de profissão e de trem presidencial haviam acabado por ficar parecidos com o governador Dewey, o mais consumado “pavão” de todos os tempos. Dewey dava-se bem com plutocratas e diretores de redação. “Assim como ele estava isolado demais, só convivendo com outros políticos”, Reston escreveu, “assim nós também só convivíamos com outros jornalistas; e nos deixamos impressionar demais pelo que diziam as pesquisas eleitorais”.
Até aí, tudo verdade, mas foi A. J. Liebling, da revista The New Yorker, quem detectou o vício crucial que, nem Reston, nem os jornalistas de cabeça semelhante à de Reston conseguiram ver. Uma grande onda de contrição inundou o mundo dos jornalistas de Washington nos dias imediatamente posteriores àquela catástrofe engraçadíssima.
(...) e o pessoal das redações jurou que nunca mais, até o dia do Juízo Final, deixariam de sair à procura de fatos confirmados, vale dizer, de fatos investigados que realmente refletissem as verdades do dia, como jamais antes haviam procurado.
Mas poucos editores e chefes de redação os estimularam nessas tão boas intenções, e praticamente todos os repórteres voltaram às ruas, mas para só procurar “fatos” que confirmassem a opinião, a fé ou as novas ilusões daquele mês, dos seus patrões.
Como Hendricks escreveu, a mais importante constatação de Liebling é também sua frase mais memorável:
A lei só reconhece a liberdade
de imprensa do dono do jornal
As “ilusões dos jornalistas-empresários e patrões” sobre a campanha de Sanders determinam que Sanders não tem chances de ser eleito e portanto não precisa de chances para ser eleito. Assim sendo, estão fazendo de tudo, os falastrões e seus patrões, para não lhe dar nenhuma chance. Hendricks, sobre o maremoto de silêncio da imprensa-empresa comercial:
Muito mais próximo da verdade é que [Sanders] realmente até “poderia” vencer. Mas tendo já decidido a favor da própria profecia, a imprensa-empresa pôs-se a fazer a cobertura de Sanders & sua candidatura de modo a empurrar a profecia da “própria imprensa-empresa” para que se cumpra completamente.
O NYTimes, por exemplo, enterrou a matéria sobre o lançamento da candidatura de Sanders para o fundo da página A21, apesar de todos os demais que se anunciaram candidatos antes terem sido postos na metade superior da primeira página. A notícia sobre o lançamento da candidatura de Sanders mal chegou a 700 palavras, comparadas às entre 1.100 e 1.500 que mereceram Marco Rubio, Rand Paul, Ted Cruz e Hillary Clinton. Em matéria de conteúdo, os “repórteres” do NYTimes noticiaram os fatos sobejamente investigados e já comprovados de que Sanders é cachorro morto e nunca receberá a indicação dos Democratas porque “Hillary já-ganhou”. Nenhum dos aspirantes à indicação dos Republicanos recebeu tratamento equivalente de morte preventiva por tiro de longa distância, apesar de Paul, Rubio e Cruz aparecerem em 5º, 7º e 8º lugares entre os Republicanos antes de se apresentarem como pré-candidatos.
Há mais no artigo, inclusive as semelhanças entre isso e a cobertura dada também aos que Hendricks chama, não eufemisticamente, de “admiradores” de Sanders.
“Mas é eleição tãããããão difícil...”
Hendricks acredita firmemente que Sanders “pode” vencer, afinal de contas (partilho, eu também, dessa crença). Além da sempre possível ocorrência de eventos como os da “quase eleição de Eugene McCarthy” em 1968, da qual Hendricks não fala, há vários argumentos de peso dos quais Hendricks fala:
Primeiro, há aqueles eventos absolutamente evitáveis, mas que alguém não evitou. Não quero me aprofundar, mas é fato que qualquer cavalo já disparado para a marca de chegada pode ter um evento de Chappaquiddick, uma gritaria filmada e gravada intencionalmente amplificada ou uma queda de avião. Em vez de falar disso, consideremos o simples fato de que nos últimos 40 anos, das sete eleições nas quais o indicado dos Democratas estava “já eleito” – casos em que um presidente Democrata não era candidato à reeleição – os “azarões” venceram a indicação do Partido em três ou quatro casos (dependendo de como você defina “azarão”) e acabaram por chegar à presidência mais vezes que os candidatos favoritos.
Alguns desses aspirantes eram possibilidade muito remota, mesmo. Jimmy Carter era governador apenas mediano de um estado insignificante além de cujas fronteiras poucos o conheciam e menos o queriam eleito presidente. Poucas semanas antes das eleições, Harris Poll [instituto de pesquisas] perguntou aos eleitores o que pensavam de 35 candidatos potenciais. Carter nem foi incluído na lista. Depois de um ano de campanha, apenas poucos meses antes da primeira primária, Carter aparecia invariavelmente com 1 por cento das preferências dos eleitores Democratas; e era o 8º dentre oito Democratas candidatos à indicação do Partido. Pois mesmo assim venceu, porque todos os demais candidatos eram “gente de Washington”, e depois de Watergate e do Vietnã, os eleitores Democratas (e, muito possivelmente, a maioria de todo o eleitorado norte-americano) não queriam eleger mais “daquela gente”, por mais que os jornalistas lhes dissessem que, se não queriam, tinham de querer.
Se você não está vendo a semelhança com o momento atual – tempo de descontentamentos amplos, de Occupy, Black Lives Matter, Moral Monday, Fight for $15, o People’s Climate March, Move to Amend, e mais agitação anti-establishmentista – das duas, uma: ou você está dormindo, ou você é proprietário de jornal/rede de televisão e de chefes-de-redação.
Michael Dukakis também aparecia com 1 por cento nas pesquisas bem poucos meses antes de lançar-se candidato (por falar nisso, em idêntico momento, Sanders tinha 5-8 por cento das preferências dos eleitores), que desapareciam ante os avassaladores 40- 50% que tinha Gary Hart. Quando a campanha de Hart desceu pelo ralo, como bote carregado de bonecas infláveis e outras de carne e osso, Dukakis foi beneficiado, embora nem aí tenha chegado a ser o favorito. Pouco antes da primeira primária, ainda mal chegava aos 10%, e estava correndo cabeça a cabeça com o inesquecível Paul Simon, 15 pontos atrás de Jesse Jackson e de um Hart renascido das cinzas, porque Dukakis e os demais pareciam tão impotentes, que Hart voltava a sentir-se com boas chances.
Para alguns observadores, Bill Clinton não seria “azarão”, sobretudo porque teve curtíssimo período como tal, depois que saltou para a pista e pôs-se a correr. Mas sua projeção nacional era tão invisível, que nove meses antes das primárias nenhum instituto de pesquisa sequer o consultava como possível concorrente. Até o próprio Bill achava que não tinha chances (Mario Cuomo era candidato previsto, invencível, se concorresse), e não se anunciou aspirante à indicação dos Democratas até cinco meses da data limite. Só a partir dali suas chances aumentaram.
O quixotesco Barack Obama entrou na liça contra um(a) mamute cujos apoios eram tão gigantescos que muitos supuseram que o jovem senador “desafiante” lá estava apenas para se fazer conhecer, pensando em futuras campanhas. Depois de ter feito campanha durante todo o ano de 2007, Barack não apenas não avançara um palmo sobre o campo de Hillary, como se sentia ainda um pouco mais para trás, do que no início (caiu de 24 a 22 por cento, enquanto Clinton avançava de 39 a 45 por cento. Houve rumores até de que ele desistiria de concorrer e sairia da disputa para não enfraquecer aquela candidata “invencível”.
É lista muito decente de casos precedentes. Desses quatro casos, três mudaram-se para a Casa Branca e lá viveram muitos anos.
Já a grana da Hillary Clinton... |
E o dinheiro da Clinton?
E há também o caso do dinheiro, especificamente dinheiro da Clinton, que tem a ver com o caso de Sanders. Deixarei que você mesmo leia os contra-argumentos de Hendrick (comece no parágrafo que abre com: “Pesquisas” muito precoces podem ser noticiário espúrio). Mas destaco aqui alguns daqueles contra-argumentos:
A última indicação partidária disputada, em 2008, foi, ela própria, assunto de muito, muito dinheiro, e Obama venceu, apesar de ter começado em posição ainda pior, em termos de finanças, que a de Sanders hoje (Clinton tinha arrecadado US$ 10 milhões no início de 2007, Obama virtualmente zero) e durante todo o ano de 2007 ele perdeu para a Clinton, em arrecadação de fundos para campanha.
Apenas um dado, colhido dentre muitos.
Sanders é candidato demasiadamente distante do “Centro”?
O que leva Hendricks ao argumento final contra a “viabilidade” de Sanders – a distância que o separa do “centro político”. Hendricks, observando várias eleições passadas, observa o quanto essa distância pode ser valiosa. Concordo. O primeiro exemplo que ele oferece é Michael Dukakis – realmente muito distante do centro – e poderia ter acrescentado Jimmy Carter (lá da Geórgia), ou Bill Clinton de Arkansas.
Mas, pensem bem: o que significa o “centro político” nos EUA de hoje? Significa um espaço no qual os desejos dos “Um-porcentistas” – desejos de David Koch e de Jamie Dimon, por exemplo – coincidem perfeitamente. O centro político do povo norte-americano está muitíssimo à esquerda disso.
A seguir assista o vídeo: “Nos EUA, a corrupção é legal”
Por exemplo, 87% dos Republicanos querem que a “tramitação de urgência” e a Parceria Trans-Pacífico de Obama não sejam aprovadas. Republicanos, leiam bem. E aí está, sim, o verdadeiro perigo que tantos veem na campanha de Sanders: porque ela realmente, sim, realmente representa o povo, a imensa maioria do povo norte-americano e, portanto, sim pode ser bem-sucedida, se receber qualquer ventinho de popa. Diz Hendricks:
Estará chegando o dia do socialista IKEA? [1] Os falastrões não conhecem a resposta. O que eles sabem é como fazer absolutamente o d-i-a-b-o para garantir que tal dia jamais chegue.
Eles podem tentar, os falastrões e seus patrões, afogar a campanha de Sanders num maremoto de silêncio. Mas há gente que está falando impressionantemente a favor dele, como Elizabeth Warren. A plataforma do senador Sanders tem megafone potentíssimo. Assista discurso da Sen. Elizabeth Warren a seguir:
Estou tentado a apostar que o megafone de Warren, seja qual for o candidato que ela venha a apoiar no final, não será em vão. Os falastrões terão de falar da senadora, falar mal, que seja! Tudo isso ajuda a campanha de Sanders.
Nota dos tradutores
[1] Parece que IKEA é um tipo de supermercado inventado na Suécia, organizado de um tal modo que o comprador tem trilhas demarcadas pelas quais pode andar, mas das quais não pode sair. O tal supermercado está chegando aos EUA, ou já existe há mais tempo, e essas trilhas demarcadas e regras rígidas têm gerado inúmeros protestos e críticas furiosas, porque seriam “socialistas”. Foi o que conseguimos descobrir.
- Encontra-se alguma informação sobre essa conversa de alguém ter chamado o candidato Sanders de “socialista IKEA”, mas não aprofundamos a pesquisa.
- Nosso pesquisador informa que, desafiado por esse conceito de socialismo à moda Tea Party, sentiu-se como Obelix, de “Asterix, o Gaulês”, quando tropeçava em ideias, práticas e conceitos absurdos (todos) dos romanos: “São doidos, esses romanos!”, a seguir:
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[*] Gaius Publius é escritor profissional e reside na costa oeste dos EUA. É articulista frequente de blogs e sites tais como: DownWithTyranny, digby, Truthout, Americablog, e Naked Capitalism.
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