2/7/2011, M. Mohibul Haque, Countercurrents
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
M. Mohibul Haque é professor assistente do
Departamento de Ciência Política da AMU Aligarh, Índia
A palavra “terrorismo” é, dentre todas as palavras sobre cujo significado os acadêmicos e funcionários dos círculos do governo discutem há muito tempo, a palavra sobre cujo significado discutem há mais tempo. De fato, há várias outras ideias e conceitos sobre os quais não há acordo entre acadêmicos e governos, mas as implicações do desacordo não são tão perigosas quanto no caso de “terrorismo”.
O terrorismo virou vilão global, e há pressões para que se formulem políticas e programas para controlá-lo desde o berço e impedir que cresça.
Nessas circunstâncias, é necessária, no mínimo, uma definição de trabalho que todos aceitem, para “terrorismo”. Mas nem existe tal definição, nem há qualquer probabilidade de que venha a existir em futuro próximo.
A inexistência de qualquer definição objetiva de “terrorismo” tem mais de caso pensado que de acaso. A desonestidade intelectual dos grupos acadêmicos e o duplipensar/duplifalar dos estados nacionais são responsáveis por não haver definição aproveitável de “terrorismo”.
Terrorismo é ato ou conjunto de atos de violência política ou ideologicamente motivada contra homens ou mulheres comuns. Pode ser cometido por indivíduo, grupo, partido, organização ou estado. Contudo, e infelizmente, o discurso sobre o terrorismo foi capturado pelas nações poderosas do mundo que não desejam que seus próprios atos de violência desmedida e injustificável sejam incluídos e discutidos no contexto do terrorismo.
Isso ficou muito claramente evidente imediatamente depois dos ataques terroristas contra os EUA, do dia 11/9/2001. A chamada “guerra global ao terror” declarada e levada avante pelos EUA e meia dúzia de seus aliados tem, desde então, tentado fazer crer que, nas atuais circunstâncias, o terrorismo seria monopólio de atores não estatais, deles e sempre deles.
A matança de inocentes, por organizações como Al-Qaeda, é terrorismo. Mas a matança de inocentes no Afeganistão, Iraque, Somália, Kosovo, Líbia, pela aliança ocidental imperialista comandada pelos EUA, não, não seria terrorismo.
É completa desgraça para todos que, sem nem vestígio de remorso ou vergonha, haja quem argumente que sempre que, com meia dúzia de terroristas, morram também milhares de cidadãos inocentes de nações soberanas, os milhares de civis inocentes mortos seriam mero “efeito colateral” – lamentável, no máximo; mas sempre considerado, além de inevitável, também justo.
Ironicamente, os EUA – a maior potência da terra – com a ajuda de seus ambiciosos aliados interessados em saquear os recursos de nações militarmente frágeis, decidem e determinam o contexto e o paradigma pelo qual se devem discutir suas políticas externas.
Esse discurso das grandes potências, que tem de ambíguo o que tem de grandiloquente, tem impedido que a comunidade internacional construa definição universalmente válida de “terrorismo”.
A verdade é que se trata de terrorismo nos dois casos. É terrorismo quando organizações como Al-Qaeda e outras organizações clandestinas matam inocentes de diferentes nacionalidades e religiões, de diferentes etnias e de diferentes convicções políticas. E é terrorismo quanto são exércitos nacionais uniformizados e sob bandeira de estados nacionais, os que matam inocentes. Nos dois casos há terrorismo e nos dois casos os atos terroristas têm de ser enfrentados como tal.
Interessante é que, embora não haja definição universalmente aceita para “terrorismo”, nunca faltam dados e estatísticas ‘do terrorismo’, construídos pelos estados e aceitos em geral por ‘intelectuais independentes’, nos círculos acadêmicos mais prestigiados. Não pode haver exemplo mais claro de intelectuais reduzidos ao papel de “especialistas em legitimação”, nas palavras de Gramsci.
Raramente se questionam as estatísticas sobre terrorismo e nunca são examinadas com atenção. Na verdade, o paradigma sob o qual se aborda o terrorismo tem de ser questionado, antes até de se questionarem os números. Para tanto, é indispensável desconstruir o discurso dominante sobre “terrorismo”.
O destaque indevido que tem sido dado à luta contra o terrorismo não estatal, e o simultâneo acobertamento das práticas terroristas dos estados nacionais é responsável por dados distorcidos e falsas estatísticas, tanto é responsável por ainda não haver definição clara de” terrorismo” e os correspondentes dilemas definicionais.
A base legítima para definir “terrorismo” são os atos praticados, não alguma pressuposta diferença qualitativa que haveria entre osactantes envolvidos.
Fato assustador sobre o terrorismo é que nem o terrorismo de grupos não estatais poderia sustentar-se sem o apoio de estados. Todos sabemos que agências estatais como CIA, ISI [paquistanesa], KGB [russa], Mossad [israelense] e inúmeras outras mantidas por estados cometeram número muito maior de atos terroristas, ao longo dos anos, que grupos como Al-Qaeda, Tigres do Tamil etc..
Além disso, os estados também cometem atos de violência e intimidação contra seus próprios cidadãos. O termo “terrorismo” é tradução do francês terrorisme – palavra cunhada para descrever os atos do estado francês pós-revolução, o “Reinado do Terror”.
Para suspender a discussão, sem encerrá-la, deve-se lembrar que o discurso sobre o terrorismo é discurso fortemente motivado por interesses políticos e é discurso monopolizado. Por isso, não será possível desconstruí-lo, a menos que, antes, o arranquemos das garras sinistras das forças terroristas e imperialistas hoje dominantes.
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