Pepe Escobar |
6/7/2011, Pepe Escobar - Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Interrompemos o capítulo de hoje do psicodrama global-fascination da hora – “DSK (Dominique Strauss-Kahn) é pervertido”? “Gosta mesmo da coisa?” “Foi vítima de conspiração?” –, para informar os distintos telespectadores sobre como vencer uma “ação militar cinética” moderna, no campo do “marketing político”, das “Relações Públicas” (e da “mídia”). Claro. E onde mais poderia ser?!
Fato é que o combate entre o macho branco poderoso versus a mulher africana pobre numa suíte de hotel em Manhattan hotel já não conseguirá tão facilmente roubar audiência de outro combate: a guerra da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra a Líbia. Seja lá o que tenha acontecido ou venha a acontecer, vencerá quem contratar a melhor equipe de “Public Relation”(que, no Brasil, chama-se “marketing político”).
Assim se prova também que os muito incensados “rebeldes” líbios – gangue de desertores oportunistas, assalariados da CIA, clérigos salafistas ligados à jihad e líderes tribais gananciosos – não são tão puros e inocentes quanto a massiva barreira de propaganda ocidental insiste em repetir que seriam.
E assim se explica também por que os “rebeldes” rejeitaram um bom plano de paz proposto pela União Africana na semana passada – cessar-fogo imediato; deslocamento para a Líbia, de uma força de pacificação da ONU; o coronel Muammar Gaddafi afastado das negociações para a transição. – E disseram que o plano da União Africana seria “anti-introdução” a qualquer acerto.
Em vez de iniciar conversações, os “rebeldes” iniciaram outro ataque “massivo” contra Trípoli, com armas fornecidas – ilegalmente – pelo neonapoleônico Nicolas Sarkozy da França, e os inevitáveis bombardeios aéreos da OTAN.
Pode-se apostar que a tal “ofensiva” – nada além de rapazes cheios de energia, armados com AK-47s e montados em caminhonetes, contra os mísseis soviéticos Grad de Gaddafi com alcance de 40 quilômetros – não alterará um centímetro da fronteira de fato no Golfo de Sirte entre a Tripolitania (controlada pelo regime de Gaddafi) e a Cyrenaica.
Passem a grana!
O governo “rebelde” – agora chamado, depois de várias mudanças de griffe e permutas, de Conselho Nacional Interino de Transição da Líbia [ing. Interim Transitional National Council of Libya] – acaba de contratar Patton Boggs, uma das empresas líderes em Washington (e das mais rentáveis) de marketing político, para “aconselhá-los e orientá-los” no serviço de... Ora... de vencer a guerra! Ou, não sendo isso ou viável ou possível, para inventar a ilusão “midiática” de que os “rebeldes” estariam vencendo a guerra (há aí sombras da campanha de marketação que a OTAN contratou no Afeganistão).
Patton Boggs já está “lobbyando” furiosamente todos os jornais e jornalistas a favor dos “rebeldes”, para que sejam engolidos como “governo legítimo da nação líbia soberana”.
O contrato foi firmado entre Patton Boggs e o ex-embaixador líbio Ali Suleiman Aujali, cão alfa dos ‘rebeldes’ nos EUA. O encarregado da ‘conta’ será o principal sócio da empresa Thomas Hale Boggs Jr.
Itália, Grã-Bretanha, França, Qatar e agora a Turquia já reconheceram o Conselho Nacional Interino de Transição da Líbia; o governo Barack Obama já autorizou que abram uma representação em Washington.
Inevitavelmente, se trata exclusivamente de dinheiro: o “Conselho” não vê a hora de pôr as mãos nos bilhões de dólares do regime de Gaddafi, que estão congelados nos EUA.
Patton Boggs, segundo alguns jornais, embolsará um máximo de 50 mil dólares por mês – calculados por hora. Os ‘rebeldes’ só pagarão quando puderem (hoje, estão virtualmente na miséria). Nos três últimos meses, outra empresa de ‘marketing político’ de Washington, “The Harbour Group”, trabalhou pro-bono (gratuitamente), também para implantar a versão ‘rebelde’ dos fatos na mídia do ocidente – com especial atenção ao item “descongelem aquele dinheiro!”.
É importante observar que um dos lobbyistas-marketeiros de Patton Boggs já envolvidos com os “rebeldes” é Vincent Frillici – ex-diretor de operações na OTAN, onde trabalhou no Comitê de Recepção da Comemoração do 50º Aniversário da Aliança. Que lindo! Um marketeiro ligado à OTAN, vendendo à imprensa e à opinião pública um “levante popular espontâneo”, só que inventado.
Assim, graças a Washington, paraíso dos lobbyistas-marketeiros, pode acontecer de o governo dos EUA vir a reconhecer um dos lados que lutam numa guerra civil no norte da África, “representado” por um “conselho” sem qualquer legitimidade... e permitir que os tais “conselheiros” passem a mão nos bilhões de dólares congelados para, como diz a propaganda do lobby-marketing, “ajudar o povo líbio”.
Ferrem o tal barco dos americanos!
(ing. Screw that American boat) [1]
Análise rápida do que realmente acontece em campo mostraria, em vez desses ‘slogans & marketings”, a mesma velha agenda neocolonial de subornar mercenários para derrubar o governo – por sem graça que pareça – de país rico em fontes de energia que nunca deu conversa para o Fundo Monetário Internacional; que constituiu uma união de países africanos; e que não vendeu suas riquezas naturais a preço de banana (mas, sim, aceitou ouro, em pagamento).
Enquanto isso, o mesmo governo dos EUA amigo dos “rebeldes” recusa-se a admitira que o bloqueio de Israel contra Gaza é ilegal. Como escreveu em Commondreams.org o sempre irrepreensível ex-analista da CIA Ray McGovern – que viaja a bordo do barco “Audacity of Hope” tentando chegar a Gaza:
“Antes de deixar os EUA, fui avisado, por fonte que tem acesso a altos funcionários do Conselho de Segurança Nacional, de que, não só a Casa Branca não tem qualquer plano de fazer coisa alguma para proteger nosso barco contra o risco de ser abordado ilegalmente por israelenses, como, também, muita gente na Casa Branca ficará muito contente se alguma coisa nos acontecer”.
A Casa Branca, como McGovern foi informado, “gostará muitíssimo de ver cadáveres de ativistas norte-americanos anti-israelenses exibidos pela televisão dos EUA” – ao mesmo tempo em que tanto elogia um “conselho” fantoche que mal consegue esperar a hora de assaltar a riqueza da Líbia.
Tibetanos, uigures, burmeses, uzbeques, chechenos e incontáveis outros podem começar a ver como é o negócio. Querem fazer revolução? Só se for revolução em inglês, não em seus idiomas locais. Não entenderam bem a ideia? Basta invocar a “R2P” (“Responsabilidade de Proteger”), e as potências ocidentais logo estarão aí, batendo à porta de vocês, com uma Resolução da ONU fresquinha, e OTAN-Robocop pronto para entrar em ação. Está faltando dinheiro para comprar armas? Façam à moda dos “rebeldes” líbios: contratem uma poderosa empresa de “marketing político” e lobby, com acesso garantido aos donos, editores e jornalistas dos grandes jornais e redes de televisão, e logo vocês estarão sendo oferecidos no mercado político como produto legítimo. Isso feito, vocês conseguirão rapidamente assaltar, praticamente “legalmente”, os recursos de seus respectivos países.
Mas... Atenção: Essa receita só funciona no caso de o local que alguém deseje “libertar” (ou “proteger”) ser terra encharcada de petróleo.
Nota dos tradutores
[1] Trocadilho intraduzível entre screw bolt (um tipo de parafuso) e screw [that] boat. Em screw já há subentendidos complicados, porque screw é expressão de gíria equivalente a “ferrar [alguém]”, no sentido de “detonar” alguém, também, no sentido de contato sexual [Ver em: Free Dictionary].
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