26/1/2013, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Booooooooooooom-dia, Vietnã!
[1] Epa! Não, desculpem. O poço de
areia movediça & beco-sem-saída agora é outro.
A trilha sonora, daquela vez, foi
Hendrix, Jefferson Airplane, Motown e Stax. Agora é Booooooooooooom-dia, Mali! E
a trilha sonora bem poderia ser alguma coisa tão transcendental quanto Dounia
[2],
de Rokia Traore, ou tão deliciosamente psicodélico quando Amadou e Mariam
em Dimanche à
Bamako. [3] Mas a coisa é muito mais
ameaçadora. Algo como – inescapável – Hendrix em Machine Gun.
[4]
O
timing – no momento de expansão da Guerra Global ao Terror – é tudo. A
vingança contra o que foi feito à Líbia, cuidadosamente coreografada para o
Sahel, não poderia ser substituto melhor para a gigantesca bandeira de rendição
que a OTAN está levantando no Afeganistão. Não há mais Boooooooooooooooom-dia,
Cabul! E começou a triste contagem regressiva para ver o último helicóptero da
OTAN fugindo de Bagram ao estilo Saigon-1975.
Kalashnikov AK-104s |
The
Economist
– a voz da City de Londres – já está até promovendo um “Afriganistão”. Claro. Há
nuances. No Afeganistão, quem chutou a bunda da OTAN foi grupo sortido de várias
facções pashtuns, reunidas como se fossem “os Talibã”. Mas a OTAN “venceu” na
Líbia. Como era de prever, a brigada islamista que atacou no complexo de
extração de gás em In Amenas no deserto da Argélia, portava Kalashnikov AK-104s,
mísseis F5, morteiros 60
mm , tudo distribuído ali pela OTAN. E – um toque a mais à
moda CCGOTAN – vestiam os uniformes camuflados “pastilha de chocolate” que o
Qatar distribuiu aos rebeldes da OTAN na Líbia (beges, com manchas marrons). O
que mais falta? Aparecerem na capa de Uomo Vogue?
Sou
o bicho bicho-papão de vocês
Inevitavelmente,
o bicho-papão sempre à mão – a al-Qaeda – voltou à moda, com toda a nuvem de
grupos e subgrupos de jihadistas salafistas promovidos pelo trio
francês-anglo-USAmericano como fonte de todo o mal no norte da África (menos na
Líbia, onde eram elogiados como “combatentes da liberdade”).
Mokhtar Belmokhtar |
Mokhtar
Belmokhtar, um dos membros fundadores da al-Qaeda no Maghreb Islâmico [orig. al-Qaeda in the Islamic Maghreb (AQIM)],
é, para todas as finalidades práticas, remix facilmente deglutível de
Osama bin Laden. Belmokhtar foi um clássico “afegão árabe” – parte daquela
legião multinacional treinada pelo eixo CIA/ISI para combater os soviéticos no
Afeganistão dos anos 1980s. Ao voltar à Argélia em 1993, uniu-se à jihad
local como parte do Grupo Salafista para Oração e Combate [orig. Salafi Group for Preaching and Combat
(GSPC)].
Desde
2007, a
AQIM estava muito próxima do Grupo Islâmico Líbio de Combate [orig. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)],
cujos combatentes foram também treinados no Afeganistão pela CIA/ISI. E todo o
tempo o LIFG foi convenientemente manipulado pela CIA e o MI6 contra o coronel
Muammar Gaddafi.
Depois
do assassinato premeditado [orig. targeted assassination] de Gaddafi, a
AQIM foi devidamente armada pelo LIFG (recebeu também legiões de jihadistas).
Portanto, não surpreendentemente, muitos combatentes do LIFG participaram do
raid em In
Amenas. Além disso, a AQIM é também muito próxima da Frente
al-Nusra na Síria, que Washington definiu como organização terrorista (mas nada
vê de terrorista na nada coesa “coalizão” que quer derrubar Bashar al-Assad).
O
xis da questão é que o Qatar financia todos esses: a AQIM, o grupo dissidente
MUJAO, as brigadas de Belmokhtar e o movimento salafista Ansar El-Dine, um bando
de apóstatas wahhabistas, que absolutamente nada têm a ver com a tolerante
cultura do Mali.
O
que sobra é o absolutamente perfeito pretexto para a OTAN entrar na dança no
norte da África, depois da humilhante derrota que sofreu no Afeganistão. Mas...
esperem! O AFRICOM já está lá! A Argélia – república árabe secular que
historicamente sempre apoiou a União Soviética e a revolução cubana – bem fará
se repatriar, o mais rapidamente possível, os seus US$50 bilhões de reservas que
estão depositadas em bancos ocidentais.
Mais dia menos dia, a hidra AFRICOM/OTAN aparece para devorar
vocês!
Alguém
aí topa um pouco de Islamo-gangsterismo?
Amadou Sanogo |
Por
hora, temos o espetáculo de Paris envolvida na “limpeza” do Mali, não só contra
os islamistas armados – estranhos à cultura do Mali – mas também contra os
tuaregues nativos, também armados e que têm demandas legítimas. O plano máster é
apoiar o regime absolutamente corrupto em Bamako, que chegou ao poder pela via
de um golpe militar comandado pelo capitão Amadou Sanogo, treinado em Fort
Benning (EUA).
Esse
é o sumo da história dessa nova mission civilisatrice [missão
civilizatória, em fr. no orig.], escondida por trás de conveniente cortina de
fumaça cortesia da ONU: vários países africanos, todos empobrecidos, que pagaram
quase toda a conta – e oferecerão os 5.800 soldados necessários para constituir
mais uma dessas siglas inacreditavelmente ridículas que a ONU inventa, AFISMA
(African-led International Support
Mission in Mali / Força Internacional Africana para Missão de Apoio no
Mali). Quem pagará por tudo isso, que por hora não passa de total confusão? Na
próxima 3ª-feira haverá uma reunião na Etiópia, dos proverbiais, sempre
relutantes, “doadores internacionais”.
Mesmo na França, ninguém sabe quem
luta contra quem nem quem, de fato, é aquele pessoal. Leiam (em francês), no
blog rue89,[5]
o hilário pântano semântico em que se debatem os franceses. O Le Monde
acredita ter resolvido o enigma: Paris combate(ria) o “islamo-gangsterismo”.
Nessas
Folies de Pigalle no deserto, Washington estará “liderando pela
retaguarda”. Bem espertos. Melhor guerra clandestina, que todos assistirem ao
afundamento no pântano. Os franceses – com típica grandeur galesa –
prosseguirão mergulhados na ilusão de que, em breve, controlarão o deserto do
Mali. Verdade é que não conseguirão controlar nem as algas do rio Niger, porque
ali se combaterá uma longuíssima guerra nômade. Cresce a possibilidade de muitos
Dien Bien Phus, com os franceses atacados também pela areia.
E,
no instante em que a população terrivelmente empobrecida do Mali – a qual, por
hora, está a favor de o país livrar-se da AQIM, do MUJAO, das gangues de
Belmokhtar e dos Ansar al-Dine – pressentir o mais leve indício de ocupação
neocolonial, os franceses conhecerão derrota no Mali, igual a que os
USAmericanos conheceram no Iraque e no Afeganistão.
É
iluminador ver essas coisas do ponto de vista da política externa do governo do
presidente Obama 2.0, como apareceu delineada (muito vagamente) no discurso de
posse. Obama prometeu por fim às guerras USAmericanas (guerras clandestinas são
mais baratas). Prometeu cooperação multilateral com aliados (mas quem manda é
Washington), negociação (será do nosso jeito, ou dê o fora) e nenhuma nova
guerra no Oriente Médio.
A
acreditar-se no que disse o presidente, a tradução é: nada de EUA fazerem guerra
à Síria (só do tipo clandestina-suja); nada de Bombardeiem o Irã! (só sanções
assassinas); e a França ganha a medalha do Mali. Será que ganha? Esse filme
muito vagabundo, atenção, está só começando.
Nota
dos tradutores
_____________________________
Notas
de rodapé
[1]
Assista o filme “Bom-dia, Vietnã”; completo (legendado) a seguir:
[5]
22/1/2013,
Rue 89, Zineb Dryef em: “Jihadistes,
islamistes... ? Comment nommer l’ennemi au Mali”
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