30/5/2014, [*] Pepe Escobar, RT - Moscou
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“Nada a perguntar. Não, não, nunca explicar coisa
alguma.
E removeram os ossos e a pele de Harry para o
necrotério, na Ala Oeste”
[King Diamond, em “To The Morgue”/Para o
necrotério]
“Acrescente-se o risco real de
guerra nuclear, e a questão se impõe: por que nós, cidadãos do mundo, toleramos
os EUA?”.
John Pilger, em “Temos
que quebrar o silêncio contra a guerra dos EUA”
Barack "excepcional" Obama discursando para cadetes de West Point em 28/5/2014 |
“Acredito com
cada fibra do meu ser no excepcionalismo dos EUA” [1].
Pois foi isso. Saído diretamente da boca do leão, quer dizer, do presidente
Barack Obama dos EUA.
O resto são
detalhes: detalhes mortíferos, como os EUA ainda plantados “no núcleo” da visão
de mundo excepcionalista; o Pentágono a reservar só para ele o “poder de lançar
ataques unilaterais sempre que interesses dos EUA sejam diretamente ameaçados”;
oito ou nove guerras bem longe de casa já arquitetadas para o futuro imediato e
sem final à vista; e a mais espantosa das ideias, ali claramente admitida: o
“fulcro” da política exterior dos EUA de agora em diante será limitar/controlar
[orig. curb] a “agressão” russa e chinesa!
Quer dizer
que correr atrás dos restos da Al-Qaeda, como se podia prever e previu-se,
sempre foi brincadeira preparatória de jardim-de-infância; agora é negócio de
gente grande, o dragão e o urso.
Quer dizer,
mesmo, é que Obama continua a ser refém incapaz e impotente da lógica da
“guerra ao terror” do governo de Dick Cheney, sempre a enfatizar a “capacidade
dos terroristas para causar dano”. Mas agora o modus operandi foi
suavizado: podem chamar de doutrina do “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério [2]
– Sem alarde”.
A doutrina do
“Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde” será aplicada ao renovado
“apoio” para a “moderada” oposição síria, que continuará a arrastar para o
fundo do poço a Jordânia, o Líbano, a Turquia e o Iraque. Leslie Gelb,
ex-presidente do ultra-pró-establishment Conselho de Relações
Exteriores, sugere que o governo Obama pode ter finalmente compreendido que a
verdadeira luta é contra os jihadis do tipo Frente al-Nusra e Estado
Islâmico do Iraque e Levante [orig. Islamic State of Iraq and the Levant (ISIL)], não contra Bashar Assad. Mas... ainda não está provado que o
governo Obama tenha compreendido coisa alguma.
Enquanto
isso, a doutrina do “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde” já está
em ação nesse instante, em Donetsk, com os mudadores de regime em Kiev –
totalmente apoiados por Washington – negando, à moda do Pentágono, que haja
sequer um civil morto na operação “antiterroristas” em andamento. Civis de
Donetsk são os novos alvos em voga, substituindo os noivos e convidados de
casamentos pashtuns em áreas tribais paquistanesas.
É a doutrina
do “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde”
Obama quer
que o Congresso aprove um novo “Fundo de Parcerias Contra-Terrorismo” de $5
bilhões, cuja tradução é “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde”,
com chuva de dinheiro dos contribuintes, aplicada ao Iêmen, Somália, Líbia,
Mali e às mais variadas latitudes não especificadas a serem saqueadas e
destruídas pelo Comando [dos EUA] na África, AFRICOM.
Vladimir Putin, Rússia ; Nursultan Nazarbayev, Casaquistão; Alexander Lukashenko, Bielorússia reunidos em Astana para o Supremo Conselho Econômico Eurasiano em Astana |
Obama quer
“mobilizar aliados e parceiros para empreenderem ação coletiva”, tipo
ressurreição da era da “coalizão de vontades” que foi marca registrada do
regime de Dick Cheney. Ferramentas de ação “ampliadas” podem – e a palavra de
trabalho é “podem” – incluir diplomacia e desenvolvimento. Mas se trata, sim,
de fato, só de “sanções e isolamento”, como se aplicaram ao Irã, à Síria e,
agora, à Rússia.
Haverá também
“apelos à lei internacional; e, se justa, necessária e efetiva, ação militar
multilateral”. Tradução: a “lei internacional” será descaradamente atropelada e
os EUA zombarão dela, como em casos do besteirol sobre “responsabilidade de
proteger” [orig. “responsibility to protect” (R2P)]; e quando tudo falhar, uma boa velha e “justa” guerra à
moda da tal “coalizão de vontades” volta à pauta.
Todo o
planeta deve engolir tudo isso sem estrilar, porque, afinal, o governo Obama
será “transparente sobre as bases de nossas ações e o modo como as
executaremos, sejam ataques com drones ou treinamento de parceiros”.
Claro: que
ninguém jamais esqueça que “os EUA devem liderar pelo exemplo” e não dão sequer
a mínima bola a coisa alguma que não seja “levar a paz e a prosperidade à volta
do globo”. Quer dizer: calem o bico, todo mundo aí, nada de perguntas sobre a
imundície secreta da guerra de drones da CIA no Paquistão, ou sobre
“danos colaterais” em Donetsk.
Pânico em
Bilderberg
Imediatamente
depois de Obama anunciar seu novo pivoteamento comandado pelo Pentágono em
torno dos próprios calcanhares, os Mestres do Universo reúnem-se em conclave
anual e sempre secretíssima conferência de Bilderberg no Marriott em
Copenhagen. Bilderberg é puro excepcionalismo atlanticista em ação. Sempre uma
gozosa experimentação em matéria de preliminares, por ali.
E a lista de convidados de Bilderberg, só ela, já é delícias sós – de Breedlove, Lagarde e
Rasmussen-Fog-da-Guerra-da-OTAN, a Petraeus, Kissinger e Zoellick, o livro
inteiro do “Quem é Quem” da banqueiragem ocidental, os suspeitos de sempre, no
campo “jornalístico”, de The Economist a Financial Times, Eric
Schmidt da Google, O Princípe das
Trevas, Richard Perle, e também – o que é fascinante! – pela primeira vez, um
alto funcionário do governo chinês.
Liu He |
O homem é Liu He – vice-diretor da Comissão de
Desenvolvimento Nacional e Reforma e a verdadeira eminência parda por trás da
complexa rede pequinesa de comissões e políticos encarregados de implementar
ampla, ambiciosa, reforma econômica. Liu He terá sido convidado para Bilderberg
como operação de sedução? Ou Pequim conseguiu infiltrar Liu He, graças a seus
vastos, vastíssimos, contatos atlanticistas?
Seja como
for, fato é que os “Mestres do Universo” estão em pânico. Há dois principais
temas interconectados a discutir em Copenhagen, e nos dois a figura central é o
presidente Vladimir Putin: o confronto entre Rússia e OTAN na Ucrânia; e a
avançada dos BRICS para construir uma nova ordem mundial multipolar.
Bilderberg
acontece imediatamente depois do Fórum de São Petersburgo, que consolidou a
aliança Rússia-China; e exatamente quando a União Econômica Eurasiana acaba de
ser lançada oficialmente em Astana. A marcha inevitável rumo a um sistema
multipolar faz avançar o progressivo ultrapassamento do dólar norte-americano
e, consequentemente, enfraquece o eixo OTAN/atlanticistas. A lista de
convidados para Bilderberg é negócio, eminentemente, da OTAN.
Marriott Hotel em Copenhague - local da Conferência de Bilderberg |
Quer dizer:
imaginem várias reuniões para discutir, por exemplo, o fato de que o Banco da
China e o VTB, segundo maior banco da Rússia, fazem e recebem agora os
pagamentos de seus negócios em yuan ou em rublos; e estabeleceram uma comissão
bilateral de investimentos. Para nem falar das reuniões para discutir o modo
como os BRICS e as 115 nações do Movimento dos Não Alinhados (MNA) estão desenvolvendo
parcerias estratégicas NADA EXCEPCIONALISTAS, que incluem, crucialmente,
negócios feitos nas respectivas moedas nacionais, sem dólares norte-americanos.
E há também a
revolta das massas contra a União Europeia cristalizada nas eleições do domingo
passado para o Parlamento Europeu. Com muitas nuances de cinza, é revolta
anti-excepcionalismos. Ameaça diretamente uma nova frente de ataque à moda
Bilderberg: os cidadãos europeus opõem-se ampla e declaradamente à Parceria
Trans-Atlântica de Comércio e Investimentos [orig. Transatlantic Trade and
Investment Partnership (TTIP)] negociada sempre secretamente.
Não é acaso
que o principal negociador dos EUA das duas parcerias, na TTIP e na
Parceria Trans-Pacífico (orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] –
cerebradas para “isolar” a China na Ásia – seja Michael Froman, representante
comercial de Obama, típico excepcionalista de Wall Street.
Entrementes,
em Xangrilá...
Ah! Há também
o Diálogo Shangri-La, em Cingapura, que descrevi ano passado como os Spielbergs
& Clooneys do universo militar, todos numa única sala de Guerra nas
Estrelas (de fato, é o salão de baile do Shangri-La Hotel). É excepcionalismo
marinado em temperos asiáticos.
E mais uma
vez, a China atrai todas as atenções, mandando para lá a formidável Fu Ying,
(vídeo, em inglês, no fim do parágrafo) também conhecida como “A Dama de
Ferro”, atualmente presidente da Comissão de Relações Exteriores do Congresso
Nacional do Povo Chinês. É negociadora duríssima, do tipo que não carrega
prisioneiros. Será fascinante vê-la em ação, em luta contra, cara a cara, o
convidado de honra desse ano em Xangrilá, o primeiro-ministro japonês,
militarista e protégé dos EUA, Shinzo Abe.
Tradução:
seja em Copenhagen seja em Cingapura, Pequim ganhou assento às mais
privilegiadas mesas da ordem unipolar excepcionalista. Autoconfiante, a China
simplesmente não se interessa por degustar o banquete dessa festa feia: quer
estragar aquele banquete, pouco a pouco, de dentro para fora. A massa
excepcionalista é suficientemente esperta para já ter visto que a crescente
aliança Rússia-China e a avançada no rumo de uma ordem alternativa estão
lentamente fazendo derreter seu sonho de bravo antiquado (excepcionalista)
mundo.
Não
surpreende que estejam com muito muito medo.
Notas dos tradutores
[1] 28/5/2014: Na Academia de West Point, o presidente
Obama diz:
- (...) acredito no excepcionalismo dos EUA com cada fibra do meu ser – mas, na sequência, no mesmo discurso, repete 16 vezes a palavra “parceiro” ou “parceria” [risos, risos].
- É prova provada de política externa contraditória, sem rumo.
- Obama trocou a expressão “ação coletiva” pela expressão “ação multilateral” várias vezes.
- Sobre a evidência clara de que OTAN e ONU dominarão toda a política externa dos EUA, Obama disse: Essa é a liderança dos EUA, a força dos EUA. [risos, risos]
[2] Orig. To The Morgue, King Diamond (ouve-se a seguir):
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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