29/5/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
Introdução: o
contexto mais amplo da crise ucraniana
Antes de
examinar os desenvolvimentos mais recentes na Ucrânia, parece-me importante
mencionar, pelo menos, dois grandes eventos recentes que envolvem a Rússia.
Primeiro, Rússia,
Cazaquistão e Bielorrússia assinaram a constituição da União
Econômica Eurasiana, UEE [orig. Eurasian Economic Union (EEU)] à qual em breve também se unirão Armênia
e Quirguistão.
Segundo, a China requereu
oficialmente a constituição de uma nova aliança de segurança com Rússia
e Irã, provando, afinal, que erraram
gravemente todos os que disseram que a China não teria qualquer intenção real
de formar aliança alguma com a Rússia. Como já mencionei em Relatório de
Situação anterior, o objetivo e a natureza dos recentes acordos econômicos
entre Rússia e China já constituíam o que chamei de uma cripto-aliança; agora,
estamos vendo o primeiro movimento oficial da China para que se possa apagar a
parte “cripto” da aliança.
Lukashenko, Nazarbaev e Putin assinam a constituição da União Econômica Eurasiana |
É mais uma
modificação realmente tectônica, na política mundial. É também, se pode dizer,
a criação da mais poderosa coalizão de países da história do mundo.
O título de
padrinho dessa nova coalizão deve realmente ir para os EUA e Barack Obama, os
quais com suas políticas hostis e comicamente arrogantes em relação às duas
potências, China e Rússia, muito contribuíram para que se forjasse essa
aliança.
O processo,
por falar dele, está só começando e está longe de acabar. Não apenas há
discussões para expandir os BRICS para incluir outros
países (fala-se da Argentina), como também a Organização
de Cooperação de Xangai ou a Organização do Tratado da Segurança
Coletiva podem também ser expandidas para incluir o
Irã ou o Paquistão.
Quanto à
União Econômica Eurasiana, eventualmente se metamorfoseará numa única entidade
política, uma aliança eurasiana que pode vir a incluir a China em acordos
econômicos e/ou de segurança.
Toda a massa
de terra eurasiana está lenta mas inexoravelmente sendo integrada numa zona
livre: livre, porque não controlada pelos anglo-sionistas; e livre, porque
livre do dólar. O Império Anglo-sionista está com os dias contados.
Mais recentes
desenvolvimentos na Ucrânia
A ofensiva
ucraniana conheceu outra escalada dramática, com uso, pela primeira vez, dos
“Grad” (lançadores de foguetes múltiplos) na cidade de Slaviansk. Pelo menos um
helicóptero ucraniano, que transportava, segundo foi noticiado, um general e
outros 12 passageiros, foi abatido pelas Forças de Defesa da Novorossia [orig. Novorossia
Defense Forces (NDF)]. Foi ouvido fogo esporádico de artilharia, às vezes
intenso, durante toda a noite e feridos continuam a chegar aos hospitais
locais. Várias unidades ucranianas já depuseram armas e, basicamente,
renderam-se às Forças de Defesa da Novorossia. Em Sebastopol foram demarcados
organização e quartéis-generais especiais para lidar com o fluxo crescente de
refugiados. Em Kiev, o Parlamento já considera declarar lei marcial, que, na
prática, daria poder ilimitado à Junta e suspenderia direitos civis.
GRAD - lançador múltiplo móvel de foguetes |
Há dois modos
de olhar para esses eventos. Pode-se dizer que muita coisa aconteceu, que está
acontecendo uma escalada, que há mortos dos dois lados, helicópteros estão
sendo derrubados, unidades recusam-se a obedecer ordens que consideram
criminosas, etc. Mas pode-se também dizer que, de um ponto de vista puramente
militar, nada absolutamente aconteceu. Pensem do seguinte modo:
– O que se
viu desde que a Junta neonazista deu início à sua operação de terror na
Novorossiia? Slaviansk e Kramatorsk foram cercadas e bombardeadas. Forças da
Junta neonazista tomaram os aeroportos próximos de Slaviansk/Kramatorsk e
Donetsk. E só.
Para início
de conversa: esses aeroportos não têm nenhuma importância estratégica.
Absolutamente não são estrategicamente importantes. Normalmente, na maioria dos
conflitos militares, aeroportos são alvos muito importantes, especialmente as
pistas e os radares. Mas nesse caso a tomada dos aeroportos de
Slaviansk/Kramatorsk e Donetsk não implicou que a Junta passasse a usar os
aeroportos. De fato, há combate muito intenso nas áreas que cercam os
aeroportos, para que eles possam ser usados com alguma segurança para pousos e
decolagens.
Além do mais,
quem precisaria de aeroportos, se se pode ir por terra a qualquer ponto do
país? Talvez... para impedir que os aeroportos fossem usados pelas Forças de
Defesa da Novorossia ou pelos russos, caso decidam intervir? Ora, ora! As
Forças de Defesa da Novorossia não tem força aérea; e os russos com absoluta
certeza não precisam de aeroportos para pôr em terra um Regimento, uma Brigada
ou, até, uma Divisão Aerotransportada.
Petro Poroshenko |
Assim sendo,
por que a Junta decidiu comprometer suas melhores forças, para tomar aqueles
aeroportos? Simples: porque não são cidades. Ou, dito de outro modo: porque os
aeroportos estão localizados fora de cidades. O fato é que a Junta simplesmente
não tem as forças necessárias para ocupar e controlar qualquer cidade. Então
tiveram de se contentar com objetivos localizados fora das cidades: os
aeroportos serviram muito bem para essa ação de “ocupação militar” que é pura
encenação.
Petro
Poroshenko anunciou que o que a Junta chama de “operação antiterroristas” não
deve durar semanas: no máximo algumas horas. Se é assim, é preciso perguntar o
seguinte: se o mix completo das forças da Junta (militares + esquadrões
da morte) não conseguiu tomar e controlar nem Slaviansk (130 mil moradores) nem
Kramatorsk (165 mil moradores), que chances teria o mix de tomar e
controlar Donetsk (1 milhão de habitantes)? É perguntar e responder: chances zero,
é claro. E menos que zero, se a coisa tiver de ser feita em poucos dias e
horas!
Qual o sentido de tudo o que se vê acontecer por lá?
Será que os
líderes políticos e a Junta são simplesmente estúpidos ou totalmente mal
informados?
Não, não é
assim tão simples. Por um lado, falar de alguma “estratégia da Junta” ou
“estratégia de Poroshenko” é simplesmente errado, porque implica aceitar como
verdade o mito de que haveria governo independente na Ucrânia. E não há. De
fato, todas as decisões são tomadas pelo Tio Sam e seus representantes em Kiev,
e as ditas “autoridades” não passam de colaboracionistas que operam com os EUA
e simplesmente cumprem ordens do patrão. E com todos os pecados que carregam, o
pessoal de Washington, DC, não é nem estúpido, nem mal informado. Assim
sendo... Qual é a estratégia de Washington nessa guerra civil que, para dizer o
mínimo, é esquisitíssima?
O primeiro
projeto-objetivo, idealmente, dos anglo-sionistas seria disparar uma
intervenção militar russa em proteção à Novorossia. Assim se recriariam as
tensões, do tipo da Guerra Fria, de que esse pessoal tem tanta saudade. Haveria
justificativa para manter existente a OTAN e, se a coisa fosse bem jogada,
talvez conseguissem até pôr forças russas e da OTAN, frente à frente uma da
outra, uma em cada margem do rio Dniepr.
Além de ser a
concretização dos sonhos do complexo industrial-militar dos EUA, essa situação
permitiria que os EUA alcançassem um de seus mais importantes objetivos
estratégicos: manter a Europa sob colonização dos EUA; e impedir qualquer
chance de a Europa integrar-se ao Leste.
Essa
estratégia nada tem de estúpida; pode ser declarada brilhante, uma vez que só
deixa ao presidente Putin duas escolhas: se a Rússia não intervém, Putin
aparece como fraco, indeciso ou, até, como traidor do povo russo; mas, se a
Rússia intervém, então Putin é declarado o “Novo Hitler” ou o “Novo Stálin”,
mais um nacionalista russo enlouquecido dos infernos, querendo reconstruir a
União Soviética e esmagando sob as esteiras dos seus tanques os bons europeus
amantes da liberdade. São só clichês? Claro que sim, mas serão usados. Putin
foi empurrado para uma situação de “maldito se faz, maldito também se não
faz”...
A segunda
opção é desgastar as Forças de Defesa da Novorossia, até que, eventualmente,
tenham de render-se. Não que seja provável, mas é teoricamente possível. Caso
aconteça, a rendição poderá ser apresentada como dupla vitória de Poroshenko:
esmagou os “terroristas” e “obrigou o Urso Russo a retroceder”. Mais uma vez,
há muito aí de delírio desejante, mas, em teoria, os EUA podem analisar esse
resultado como pouco provável, mas possível.
Opção três: a
velha estratégia dos EUA de “se não posso controlar, queimo tudo”. Basicamente,
a estratégia aí é destruir Novorossiia, ou causar o maior dano possível, de
modo que qualquer recuperação seja a mais demorada e a mais custosa possível.
Serve também como lição a todos que ousem desafiar o Império: desobedeçam e nós
os faremos pagar muito caro pela ousadia.
Opções russas:
Como já
mencionei acima, a Rússia tem bem poucas opções. Qualquer intervenção direta
dos russos na Ucrânia – opção que, em termos militares, nada teria de difícil
ou complexo – teria vastíssimas consequências políticas para o futuro da
estabilidade da Europa. Na essência, ao
não intervir, a Rússia está negando aos EUA a Guerra Fria versão 2 que os EUA
desejam tão furiosamente.
Se a Rússia
intervier – e é muito possível que intervenha – significará que o Kremlin
aceita que o preço real de sua intervenção é a ressubmissão de longo prazo de
toda a Europa aos interesses dos EUA.
Claro que a
Rússia, sim, tem a opção de oferecer ajuda clandestina às Forças de Defesa da
Novorossia (e pessoalmente, cá comigo, não tenho dúvida alguma de que já está
fazendo exatamente isso); mas é ação a ser empreendida por via remota e muito
cuidadosamente, de modo a não dar aos EUA nenhum tipo de prova do apoio secreto
russo. Mesmo assim, já se veem em alguns vídeos armamento avançado antiaéreo e
antitanque, sinal bem claro de que alguém está ajudando a Resistência.
A Rússia
também já começou a vazar informações sobre unidades ucranianas envolvidas em
operações de terrorismo contra o povo do Donbass.
Por exemplo,
a TV russa anunciou ontem que as seguintes unidades estiveram envolvidas no
bombardeio contra o aeroporto de Donetsk: a Brigada 299 de Aviação Tática de
Nikolaev (Su-25) e a 40ª Brigada Aérea de Vasilkovo (MiG-29), que usa a Ivan
Kozhedub Air Force Universidade de Carcóvia (Mi-24; Mi-8) como base de
operações de combate. Blogueiros russos também vazaram fotos e nomes dos
pilotos envolvidos. Vídeo, legendado em inglês, a seguir:
Juristas
russos criaram escritórios especiais de advogados que recolhem testemunhos de
ucranianos cujos direitos tenham sido violados pela Junta, para instruir
processos em cortes ucranianas de justiça. Claro, não há dúvida de que cortes
ucranianas rejeitaram qualquer denúncia de violações cometidas pelo “governo”
da “Ucrânia”; mas os russos sempre poderão levar suas ações legais para a Corte
Europeia de Direitos Humanos.
A boa notícia
para a Rússia é que não há meio pelo qual a Junta consiga tomar Donetsk ou
Lugansk. E ainda que forças da Junta conseguissem entrar nessas cidades, nem
assim teriam como controlar as cidades. Os estrategistas militares russos
compreendem isso com total clareza. Afinal, os russos têm a maior experiência
de combate em ambiente urbano, de todos os exércitos do mundo.
Durante a IIª
Guerra Mundial, as forças soviéticas libertaram 1.200 cidades tomadas pelo
Exército Alemão; e essa experiência é incansavelmente analisada e reanalisada
nas academias militares russas. Além do mais, embora só uma minoria dos homens
em idade de combater no Donbass tenham-se unido às Forças de Defesa da Novorossia,
o bombardeio incessante e o terror do assalto pela Junta tem motivado muitos
outros a unir-se à Resistência.
O tempo corre
a favor da Novorossia e da Rússia
Minha
impressão é que Poroshenko acordará em breve e anunciará alguma espécie de “iniciativa
de paz”, que provavelmente não implicará total retirada das forças da Junta
hoje na Novorossia como exigiram as autoridades locais, mas incluirá alguma
“suspensão” das operações de combate. Poroshenko – que absolutamente não é
idiota – sabe que tem de sentar e iniciar negociações com os russos, e sabe
também que os russos não podem negociar com ele enquanto houver operações de
combate.
Não tenho
prova alguma, mas acho que o próprio Poroshenko já compreendeu tudo isso e que,
agora, ele está tentando convencer os EUA de que é necessário aceitar os fatos
em campo. Nesse momento, Poroshenko pode esconder-se por trás da pequenina
folha de parreira que é o fato de que ainda não foi formalmente empossado.
Dentro de poucos dias (dia 7 de junho) essa desculpa sumirá. Desconfio que,
logo depois de tomar posse, ele anunciará alguma espécie de “iniciativa de
paz”.
Até lá, os
russos terão de esperar, rangendo os dentes ante cada nova atrocidade cometida
pela Junta neonazista e seus esquadrões da morte. Depois virá o tempo de colher
os frutos da espera. Mas a primeira prioridade tem de ser e será negar aos
anglo-sionistas a Guerra Fria que eles estão tão desesperadamente tentando
deflagrar.
The Saker
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