20/6/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“O que realmente interessa ver em tudo isso é
que Teerã identificou o desfile do ISIS/ISIL em sua passarela do deserto, pelo que ele de fato é: uma
armadilha.”
ISIS/ISIL cruza o deserto do Iraque e da Síria |
Vamos logo ao
que interessa. Como a coleção primavera-verão Zara, completa, com rifles de
assalto último tipo, tênis de passeio Nike branquinhos novinhos em folha e
Toyotas-zero-quilômetro com o tanque cheio, cruzando o deserto sírio-iraquiano:
os BBJB, Bad-Boys Jihadistas in Black.
Era uma vez
(faz pouco tempo!), o governo dos EUA só ajudava “terroristas do bem” (na
Síria), em vez de “terroristas do mal”. Era eco de outro tempo (menos recente)
quando os EUA só apoiavam “Talibã do bem”, não “Talibã do mal”.
Bandar "Bush" bin Sultan |
Mas, então...
O que aconteceu, se até os ditos “especialistas” da Brookings Institution já cacarejaram que o Estado Islâmico do
Iraque e Levante (ISIL) é, sim, o pior grupo jihadista do planeta
(afinal, foram expulsos da al-Qaeda)? Será que são tããããão péssimos que, nos
termos da lógica pervertida do duplifalar, já estariam alcançando a
neonormalidade?!
Desde o ano
passado, segundo o duplifalar do governo dos EUA, “terroristas do bem” na Síria
são a gangue da Frente al-Nusra, descendente da al-Qaeda; o príncipe (tombado
em desgraça) Bandar bin Sultan, codinome Bandar-Bush; e a Frente Islâmica,
subgrupo, de fato, da Frente al-Nusra de várias frentes. Mas ambos, a Frente e
o ISIS juraram lealdade a Ayman “o Doutor” al-Zawahiri, capo perene
da al-Qaeda e duro-de-matar.
Tudo isso nos
deixa o problema de saber o que os BBJB – Bad-Boys Jihadistas in
Black do ISIS/ISIL, soldados degoladores e astros de passarela &
foto, reunião (ou amontoado) de sunitas tribais de linha duríssima e
“remanescentes” (lembram-se de Rumsfeld em 2003?) do partido Ba’ath – realmente
querem.
Interrompemos
esse desfile pela passarela do deserto, para anunciar que eles NÃO invadirão
Bagdá. Mas, sim: estão ocupadíssimos acelerando a balcanização – e eventual
partilha de ambos os estados, Síria e Iraque. Não são criação da CIA [como
é que Langley (sede da CIA) nunca pensou nisso?!]; são, de fato, filhos
bastardos do cartão de (infindável) crédito do (caído em desgraça) Bandar Bush.
Vista aérea da sede da CIA em Langley |
O fato de que
o ISIS/ISIL NÃO esteja diretamente na folha de pagamento da CIA−Langley
não implica que a estratégica do ISIS/ISIL
seja essencialmente diferente da agenda do Império do Caos. O governo Obama
pode até estar enviando alguns poucos marines para proteger as piscinas
da maior embaixada do universo, do tamanho do Vaticano, e mais uns poucos
“conselheiros militares” para “retreinarem” o Exército (em dissolução) do
Iraque. Mas são uma gota de Coca-Zero no deserto ocidental iraquiano. Não há
sinal de que Obama esteja a ponto de autorizar “apoio cinético” contra o ISIS/ISIL,
apesar de Bagdá já ter autorizado.
Ainda se
Obama pirar-total e/ou inventar uma nova lista de itens humanos a serem
pulverizados por seus drones (“ação militar focada”), sempre será pouca
coisa & diversionismo. O que interessa é que as agendas do ISIS/ISIL e da Av. Beltway continuam
idênticas: livrar-se do primeiro-ministro do Iraque, al-Maliki (não por acaso o
novo bicho-papão nas páginas da imprensa-empresa nos EUA); pôr fim à influência
político/econômica do Irã sobre o Iraque; apagar, de cabo a rabo, o Acordo
Sykes-Picot; e estimular mais “dores do parto” (lembram-se de Condoleezza?) em
vastas áreas onde sunitas tribais linha duríssima já atropelaram o poder
central e governam.
Para o
Império do Caos, o ISIS/ISILé o agente provocador que lhes caiu do céu
(presente de Alá?): perfeito instrumento fantasiado com balaclava para manter
em ritmo de Operação Liberdade Duradoura, para sempre, a Guerra Global ao
Terror.
A cereja do
bolo (azedo) é que a casa de Saud negou oficialmente
que esteja apoiando o ISIS/ISIL. Parece
ser verdade, já passando por cima da carcaça de Bandar Bush. Pista para
entender a narrativa oficial da Casa de Saud e Casa de Thani sobre o ISIS/ISIL:
não têm nada a ver com o que está acontecendo no Iraque. Tudo lá é organizado
pelos “remanescentes” do partido ba'athista.
E vêm-aí,
isso sim, é mais golpe de “mudação de regime”...
O ângulo mais
amplo, que tudo abarca, é o do Irã, porque todo o drama, inteiro, é sobre
“conter” o Irã.
Basta você conseguir
ler o Washington Post, para
ter certeza: é a mesma regurgitação “jornalística” de sempre sobre “provas” de
que “o Irã e seus aliados sírios” muito “cooperaram” com o ISIS/ISIL, e
de que Bashar al-Assad da Síria mantém uma “parceria comercial” com o ISIS/ISIL.
E não esqueçam o quanto eles precisam de mais guerra, guerra, guerra: há aí à
frente um “Irã nuclear” em luta contra um “mundo árabe sunita”; e o grande
coringa continua a ser a al-Qaeda.
Quanto à
propaganda neoconservadora de “denúncia” de que o governo dos EUA estaria na
cama com Teerã contra o ISIS/ISIL... esqueçam: mais uma vez, é puro
jornalismo para desinformar.
O general
Mohammad Reza Naqudi, comandante dos Guardas Revolucionários do Irã,
aproximou-se muito da verdade, quando disse que:
(...) grupos takfiri e salafistas em vários estados regionais, especialmente
na Síria e no Iraque, são apoiados pelos EUA; e que os EUA estão manipulando os terroristas takfiri para comprometer a imagem do Islã e dos muçulmanos.
E foi o que
disse também o presidente do Parlamento (Majlis) Ali Larijani:
É perfeitamente óbvio que os norte-americanos e
demais países aqui à nossa volta são responsáveis pelo que hoje se vê no
Iraque. (...) O terrorismo converteu-se em ferramenta que as grandes potências
usam para promover seus objetivos.
ISIS/ISIL em Mosul com seus tênis branquinhos... |
O que
realmente interessa ver em tudo isso é que Teerã identificou o desfile do ISIS/ISIL em sua passarela do deserto, pelo
que ele de fato é: uma armadilha.
Além do mais,
o Irã também está convencido de que Washington não romperá com seus vassalos na
Casa de Saud. Tradução: Washington permanece comprometida com a velha-guarda da
Guerra Global ao Terror.
Na prática,
isso sim, Teerã já está apoiando – e também com “conselheiros” em campo – uma
miríade de milícias xiitas que estão sendo deslocadas para proteger Bagdá e,
especialmente, as cidades sagradas dos xiitas, Najaf e Karbala.
Os EUA,
entrementes, na volta dos neoconservadores mortos-vivos, insistem na vomitação
do tema preferido deles: Maliki Maliki Maliki. Nada do que se passa hoje no
Iraque tem qualquer coisa a ver com a Operação Choque e Pavor, nem com a
invasão, nem com a ocupação, nem com a destruição do país praticamente todo;
nem tem nada a ver com Abu Ghraib; nem com a guerra sectária que se vê hoje,
absoluta e completamente incitada por Washington (Dividir para Governar, tudo
outra vez). Nada disso. A culpa é de Maliki. Então... Maliki tem de ser posto
para fora de lá!
Quando tudo
fracassa – ao custo de trilhões de dólares – o manual dos neoconservadores
manda resetar e voltar ao modelão-padrão: “mudação de regime”.
Aos trancos,
por um sunistão linha duríssima
Abu Bakr al-Baghdad |
Tudo é oculto
e impalpável sobre o líder do ISIS/ISIL, Abu Bakr al-Baghdadi, também
conhecido como Abu Dua, nascido em Samarra em 1971, “remanescente” de Saddam
mas – e mais importante – ex-prisioneiro de uma prisão do governo dos EUA em
Camp Bocca, de 2005 a
2009, além de ex-líder da al-Qaeda-no-Iraque. Não é segredo no Levante que os
Homens de Preto do ISIS/ISIL foram treinados em 2012 por instrutores
norte-americanos numa base secreta em Safawi, no deserto ao norte daquela
ficção disfarçado de país, a Jordânia, para que, adiante, pudessem lutar
fantasiados como “rebeldes” aprovados pelo ocidente, na Síria.
Foi
al-Baghdadi quem mandou um grupo de Homens de Preto para montar a Frente al-Nusra
(“terroristas do bem”, lembram-se?) na Síria. É provável que tenha rompido com
a Frente no final de 2013, mas continuou a mandar sobre vasta porção de
deserto, do norte da Síria ao oeste do Iraque. É o novo Osama bin Laden (a
bênção que nunca para de cair dos céus, sempre e sempre), Emir mais do que com
certeza de um califato islamicamente correto no coração do Levante.
Esqueçam
Osama no Hindu Kush; a coisa agora é muito mais sexy!
Um sunistão
linha duríssima entre o norte curdo do Iraque e o sul xiita, nadando em
petróleo, que se estende de Aleppo, Rakka e Deir ez-Zor na Síria, entre os dois
rios – Tigre e Eufrates – com Mosul como capital, devolvida ao papel ancestral
de eixo de transmissão entre os rios gêmeos e o Mar Mediterrâneo. Sykes-Picot comerão
os próprios pés, de raiva.
Obviamente,
al-Baghdadi jamais conseguiria montar sozinho esse festim fantástico. É onde
entra seu auxiliar “remanescente” de Saddam e teórico do partido Ba'ath, o
extraordinário Izzaat Ibrahim al-Douri, filho precisamente da estratégica
Mosul. E, principalmente, sobretudo e todos, entra também o Conselho Geral
Militar dos Revolucionários do Iraque – espantosa organização “secreta” que tem
as gingas dos infernais Lionel Messi e Luiz Suarez somadas e está driblando
todo o aparelho de inteligência ocidental, inclusive a Panopticon-orwelliana
Agência de Segurança Nacional dos EUA. [1]
Cidades sírias e iraquianas atacadas pelo ISIS/ISIL |
Bem... Não
chega a ser tudo isso, assim, completamente, porque a coalizão das vontades do ISIS/ISIL e ba'athistas foi negociada por
ninguém menos que Bandar Bush – quando ainda estava na ativa e com a
contribuição crucial de um passe da lateral que lhe veio do primeiro-ministro
Erdogan, da Turquia. Não há aí nem jamais alguém conseguirá encontrar aí “a mão”
de Washington, porque, aí, a Av. Beltway não piou.
O que o
Conselho Geral Militar dos Revolucionários do Iraque conseguiu reunir é nada
menos que todos os “remanescentes” da boa velha resistência iraquiana do início
dos anos 2000s, os principais xeiques tribais, misturou-a com o ISIS/ISIL,
e criou o que bem se pode chamar de um “Exército da Resistência” – aqueles, os BBJB,
Bad-Boys Jihadistas in Black & suas pick-ups Toyotas
branquinhas, feitos da matéria da qual hoje se escrevem as lendas, pois
conseguiram obrar o milagre de não serem detectados pela rede de satélites da
Agência de Segurança dos EUA. Os rapazes da máscara preta e tênis branco &
fuzil & Toyotas-zero estão tão, tão, tão na moda, que têm até página
“no Face” com 33 mil "curtidas”.
Balkanização
ou morte
Enquanto isso,
a agenda do Império do Caos continua sem se alterar. A balcanização já é fato.
O ministro de Relações Estrangeiras do Iraque, Hoshyar Zebari (que é curdo),
pediu a “cooperação” da guerrilha curda (Peshmerga) ao exército
iraquiano, para manter Kirkuk, rica em petróleo, bem longe do ISIS/ISIL.
Operando com precisão de relógio, os Peshmergas anexaram Kirkuk, para
todas finalidades práticas. O Grande Curdistão já nos acena de perto...
O Grande
Aiatolá Sistani, também para todas as finalidades práticas, lançou uma jihad
sunita contra o ISIS/ISIL. Por seu lado, o líder do Conselho Islâmico
Supremo do Iraque, Sayyid Ammar al-Hakim, praticamente ressuscitou aquele
formidável corpo de paramilitares, o Badr – muito próximo do Corpo de
Guardas Revolucionários do Irã. São corpos militares contra os quais o ISIS/ISIL não tem a mínima chance. E Muqtada
al-Sadr está lançando suas “Brigadas da Paz”, para proteger as cidades santas
xiitas e também igrejas cristãs. Reina a guerra civil. Enquanto isso, na Terra
de Oz, o Pentágono com certeza conseguirá obter fundos extras para sua cruzada
perene que visa a salvar a civilização ocidental contra o terror islamista.
Afinal, um neo-Osama bin Laden (em balaclava) espreita no mato.
Oriente Médio BALCANIZADO. Sonho do Império Anglo-Sionista (clique na imagem para aumentar) |
Embora a
maioria dos iraquianos rejeitem a balcanização, os sunitas continuam a acusar
os xiitas de trabalharem a favor dos iranianos, e os xiitas continuam a acusar
os sunitas de serem uma 5ª Coluna a favor da Casa de Saud. O ISIS/ISIL continuará a receber montanhas de
dinheiro de ricos “doadores” sauditas. O governo dos EUA continuará a armar os
sunitas contra os xiitas na Síria e (provavelmente) manterá seus “ataques
militares focados” a favor dos xiitas e contra sunitas no Iraque. E foi assim
que “Dividir para Governar” enlouqueceu completamente.
____________________
Nota dos tradutores
[1] Ver também,
na mesma linha dessa reflexão: 21/6/20014, redecastorphoto:
“O fiasco
ISIS/ISIL: na realidade, um ataque ao Irã”, Mike Whitney, Counterpunch,
trad. Mberublue.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom
Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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ResponderExcluirJá. O início da Guerra "Civil" na Síria. Foi mais ou menos assim. Depois o Exército sírio reagiu...
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