quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Fim da recessão? Quem está enganando quem?

Não é muito útil “querer acreditar” numa perspectiva que parece remota.

OPINIAO | 20 JANEIRO, 2011 - 01:00 | POR IMMANUEL WALLERSTEIN

A imprensa diz-nos que a “crise” econômica acabou, e que a economia-mundo regressou mais uma vez ao seu modo normal de crescimento e de lucro. Em 30 de Dezembro, o Le Monde e assumiu esse estado de espírito numa das suas habitualmente brilhantes manchetes: “Os Estados Unidos querem acreditar numa recuperação econômica”. Exato, eles “querem acreditar” nisso, e não só as pessoas nos Estados Unidos. Mas é isso que está acontecendo?

Em primeiro lugar, como tenho dito muitas vezes, não estamos numa recessão, mas sim numa depressão. A maioria dos economistas tende a ter uma definição formal destes termos, baseada principalmente na subida dos preços das ações nas bolsas de valores. Usam estes critérios para demonstrar o crescimento e o lucro. E os políticos no poder exploram alegremente este disparate. Mas nem o crescimento nem o lucro são a medida adequada.

Há sempre alguém que esteja tendo lucro, mesmo no pior dos tempos. A questão é saber quantas pessoas e quem. Nos “bons” tempos, a maioria das pessoas experimenta uma melhoria na sua situação material, mesmo que existam diferenças consideráveis entre os que estão no topo e na base da escala econômica. A maré alta eleva todos os navios, como diz o ditado, ou pelo menos a maioria.

Mas quando a economia-mundo fica estagnada, como tem sido o seu estado desde a década de 1970, várias coisas acontecem. Aumenta consideravelmente o número de pessoas que não têm emprego remunerado e, portanto, não recebem um rendimento minimamente adequado. E porque isto é assim, os países tentam exportar desemprego de um para o outro. Além disso, os políticos tendem a tentar privar de rendimento os idosos aposentados e os jovens pré-idade ativa, a fim de apaziguar os seus eleitores em idade de trabalhar.

É por isso que, avaliando a situação país por país, sempre há algum cuja situação parece ser muito melhor do que na maioria dos outros. Mas o país que parece melhor tende a mudar com alguma rapidez, como tem acontecido nos últimos quarenta anos.

Além disso, à medida que a estagnação prossegue, cresce a imagem negativa, momento em que a imprensa começa a falar de “crise” e os políticos procuram soluções rápidas. Apelam à “austeridade”, que significa o corte ainda maior das pensões, da educação e dos cuidados com as crianças. Deflacionam as suas moedas, se puderem, para reduzir momentaneamente as suas taxas de desemprego à custa dos índices de emprego de outros países.

Vejam o problema das pensões. Uma pequena cidade no Alabama esgotou o seu fundo de pensões em 2009. Declarou falência e deixou de pagar as pensões, violando assim a lei estadual que obrigava a fazê-lo. Como observou o New York Times: “Não são só os pensionistas que sofrem quando seca um fundo de pensões. Se uma cidade tentou seguir a lei e paga aos seus pensionistas com o dinheiro do seu orçamento anual de funcionamento, ela provavelmente teria de aprovar grandes aumentos de impostos ou fazer cortes enormes de serviços, para que o dinheiro chegue. Os atuais trabalhadores da cidade poderiam ver-se a pagar um plano de pensão que não vai estar lá na hora das suas próprias reformas”.

Mas este é o problema crucial de cada estado dentro dos Estados Unidos: por lei, têm de ter orçamentos equilibrados, o que significa que não podem recorrer a empréstimos para preencher as necessidades orçamentais. E há um problema paralelo de cada nação da Zona Euro, que não pode desvalorizar a sua moeda para satisfazer as suas necessidades orçamentais, significando que a sua capacidade de obter empréstimos tem custos exorbitantes e insustentáveis.

Mas, podem perguntar, e aqueles países onde se diz que a economia está a atravessar um “boom”, como a Alemanha e, mais particularmente, dentro da Alemanha, a Baviera – chamada por alguns de “o planeta dos felizes”? Por que será, então, que os bávaros “sentem um mal-estar” e parecem “prudentes e incertos acerca da sua própria saúde econômica”? O New York Times observa que “a boa fortuna da Alemanha ... é amplamente vista (na Baviera) como sendo obtida à custa dos trabalhadores, que durante a última década têm sacrificado salários e benefícios para tornar os seus empregadores mais competitivos... De fato, parte da prosperidade vem de pessoas que não conseguem a segurança social que deviam ter”.

Bem, pelo menos, há o bom exemplo das “economias emergentes”, que têm mostrado um crescimento sustentado nos últimos anos – especialmente os chamados países BRIC. Mas olhe com atenção. O governo chinês está muito preocupado com as práticas frouxas de crédito dos bancos chineses, no que parece ser uma bolha, e levando à ameaça de inflação. O resultado é o aumento acentuado das demissões, num país onde a rede de segurança para os desempregados parece ter desaparecido. Enquanto isso, diz-se que a nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff, está preocupada com a “supervalorização” da moeda brasileira frente às moedas dos EUA e da China, que ela vê desvalorizadas e que, juntas, estão ameaçando a competitividade das exportações brasileiras. E os governos da Rússia, Índia e África do Sul estão enfrentando o descontentamento surdo de grande parte das suas populações, que parece passar ao largo dos benefícios do presumido crescimento econômico.

Finalmente, e não menos importante, há o aumento acentuado dos preços da energia, dos alimentos e da água. Este é o resultado de uma combinação de crescimento da população mundial e aumento na percentagem de pessoas que exigem acesso a estes bens. Isto pressagia uma luta por esses produtos básicos, uma luta que pode se tornar mortal. Há dois resultados possíveis. Um deles é que um grande número de pessoas irá reduzir o nível da sua procura – muito improvável. A segunda é que a letalidade desta luta tenha como consequência uma redução da população e, assim, haja menos escassez – uma solução malthusiana muito desagradável.

Ao entrar na segunda década do século XXI, parece improvável que em 2020 vamos olhar para trás, para esta década, como sendo aquela em que a “crise” foi relegada para a memória histórica. Não é muito útil “querer acreditar” numa perspectiva que parece remota. Não ajuda a tentar descobrir o que devemos fazer sobre isso.

Immanuel Wallerstein
Comentário n.º 296, 1 Janeiro de 2011
Tradução para o Esquerda.net de Luis Leiria, revista pelo autor.

Sobre o autor

Immanuel Wallerstein
Sociólogo e professor universitário norte-americano.
Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a actuação do movimento anticolonialista na Índia. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971. Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo.

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