Lições para Portugal
por Michael Hudson
Será que a Islândia votará “Não” em 9 de Abril? Ou cometerá um suicídio financeiro?
Um ano atrás, em Março de 2010, a economia da Islândia era tão pequena que não despertou muita atenção quando 93% dos seus eleitores rejeitaram a rendição do governo Social-Democrata–Verde a Gordon Brown e holandeses, à burocracia da União Europeia (UE) e a exigências do FMI de impor austeridade como penitência por acreditar no conto de fadas neoliberal de que desregulamentação bancária e "mercados livres" a tornariam o país mais rico e mais feliz do mundo. Na verdade ela parecia ser, conforme dados das Nações Unidas. Mas o sonho foi obliterado depois de agências do banco eletrônico pela Internet Icesave terem sido depenadas pelos seus proprietários.
A Grã-Bretanha e a Holanda pagaram mais de US$5 bilhões a cerca de 340 mil dos seus próprios depositantes a quem as suas próprias agências de supervisão bancária deixaram de advertir acerca do saqueio em curso. Disseram então que os contribuintes islandeses deveriam arcar com o custo, como tributo virtual.
O sonho foi a promessa neoliberal de que incorrer em dívida era o meio de ficar rico. Ninguém naquela época previu que assumir perdas bancárias privadas (na verdade fraudulentas) no orçamento público tornar-se-ia o tema divisivo da Europa no ano seguinte, dividindo a política europeia e ameaçando mesmo romper a Eurozona.
A VOTAÇÃO DE 9 DE ABRIL
Um episódio memorável neste combate deve ocorrer neste sábado, 9 de Abril. Os islandeses votarão a sujeição ou não da sua economia a décadas de pobreza, bancarrota e emigração da sua força de trabalho. Pelo menos, isso é o que o programa apoiado pela atual coligação social-democrata–verde está pretendendo quando pressiona por um voto “Sim” no salvamento do Icesave. A sua capitulação financeira corrobora a ação de lobby do Banco Central Europeu em favor da desregulamentação neoliberal que levou à bolha imobiliária e à alavancagem da dívida como se isto fosse uma história de êxito ao invés do caminho para a servidão nacional através da dívida. A realidade foi uma enorme fraude bancária e um negócio de iniciados quando administradores bancários emprestaram o dinheiro para si próprios, deixando uma concha vazia — e dizendo então que era assim que operavam "mercados livres". Prometia-se que incorrer em dívida era o meio de ficar rico. Mas o preço para a Islândia foi que o preço da habitação mergulhou 70% (num país onde devedores hipotecários são pessoalmente passíveis pela sua situação líquida negativa), uma queda do PIB, aumento do desemprego, descumprimentos e arrestos.
Para por a votação de sábado em perspectiva, é útil ver o que ocorreu no ano passado de acordo com linhas notavelmente semelhantes através da Europa. Para começar, o ano abriu com uma nova sigla: PIIGS, para designar Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain).
A explosão começou na Grécia. Uma das heranças do regime dos coronéis foi a evasão fiscal por parte dos ricos. Isto levou a déficits orçamentários e bancos da Wall Street ajudaram o governo a esconder a sua dívida pública na contabilidade-lixo da “livre empresa”. Credores alemães e franceses fizeram então uma fortuna elevando a taxa de juro que a Grécia tinha de pagar pelo seu risco de crédito acrescido.
Disseram à Grécia para tapar os buracos do déficit fiscal através da tributação do trabalho e cobrando mais por serviços públicos. Isto aumentou o custo de vida e os custos comerciais, tornando a economia menos competitiva. Aqui está a resposta do manual neoliberal: tornar a economia num gigantesco conjunto de “pedágios”. A ideia é cortar emprego no governo, reduzir salários no setor público para levar para baixo os salários do setor privado, ao mesmo tempo que cortar nos serviços sociais e elevar o custo de vida com aumento de pedágios em auto-estradas e carregar de impostos outras infraestruturas básicas.
Os Tigres do Báltico abriram o caminho e deveriam ter servido de advertência ao resto da Europa. A Letônia marcou um recorde em 2008-09 ao obedecer aos ditames do comissário da UE para a Economia e Divisas, Joaquin Almunia, e retalhar o seu PIB em 25% e os salários do setor público em 30%. A Letônia não recuperará o seu pico de PIB de 2007 até o ano 2016 — uma década inteira perdida gasta em penitência financeira por acreditar nas promessas neoliberais de que a sua bolha imobiliária era um êxito.
No Outono de 2009, o primeiro-ministro socialista George Papandreou prometeu numa cimeira da UE que a Grécia não entraria em inadimplência na sua dívida de US$298 bilhões, mas advertiu: “Não chegamos ao poder para demolir o estado social. Os trabalhadores assalariados não pagarão por esta situação: não procederemos a congelamentos ou cortes salariais”. [1] Mas isso é o que parecem fazer os partidos socialistas e sociais-democratas de hoje: apertar os parafusos num grau que partidos conservadores não conseguiriam impunemente. A deflação salarial vai par-e-passo com a deflação da dívida e os gravames fiscais para contrair a economia.
O programa da UE e do FMI inspirou a versão moderna dos “tumultos FMI” da América Latina, habituais nas décadas de 1970 e 80. O sr. Almunia, o carrasco da economia da Letônia, exigiu reformas na forma de cortes em cuidados de saúde, pensões e emprego público, juntamente com uma proliferação de impostos, taxas e pedágios nas estradas e em outras infraestruturas básicas.
“NÃO PAGAREI”
A palavra “reforma” foi transformada num eufemismo para degradar o setor público e para liquidações privatizadoras pelos credores a preços de saldo. Na Grécia esta política inspirou uma revolta de desobediência civil – “Não pagarei” – que se tornou rapidamente “um movimento nacional anti-austeridade. Os apoiadores do movimento recusam-se a pagar pedágios nas auto-estradas. Em Atenas eles tomam ônibus e metrô sem bilhetes para protestar contra um “injusto” aumento de 40 por cento nas tarifas”. [2] A polícia evidentemente é bastante simpática para abster-se de multar a maior parte dos que protestam.
Tudo isto está mudando os alinhamentos políticos tradicionais não só na Grécia mas por toda a Europa. A mentalidade orientadora da política estilo “New Labour” do Tony Blair é lealdade econômica a centros financeiros da Europa quando é cortada a despesa governamental, quando a infraestrutura pública é privatizada e quando bancos são salvos com fardos do “contribuinte” que caem principalmente sobre o trabalho. Tanto os líderes conservadores como comunistas recusaram-se a apoiar o programa UE-FMI. “Este programa está estrangulando a economia grega... Ele necessita de renegociação e mudança radical”, disse Antonis Samaras, o líder conservador (Ibid.)
Um artigo do Le Monde acusou o plano UE-FMI de “tratar com desprezo as mais elementares regras de democracia. Se este plano for executado, ele resultará num colapso da economia e dos rendimentos dos povos sem precedentes na Europa desde a década de 1930. Igualmente gritante é o conluio de mercados, bancos centrais e governos para fazer com que o povo pague a conta do capricho arbitrário do sistema”. [3]
A Irlanda é a economia da eurozona mais duramente atingida. Seu partido Fianna Fail, dominante há muito, concordou em assumir perdas bancárias no orçamento público, impondo décadas de austeridade – e a maior emigração forçada desde a Fome da Batata no século XIX. Os eleitores responderam expulsando o partido do governo (ele perdeu dois terços das cadeiras no Parlamento) quando o partido da oposição Fine Gael prometeu renegociar o empréstimo de salvamento de Novembro último da UE-FMI, no valor de US$115 bilhões, e do programa de austeridade que o acompanhou.
Um editorial do Financial Times referiu-se ao pacote de “resgate” (um eufemismo para destruição financeira) como a transformação do país num “mescravo servil da Europa” [4] Burocratas da UE “querem que contribuintes irlandeses lancem mais dinheiro para dentro dos buracos cavados por bancos privados. Como parte do resgate, Dublin deve acabar com um fundo de pensão erguido quando Berlim e Paris estavam a violar as regras de Maastricht ... Enquanto grandes possuidores de títulos são vistos como sacrossantos, vendas de ativos a preços de saldo implicam um risco de ainda maiores perdas a serem cobradas aos contribuintes”. As promessas da UE de renegociar o acordo auguram apenas concessões simbólicas que não resgatam a Irlanda de fazer com que o trabalho e a indústria paguem pelos imprudentes empréstimos bancários ao país. A opção da Irlanda está portanto entre a rejeição ou a submissão às exigências da UE para salvar todos os banqueiros a expensas do trabalho e da indústria. Isto recorda a ocasião em que disseram ao economista William Nassau Senior (o qual assumiu a posição de Thomas Malthus no East India College) que um milhão de pessoas havia morrido na fome da batata da Irlanda. Ele observou sucintamente: "Isso não é suficiente". De modo que a teoria econômica lixo dos neoliberais tem um longo histórico.
O resultado transformou radicalmente a ideia de soberania nacional e mesmo as suposições básicas subjacentes a toda teoria política: a premissa de que governos atuam no interesse nacional. Como destacou Yves Smith no sítio web Naked Capitalism :
SAIR DA EUROZONA
A eurozona ergue-se contra o trilema de Dani Rodrik: A política democrática e o Estado Nação versus o globalismo baseado no sistema de Bretton Woods. Você não pode ter todos os três cantos do triângulo ao mesmo tempo. Os criadores da União Europeia sabiam que o fim do jogo era a dissolução de estados nação... Mas o que eles deixaram de prever é que os custos destas crises cairiam sobre os habitantes de estados nação particulares o que os levaria a rebelarem-se contra a integração “inevitável”. Enquanto mecanismos democráticos estiverem intactos em muitos dos países que estão a ser pressionados a adotar a austeridade, a revolta é realmente possível. Economistas argumentam que o custo para algum país sair da eurozona é proibitivo. Mas como é que ele se compara com um programa de “resgate” que virtualmente garante a contração econômica contínua e o despovoamento da Irlanda? Confrontado com estas duas alternativas não atraentes, o desejo de autodeterminação e de punição de coercivos tecnocratas europeus pode fazer com que movimentos supostamente irracionais pareçam obrigatórios. [5]
O perfil da Europa que está emergindo não é a visão original de mobilizar tecnologia para elevar padrões de vida. Os líderes que originalmente patrocinaram a UE encaravam os estados nação como tendo mergulhado o continente num milênio de guerras. Mas hoje, a finança é o novo modo de travar a guerra. O seu objetivo é o mesmo da conquista militar: capturar terras e infraestruturas básicas e impor tributos – eufemizados como reembolsos de salvamento (bailout repayments), como se o sistema financeiro fosse necessário para alimentar a indústria e o trabalho ao invés de extrair o seu excedente.
Prevê-se que os pagamentos de juros de €10 bilhões do governo irlandês absorvam 80% do rendimento da receita fiscal do governo de 2010. Isto está para além da capacidade de qualquer governo nacional ou economia sobreviverem. Significa que todo crescimento deve ser pago como tributo à UE por ter salvo banqueiros imprudentes na Alemanha e noutros países que não perceberam o fato aparentemente óbvio de que dívidas que não podem ser pagas não o serão. O problema é que durante o intervalo de tempo que se leva para perceber isto, economias serão destruídas, ativos desvalorizados, capitais esgotados e grande parte do trabalho obrigado a emigrar. A Letônia é o perfeito representante disto, com um terço da sua população entre 20 e 40 anos tendo já emigrado ou declarando estar a planear deixar o país dentro de poucos anos.
O pesadelo da UE é que os eleitores podem acordar do mesmo modo que a Argentina finalmente o fez quando anunciou que as recomendações neoliberais de conselheiros dos EUA e do FMI que adotara haviam destruído tanto a economia que já não podia pagar. Quando o assunto foi arrumado, não foi difícil impor uma redução (write-down) de 70% aos credores externos. A sua economia agora está em expansão – porque se tornou digna de crédito outra vez, já que se libertou do seu estorvo financeiro!
Algo parecido ocorreu na América Latina e noutros países do Terceiro Mundo depois de o México anunciar em 1982 que não podia pagar a sua dívida externa. Uma onda de inadimplência difundiu-se – inspirando reduções de dívida negociadas na forma de Títulos Brady . Os EUA e outros credores calcularam realisticamente o que os devedores podiam pagar e substituíram os velhos empréstimos bancários irresponsáveis por novos títulos. Os Estados Unidos e membros do FMI aplaudiram as reduções como sendo um êxito.
Mas agora contam à Irlanda, Grécia e Islândia histórias de horror acerca do que pode acontecer se os seus governos não cometerem suicídio financeiro. O medo é que os devedores possam revoltar-se, levando a Eurozona a romper com exigências de que economias financeirizadas entreguem todo o seu excedente a credores durante tantos anos quanto se pode avistar, anuindo a exigências dos bancos para que sujeitem uma geração à austeridade, à contração e à emigração.
Isto é o que está em causa na eleição deste sábado na Islândia. É também a questão que agora confronta os eleitores europeus como um todo. Estão as economias de hoje trabalhando para os bancos, salvando-os de empréstimos imprudentes impagavelmente altos a expensas do público? Ou será o sistema financeiro controlado para servir a economia e elevar níveis salariais ao invés de impor austeridade.
Parece irônico que partidos socialistas (Espanha e Grécia), o Partido Trabalhista britânico e vários partidos sociais-democratas se tenham movido para o lado pró banqueiro do espectro político, comprometido em impor austeridade anti-trabalho não só na Europa como também na Nova Zelândia (o exemplo representativo da década de 1990 para a privatização tatcheriana) e mesmo na Austrália. As suas políticas de redução de serviços sociais públicos e de abraço à privatização são o oposto da sua posição de um século atrás. Como é que se tornaram tão desligados do seu eleitorado trabalhista original? Parece que a sua função é impor o que quer que seja da agenda da extrema direita que partidos conservadores não podem conseguir – não diferente de Obama a castrar possíveis alternativas do Partido Democrata a pedido do lobby republicano favorável a mais rubinomics .
Será simplesmente credulidade? Isso pode ter sido o caso na Rússia, cujos líderes pareciam ter pouca ideia de como defender-se do conselho destrutivo dos Harvard boys e de Jeffrey Sachs. Mas algo mais deliberado infesta o próprio Partido Trabalhista britânico que imitam os conservadores thatcherianos privatizando ferrovias e outras infraestruturas econômicas chave com as suas Parcerias Público-Privadas. É a atitude que levou Gordon Brown a ameaçar chantagear a entrada islandesa na UE se os seus eleitores se opusessem a salvar o fracasso da própria agência neoliberal de seguros bancários da Grã-Bretanha em impedir banksters de esvaziarem o Icesave.
O que parece notável é que os eleitores islandeses podem levar a sério a ameaça do seu primeiro-ministro de que um voto “Não” sobre o salvamento do Icesave levaria o Reino Unido e a Holanda a chantagearem a entrada islandesa. O novo primeiro-ministro conservador tem pouco amor pelo sr. Brown e percebe que os seus próprios eleitores não estão ansiosos por apoiar a entrada de um país que está desejoso de sacrificar a economia interna para pagar banqueiros pelo que parecem empréstimos duvidosos. E quanto ao resto da Europa? Será que render-se a exigências bancárias injustas é realmente o meio de ganhar amigos entre os países PIIGS endividados? Será que estes países querem admitir outro advogado neoliberal que favoreça os bancos em relação às suas economias internas? Ou faria a Islândia mais amigos ao votar “Não”?
No fim de semana passado meio milhão de cidadãos britânicos manifestou-se em Londres para protestar contra ameaças de cortes em serviços sociais, educação e transportes, e aumentos de impostos para pagar o salvamento feito por Gordon Brown do Northern Rock e do Royal Bank of Scotland. O fardo deve cair sobre o trabalho e a indústria, não sobre a classe financeira britânica. O Daily Express, um jornal que tradicionalmente faz campanhas nacionais, agora está em plena campanha para que a Grã-Bretanha abandone a UE, com muitos dos argumentos com que o país há muito rejeitou aderir ao euro.
O que há de racional em a Islândia e outros países devedores pagarem, especialmente nesta época? Os acordos propostos dariam à Grã-Bretanha e Holanda mais do que as diretivas da UE imporiam. A Islândia tem uma posição legal forte. As advertências social-democratas acerca da UE parecem tão bombásticas que é de se perguntar se os membros do Althing [parlamento] estão simplesmente esperando evitar uma investigação do que realmente aconteceu aos depósitos do Icesave do Landsbanki. O Serious Fraud Office britânico recentemente tornou-se mais sério na investigação do que aconteceu ao dinheiro e começou a prender antigos diretores. De modo que este, na verdade, é um estranho momento para o governo da Islândia concordar em incorporar dívidas bancárias podres no seu próprio orçamento.
A UE tem dado mau conselho à Islândia: “Pague as dívidas do Icesave, garanta os maus empréstimos bancários, isso realmente não custará demasiado. Será razoavelmente fácil para o seu governo assumir isso”. Agora pode-se ver que este é o mesmo mau conselho dado à Irlanda, Grécia e outros países. “Razoavelmente fácil” é um eufemismo para décadas de contração econômica e de emigração.
CONTRAÇÃO IMPOSSIBILITA PAGAMENTO
O problema é que quanto mais a economia da Islândia contrair, mais impossível se torna pagar dívidas externas. O governo da Islândia está desesperadamente a implorar a adesão à Europa sem perguntar simplesmente qual será o seu custo. A adesão afundaria a taxa de câmbio do krona, contrairia a economia, levaria jovens trabalhadores a emigrarem para terem empregos e para evitar os arrestos das bancarrotas que resultariam da sujeição do país à austeridade.
Ninguém realmente sabe quão fundo é o buraco. O governo da Islândia não fez uma tentativa séria de efetuar uma análise de risco. O que é claro é que a UE e o FMI têm sido irresponsavelmente otimistas. Cada novo relatório estatístico é “surpreendente” e “inesperado”. Na base da hipótese de trabalho do FMI acerca da taxa de câmbio do krona no fim de 2009, por exemplo, a equipe do FMI projetou que a dívida externa bruta seria 160% do PIB. Eles, é preciso admitir, acrescentaram que uma nova depreciação da taxa de câmbio de 30 por cento provocaria uma ascensão precipitada na relação Dívida/PIB. Isto na verdade verificou-se. Anteriormente, em Novembro de 2008, o FMI advertia que a dívida externa projetada para o fim de 2008 podia atingir 240% do PIB, um nível chamado “claramente insustentável”. Mas o nível da dívida hoje foi estimado se posicionar nos 260% do PIB islandês – mesmo sem incluir a dívida do Icesave defendida pelo governo e algumas outras categorias de dívida.
Os credores nada perdem ao proporcionarem conselho econômico-lixo. Eles mostraram-se bastante desejosos de estimular economias a destruírem-se no processo de tentar pagar – algo como aplaudir trabalhadores de uma central nuclear por andarem dentro da zona de irradiação a fim de extinguir um incêndio. Em relação à Irlanda, a UE pressionou o governo a assumir responsabilidade por empréstimos bancários que acabaram por valer apenas 30% (não é uma gralha!) do seu preço de mercado estimado. Ela disse que isto podia ser feito “facilmente”. O governo da Irlanda concordou, ao custo de condenar a economia a duas ou mais décadas de pobreza, emigração e bancarrota.
O que torna o problema pior é que a dívida em divisa estrangeira não é paga a partir do PIB (cujas transações são em divisa interna), mas a partir dos rendimentos líquidos da exportação – mais o que quer que seja que governo possa ser persuadido a vender barato a compradores privados. Para a Islândia, a questão tornar-se-ia quanto dos seus produtos e serviços – e recursos naturais e companhias – a Grã-Bretanha e a Holanda comprariam.
Supõe-se ser da responsabilidade do credor trabalhar com devedores e negociar pagamentos em exportações. Ao invés de fazer isto, os credores de hoje simplesmente exigem que os governos vendam a preços vis sua terra, recursos minerais, infraestrutura básica e monopólios naturais para pagarem credores externos. Estes ativos são apropriados no que é, com efeito, um procedimento pré-bancarrota. Os novos compradores então transformam a economia num conjunto de “pedágios” através da elevação de taxas de acesso a transportes, serviços telefônicos e outros setores privatizados.
Alguém poderia pensar que a resposta normal de um governo nesta espécie de negociação de dívida externa seria nomear um Grupo de Peritos para estabelecer a posição da economia de modo a avaliar a capacidade de pagar dívidas externas – e estruturar o acordo em torno da capacidade pagar. Mas ali não houve avaliação de risco. O Althing simplesmente aceitou as exigências do Reino Unido e da Holanda sem qualquer negociação. O parlamento nem mesmo protestou contra o fato de ambos os países ainda estarem correndo contra o relógio dos juros sobre os encargos que estavam a exigi-los. Por que a população da Islândia não se comporta como a da Irlanda ou da Grécia, sem mencionar a Argentina ou os Estados Unidos, e diz aos negociadores financeiros da Europa: “Bela tentativa! Mas nós não caímos nela. O seu jogo de credor está acabado! Não se pode esperar de nenhum país que mantenha o compromisso de suicídio financeiro estilo Irlanda, impondo depressão econômica e forçando uma grande parte da força de trabalho a emigrar, simplesmente para reembolsar depositantes bancários pelos crimes ou negligência de banqueiros".
As agências de classificação de crédito tentaram reforçar a tentativa do Althing de colocar a população em pânico para que votasse “Sim”. Em 23 de Fevereiro, a Moody's ameaçou: “Se o acordo for rejeitado, provavelmente degradaríamos as classificações da Islândia para Ba1 ou abaixo”. Se os eleitores aprovarem o acordo, contudo, “provavelmente mudaríamos a perspectiva sobre as atuais classificações Baa3 do governo de negativas para estáveis”, em vista de uma provável “paralização no remanescente US$1,1 bilhões comprometidos pelos outros países nórdicos e provavelmente também atrasos no programa do FMI da Islândia”.
Talvez não muitos islandeses percebam que as agências de classificação de crédito são, de fato, lobbysts para os seus clientes, o setor financeiro. Poder-se-ia pensar que elas haviam perdido completamente a sua reputação de honestidade – sem mencionar a de competência – ao afixar classificações AAA sobre as hipotecas lixo causadoras primárias do atual crash financeiro global. A explicação é que eles fazem tudo por dinheiro. Elas não são mais honestas do que foi a Arthur Andersen ao aprovar a contabilidade lixo da Enron.
A meu próprio ponto de vista sobre agências de classificação baseia-se em grande parte na história que Dennis Kucinich me contou no tempo em que era presidente da municipalidade de Cleveland, Ohio. Os bancos e alguns dos seus principais clientes miravam a privatização da companhia de eletricidade de propriedade da cidade. Os privatizadores queriam comprá-la a crédito (com os encargos de juro fiscalmente dedutíveis privando o governo de coletar imposto de rendimento sobre o seu consumo) e elevar drasticamente os preços para pagar exorbitantes salários de executivos, ultrajantes comissões de subscrição aos bancos, opções de ações para os atacantes, pesados encargos de juros aos bancos e um belo almoço gratuito para as agências de classificação. Os bancos pediram ao presidente Kucinich para vender-lhes o banco, prometendo ajudá-lo a ser governo se perdesse o seu eleitorado.
O sr. Kucinch disse “não”. Então os bancos trouxeram os seus brutamontes, as agências de classificação. Elas ameaçaram degradar a classificação de Cleveland, de modo a que não pudesse renovar os empréstimos bancários que tinha normalmente com os bancos. “Vamos tomar a sua companhia de eletricidade ou arruinaremos as finanças da sua cidade”, disseram eles efetivamente.
O sr. Kucich mais uma vez disse não. Os bancos executaram a sua ameaça – mas o presidente salvou a cidade de ter os seus rendimentos sugados pelos encargos com a privatização predatória. No momento oportuno seus eleitores elegeram o sr. Kucinich para o Congresso, onde a seguir tornou-se um importante candidato presidencial.
Assim, retornando ao problema das agências de classificação de crédito, como pode alguém acreditar que concordar em pagar uma dívida impagavelmente alta melhoraria a classificação de crédito da Islândia? Os investidores aprenderam a depender do seu próprio bom senso desde que perderam centenas de milhares de milhões de dólares com classificações temerárias das agências. As agências conseguiram evitar processo criminal ao notar que as letras pequenas dos seus contratos diziam que estavam apenas a apresentar uma "opinião", não uma análise realista pela qual pudessem esperar assumir qualquer responsabilidade profissional honesta!
A experiência da Argentina deveria proporcionar o modelo de como o cancelamento (writing off) de uma parte significativa da dívida externa torna a economia mais digna de crédito, não menos. E quanto a possíveis processos judiciais, é uma premissa central do direito internacional que nenhum país soberano deveria ser forçado a cometer suicídio econômico pela imposição de austeridade financeira ao ponto de forçar a emigração e a contração econômica. Nações são entidades soberanas. Portanto seria tanto legalmente como moralmente errado que os cidadãos das Islândia gastassem o resto das suas vidas liquidando dívidas devidas por dinheiro que deveria antes ser uma questão entre o Serious Fraud Office da Grã-Bretanha e as agências de seguro bancário britânicas.
Inclinar o voto é o alto preço que a Islândia está disposta a pagar para aderir à UE. De fato, quando a Eurozona enfrenta uma crise dos devedores PIIGS, que espécie de UE está em vias de emergir do conflito atual entre credores e devedores? Crescem temores de que a eurozona possa romper-se em qualquer caso. Assim, o governo social-democrata da Islândia pode estar a tentar aderir a uma ilusão – que agora parece estar em ruptura, pelo menos tanto quanto o seu extremismo neoliberal. Ontem mesmo (quinta-feira, 7 de Abril) um editorial do Financial Times comentava ser um desmoronamento prematuro de Portugal diante de exigências da UE:
PORTUGAL HUMILHADO
“Mais um país da eurozona foi humilhado pelos seus bancos. Na semana anterior, bancos de Portugal ameaçavam diminuir o ritmo de compras de títulos a menos que o governo de gestão pedisse ajuda financeira a outros países da União Europeia. ... Lisboa deveria ter-se fincado na sua posição. ... Deveria ainda resistir a fazer o que os bancos pediam: procurando um empréstimo ponte imediato ... Ao começar antes do tempo, o governo arriscou-se a ter assustando os mercados. Isso pode prejudicar o resultado de negociações acerca da linha de crédito a longo prazo. O governo de gestão não tem a autoridade moral nem política para determinar deste modo o futuro de Portugal. Ele não deveria abandonar precipitadamente os mercados. Isso pode significar pagar altos rendimentos sobre questões de dívida nos meses vindouros – mais altos do que poderiam ter sido se o governo não houvesse dobrado tão cedo a sua mão. ... O momento certo para optar por um resgate externo teria sido no fim de um debate nacional” [6].
O mesmo deveria ser verdade para a Islândia. Ao olhar o ano passado, parece que a nação islandesa foi utilizada como alvo para um experimento psicológico e político – um experimento cruel – para verificar quanto uma população estará disposta a pagar o que realmente não deve pelo que os iniciados dos bancos roubaram ou emprestaram para si próprios.
Isto não é apenas um problema islandês. Ele permanece um problema na Irlanda e nos Estados Unidos, bem como na própria Grã-Bretanha.
A moral é que a execução pelo credor – ou multa voluntária para pagar banqueiros internacionais – se tornou a moda preferida de hoje de guerra econômica. É mais barata do que conquista militar, mas o seu objetivo é semelhante: ganhar controle de propriedade estrangeira e impor tributo – de um modo que os pagadores do tributo o aceitem voluntariamente. A terra é apropriada e arrestada – ou, o que vem a ser a mesma coisa, o rendimento do seu arrendamento é comprometido com as agências de bancos estrangeiros que concederam o crédito hipotecário que absorvem a renda líquida. O resultado é austeridade econômica e depressão crônica, acabando com a subida nos padrões de vida prometida há uma geração atrás.
O governo da Islândia parece ter-se desconectado do que é bom para os eleitores e para a própria sobrevivência da economia islandesa. Isto portanto desafia a suposição subjacente a todas as ciências sociais e econômicas: de que as nações atuarão no seu próprio auto-interesse. Esta é a suposição imanente à democracia: que os eleitores perceberão o seu auto-interesse e elegerão representantes para aplicar tais políticas. Para o cientista político isto é uma anomalia. Como é que alguém explica a razão porque um parlamento nacional atua por conta de credores britânicos e holandeses ao invés de fazê-lo no interesse do seu próprio país?
08/Abril/2011
Notas
1. Ambrose Evans-Pritchard, "Greece defies Europe as EMU crisis turns deadly serious," The Telegraph (UK ), December 18, 2009.
2. Kerin Hope, "Greeks adopt 'won't pay' attitude," Financial Times, March 10, 2011.
3. Olivier Besancenot and Pierre-François Grond, "The Greek People are the Victims of an Extortion Racket," Le Monde, May 14, 2010.
4. Ireland 's winter of discontent, Financial Times editorial, March 1, 2011.
5. Yves Smith, "Will Ireland Threaten to Default?" Naked Capitalism, March 15, 2011.
6. "Banks 1, Portugal 0," Financial Times editorial, April 7, 2011.
O original, em ingles, encontra-se em: The Economic Crisis in Iceland: “IMF Medicine” is not Solution
Esta tradução encontra-se em: Resistir
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