3/11/2011,
*MK Bhadrakumar, Indian
Punchline
Traduzido
pelo Coletivo da Vila
Vudu
Ainda
não se conhece, longe disso, a última palavra sobre a desastrada intervenção
ocidental na Líbia. Quem suporia que um dos primeiros altos dignitários do
planeta a viajar até Trípoli para saudar o novo governo lá instalado à força
pela OTAN, e a oferecer sua amizade eterna, seria o ministro de Relações
Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi? Que magnífica ironia! Barack Obama sai de
cena pela porta dos fundos, e Salehi entra pelo tapete vermelho.
Por
outro lado, o principal partido de oposição na Turquia, CHP (fundado por Kemal
Ataturk) alerta para o risco de a Primavera Árabe “dar frutos islamistas”.
Mas
as lições aprendidas do atentado ocidental contra a Líbia já são bem visíveis no
‘endurecimento’ da política regional russa para o Oriente Médio. Dito bem
claramente, a Rússia ‘dormiu no ponto’ na questão líbia (o que soa
incompreensível, se se conhecem os fantásticos ‘orientalistas’ russos e seus
ricos recursos intelectuais no campo da história e da política daquela
região).
Fato é que o ministro das Relações Exteriores da Rússia
está outra vez ao volante e se vê hoje bem claramente em Moscou uma firme
decisão de impedir que ‘a Líbia’ repita-se em outros pontos do Oriente Médio. O
modo como o ministro russo das Relações Exteriores Sergey Lavrov falou sobre a
Síria – “a Rússia não permitirá que coisa semelhante volte algum dia a
acontecer” [1]– e o local de onde falou – em
Abu Dhabi – exigem atenção.
A Rússia preocupa-se com o risco de a intervenção da
OTAN na Líbia ter impacto sobre todo o sistema internacional. Por isso, a Rússia
trabalha para bloquear todos os movimentos dos EUA que visem a criar pretextos
novos para agir novamente, dessa vez contra o Irã. A Rússia também agiu
firmemente para fazer gorar o movimento, dos EUA e aliados, que tentavam criar
uma arquitetura de segurança regional nas regiões da Ásia Central e Sul da Ásia,
que pudesse ser usada como instrumento para interferir nas questões
regionais. [2] Os russos
também veem com suspeitas todo o projeto “Grande Oriente Médio” de
EUA-OTAN.
Significa
alguma confrontação ao estilo de guerra fria, com os EUA? Não. Longe disso. As
políticas russas no Oriente Médio visam a ampliar sua rede e a expandir sua
influência, criando empatia e desenvolvendo o entendimento mútuo, identificando
e insistindo nos pontos de convergência, com vistas a construir novos e
duradouros princípios de cooperação – em vez de os contatos definirem-se por
‘blocos’.
Por
isso, o primeiro “Diálogo Estratégico” em nível ministerial com os países do
Conselho de Cooperação do Golfo é mais uma iniciativa brilhante. Lavrov está
chamando a atenção, com sucesso, para o fato de que os estados do Conselho de
Cooperação do Golfo têm afinidades provavelmente muito maiores com a Rússia, em
várias questões candentes – a Primavera Árabe, o mundo multipolar, a questão
palestina, dentre outras –, do que com seus tradicionais grandes aliados, os
EUA.
O
que levou a Rússia a procurar o Conselho de Cooperação do Golfo? O comércio e os
investimentos, sem dúvida, são o motivo principal. A Rússia quer beneficiar-se
do movimento dos estados reunidos no Conselho de Cooperação do Golfo, que buscam
novos parceiros na vazante da crise financeira global. Lavrov salientou várias
vezes que os laços com o mundo islâmico são prioridade na política exterior
russa. Já deixou alinhavada uma abordagem comum, na questão da Primavera
Árabe:
“Por
mais agudos que sejam, problemas domésticos podem e devem ser resolvidos por via
pacífica, em diálogo nacional que reúna todos os grupos políticos, étnicos e
religiosos e movimentos sociais. Em todas essas abordagens, a ajuda externa deve
ser considerada bem-vinda, e levada a efeito com máxima responsabilidade,
considerando sempre as reais necessidades e interesses dos cidadãos dos estados
do Oriente Médio e norte da África. O Conselho de Segurança da ONU deve tomar
decisões baseadas em fatos, em estrito respeito à legislação internacional. E
essas resoluções devem ser cumpridas estritamente, sem qualquer tipo de
desvio.”
É
posição, pode-se dizer, bem próxima da posição da Índia.
Por
falar nisso, Damasco já fez saber à Liga Árabe que apreciará que representantes
do Brasil, da China e da Índia sejam convidados a participar do diálogo nacional
com a oposição síria.
Notas
dos tradutores
[1]
“A
posição russa já apareceu manifesta no projeto de Resolução que Rússia e China
apresentaram ao Conselho de Segurança da ONU, que visa a construir solução
pacífica para o conflito sírio, sem interferência externa, baseado num amplo
diálogo nacional, do qual participem todas as forças responsáveis da Síria.
(...) A Rússia não permitirá que o que aconteceu na Líbia volte a acontecer.
Repito: a Rússia não apóia regimes, apoiamos a lei internacional. Não apoiamos o
regime do coronel Gaddafi, falamos a favor da iniciativa da União Africana a
qual, infelizmente, foi ignorada e rejeitada por vários importantes membros da
OTAN. Aproveitaram de um mandado do Conselho de Segurança da ONU e serviram-se
dele para implantar solução militar, operação que custou dezenas de milhares de
vidas de civis.” (1/11/2011, Sergey Lavrov, Primeiro
Encontro Ministerial do Diálogo Estratégico entre Rússia e o Conselho de
Cooperação do Golfo, Conferência de Imprensa, Abu Dhabi, na íntegra (em
inglês).
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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