Gareth Porter |
16/12/2011, Gareth
Porter, InterPress
Services (de
Washington)
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
O secretário de
Defesa Leon Panetta, para quem a saída dos soldados dos EUA do Iraque seria item
de uma história de sucesso militar dos EUA, deixa de lado o fato de que o
governo George W. Bush e o Pentágono haviam planejado manter presença militar
semipermanente no Iraque.
A verdadeira
história por trás da retirada dos norte-americanos é outra. Sucesso, sim, mas de
uma inteligente estratégia de simulação e diplomacia, posta em prática pelo
primeiro-ministro Nuri al-Maliki em cooperação com o Irã. Esses, sim, passaram a
perna em Bush e no Pentágono e conseguiram que os EUA assinassem o tratado
EUA-Iraque, de retirada das tropas.
Ex-presidente George W. Bush e o
Primeiro-Ministro Nuri AL-Maliki em Bagdá, dezembro de
2008
|
Elemento central
da estratégia Maliki-Irã foi o interesse que Maliki, o Irã e o clérigo
furiosamente antiamericano Moqtada al-Sadr partilhavam, de pôr fim à ocupação
norte-americana no Iraque, apesar das muitas diferenças que há entre esses três,
em outros assuntos. Para governar, Maliki precisava do apoio de Sadr; e Sadr
condicionou seu apoio, desde o início, ao cumprimento da promessa que Maliki lhe
fez, de que arrancaria dos EUA um cronograma para completa retirada dos
norte-americanos do Iraque.
No início de junho
de 2006, um primeiro esboço de plano de reconciliação nacional que circulava
entre grupos políticos iraquianos incluía, como um dos itens “um cronograma para
tirar os norte-americanos do Iraque”, e a recriação das forças militares. Depois
de rápida visita a Bagdá, Bush rejeitou o item sobre o cronograma para a
retirada.
Mowaffak
Al-Rubaei, conselheiro de segurança nacional de Maliki revelou, em coluna
publicada no Washington Post,
que Maliki queria redução de mais de 30 mil soldados, para menos de 100 mil, já
no final de 2006; e “retirada completa de todas as tropas remanescentes” ao
final de 2007.
Quando, contudo, o
texto integral do plano de reconciliação nacional no Iraque foi publicado, em
25/6/2006, o item sobre o cronograma para retirada completa não aparecia no
documento.
Em junho de 2007,
altos funcionários do governo Bush começaram a “vazar” comentários para
jornalistas, sobre projetos para manter no Iraque o que o New York Times batizou de “presença quase-permanente”,
incluindo pleno controle sobre quatro grandes bases militares.
Maliki
imediatamente despachou para Washington seu ministro de Relações Exteriores,
Hoshyar Zebari, para lançar a isca de um acordo sobre tropas ao então
vice-presidente Dick Cheney.
Como Linda
Robinson contou em Tell Me How This
Ends [1], Zebari sugeriu que Cheney começasse a
negociar a presença militar dos EUA, para reduzir os riscos de uma retirada
abrupta, que poderia vir a ser, para o Irã, como presente caído do céu.
Em
reunião com a então secretária de Estado Condoleezza Rice em setembro de 2007,
Rubaie, Conselheiro Nacional de Segurança do Iraque, disse que Maliki desejava
um “Acordo do Estado das Tropas” [ing.
Status of Forces Agreement, SOFA] que admitisse a permanência das
tropas dos EUA, mas “eliminasse os fatores de atrito que parecem ser violações
da soberania iraquiana” (segundo Bob Woodward, em Plano de ataque [Rio de Janeiro: Globo, trad.
Cid Knipel, s/d. Orig.
The War Within: A Secret White House History 2006-2008,
2008]).
O Conselheiro de
Segurança Nacional de Maliki também trabalhava para proteger o Exército Mahdi contra os EUA, cujos militares já falavam de
ataques massivos contra as milícias de Sadr. Em encontro com o coordenador de
Bush para a Guerra do Iraque, Douglas Lute, Rubaie disse que seria melhor para
as forças de segurança iraquianas encarregarem-se elas mesmas de atacar as
milícias do clérigo Sadr, do que para as Forças Especiais dos EUA.
Explicou à
Comissão Baker-Hamilton que o fato de Sadr comandar forças militares não era
problema para Maliki, porque o clérigo e seus sadristas já faziam parte do
governo.
Publicamente, o
governo de Maliki continuou a garantir ao governo Bush que, sim, os EUA podiam
continuar contando com presença militar de longo prazo no Iraque. Perguntado por
Richard Engel da rede NBC dia 24/1/2008, se o acordo asseguraria que as bases
militares dos EUA fossem mantidas no Iraque, Zebari respondeu: “Esse é acordo
para assegurar apoio militar duradouro. Os soldados têm de ficar em algum lugar.
Não podem morar na rua.”
Certo de que
arrancaria dos iraquianos um acordo
SOFA à moda da Coreia do
Sul, o governo Bush entregou ao governo do Iraque, dia 7/3/2008, um esboço de
acordo no qual não havia nenhuma limitação ao número de soldados dos EUA no
Iraque nem ao tempo de permanência deles no país. E o Iraque tampouco teria
qualquer tipo de controle sobre as operações militares dos EUA.
Mas Maliki tinha
uma surpresa reservada para Washington.
Uma série de
movimentos dramáticos executados por Maliki e Irã ao longo dos meses seguintes
mostrou que havia acordo já construído entre os dois governos para impedir que
os militares dos EUA atacassem o Exército
Mahdi e para concluir um
acordo com Sadr, que aceitara extinguir seu Exército Mahdi, em troca da garantia de que
Maliki obteria a completa retirada, do Iraque, de todas as forças dos EUA.
Em meados de março
de 2007, Maliki ignorou a pressão de uma visita pessoal do vice-presidente
Cheney, que exigia que o Iraque participasse de ação contra o Exército Mahdi; e, não satisfeito, vetou
inesperadamente os planos dos EUA para aquela grande ação militar contra o mesmo
Exército Mahdi, em Basra. Maliki
ordenou então que o exército do Iraque atacasse os sadristas.
Como se poderia
prever que aconteceria e aconteceu, a operação em Basra não foi bem-sucedida. E
os militares iraquianos pediram a intervenção do general Suleimani, comandante
da Força Quds do Corpo de Guardas Revolucionários da Revolução Islâmica: queriam
que o Irã interviesse e negociasse um cessar-fogo com o Exército Mahdi,
de Sadr. Assim aconteceu. Sadr aceitou o cessar-fogo, embora suas milícias
estivessem longe de ser derrotadas.
Mais algumas
semanas, e Maliki pela segunda vez impediu que os EUA lançassem ataque ainda
maior contra o Exército Mahdi,
dessa vez contra a cidade de Sadr. E outra vez Suleimani foi chamado para
negociar um acordo com Sadr, que permitiu que tropas do governo do Iraque
patrulhassem a área do ex-quartel-general do ExércitoMahdi.
Havia um subtexto
nas intervenções de Suleimani. Enquanto Suleimani negociava o cessar-fogo com
Sadr em Basra, um website controlado por Mohsen Rezai, ex-comandante
do Corpo de Guardas Revolucionários da Revolução Islâmica, publicava comentário
em que se lia que “o Irã opõe-se a iniciativas dos clãs linha-dura”, iniciativas
que “só enfraquecem o governo e o povo do Iraque e oferecem pretexto para as
forças de ocupação”.
Nos dias
imediatamente posteriores àquele acordo, a mídia estatal iraniana apresentou o
ataque dos soldados iraquianos em Basra como ataque a milícias ilegais e
“criminosas”.
O timing de cada um desses movimentos políticos e
diplomáticos executados por Maliki parece ter sido determinado em reuniões entre
Maliki e altos funcionários do governo do Irã.
Apenas dois dias
depois de voltar de uma visita a Teerã, em junho de 2008, Maliki reclamou
publicamente das exigências dos EUA que continuavam a insistir, querendo obter
acesso ilimitado a bases militares, controle do espaço aéreo iraquiano e
imunidade para soldados e mercenários que atuavam no Iraque associados aos
EUA.
Em julho, Maliki
revelou que o governo do Iraque exigira completa retirada de todos os soldados
norte-americanos do Iraque, conforme cronograma. O governo Bush entrou em estado
de choque.
De julho a
outubro, o governo Bush fingiu que poderia simplesmente se recusar a retirar-se
do Iraque. Simultaneamente, tentava freneticamente forçar Maliki a voltar
atrás.
Até que, afinal, o
governo Bush deu-se conta de que o candidato Democrata à presidência, Barack
Obama, que disparava nas pesquisas à frente do candidato Republicano John
McCain, assinaria qualquer acordo para que os EUA saíssem do Iraque, e quanto
mais rapidamente, melhor. Em outubro, Bush decidiu assinar a primeira versão do
acordo de retirada, pelo qual os EUA estariam fora do Iraque até o final de
2011.
Os
ambiciosos planos dos militares dos EUA, de usar o Iraque para dominar o Oriente
Médio militarmente e politicamente, foram derrotados pelo governo que os
próprios EUA implantaram a ferro e fogo no Iraque; e ninguém, nem entre os
estrategistas nem na inteligência nem entre os políticos ou na imprensa nos EUA
sequer suspeitou do que estava em andamento. Até que já fosse tarde
demais.
Nota dos tradutores
[1] ROBINSON, Linda, 2008,
Tell Me How This Ends General David Petraeus and the Search for a Way
Out of Iraq [Diga-me como isso acaba. Gen. Petraeus e a
busca por um modo de sair do Iraque]. NY: Public
Affairs.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.