20/12/2011, *MK Bhadrakumar, Indian
Punchline
Traduzido
pelo Coletivo da Vila
Vudu
A
matéria “exclusiva” da Agência Reuters [1] sobre contatos
secretos entre os EUA e os Talibã é, sem dúvida, sensacional. Raras vezes o
tabuleiro afegão foi tão claramente “desmitificado”. Serão os EUA, agora,
“transparentes”? Uma nova abordagem? Porque tampouco os EUA jamais antes
“revelaram” tanto de sua própria política regional, de modo tão explícito.
Jamais tampouco se viram intenções de “processo de paz”, depois de guerra tão
brutal, manifestas com tal sinceridade de intenções, com tantos bons propósitos,
com tal generosidade em relação ao “inimigo”.
Que chances há de
alguma coisa do que a Reuters publica hoje “com exclusividade” ser verdade?
Pergunto sobre as
intenções que haja por trás de tantas declarações proferidas por militares
norte-americanos identificáveis, falando todos, em fila, um depois do outro, em
momento crucial de definição da guerra do Afeganistão. E escolhem logo, para
divulgar toda aquela sinceridade e transparência, uma agência de notícias que
tem leitores em todo o planeta, fazendo-a porta-voz daquelas “revelações”.
O que pode ter
empurrado, para tamanha exposição, aqueles “militares norte-americanos de alto
escalão”?
Comecemos pela
“revelação” – que tem de simples o que pode ter de falsa: os EUA estariam
trabalhando num “processo de paz” com os Talibã, com as conversações já bem
adiantadas. E esses esforços alcançaram um ponto crítico, com boas chances de
progressos consistentes; embora também tudo possa vir abaixo num segundo.
Quanto aos
motivos: os funcionários dos EUA falam ali para vários públicos. Há o público
doméstico no país – os norte-americanos cansados daquela guerra e que já não
vêem sentido algum em continuar no Afeganistão. Esses lêem, em matéria publicada
pela Reuters, que o governo Obama empenha-se muito em pôr fim à guerra e avança
palmo a palmo, com denodo, rumo ao fim do túnel.
Assim sendo, que
ninguém culpe o governo Obama se, apesar do esforço, a tentativa der em nada,
por causa da intransigência dos Talibã. O mais importante de tudo: se, por
acaso, a guerra prosseguir, e os EUA chegarem ainda em guerra ao ano da crucial
(re)eleição presidencial de 2012, não terá sido por decisão do
presidente-candidato Obama, mas por imperiosa necessidade.
Obviamente, a lei
sobre Guantánamo torna urgente alguma definição sobre o estatuto daqueles
prisioneiros, antes que Obama sancione lei. Aqueles prisioneiros são lixo. Por
que não se livrar deles e, de quebra, ainda extrair do lixo algum lucro
político?
Muito espertos.
Sobretudo se a transferência dos prisioneiros para a custódia de Karzai puder
ser apresentada como “movimento de cortesia” dirigido aos Talibã.
A mensagem visa
também os afegãos, especialmente o presidente Hamid Karzai, para que saiba que o
nível de exasperação em Washington está alto; que, com ou sem o aval de Kabul,
os EUA estão fazendo avançar sua própria agenda; e que já acumularam massa
crítica.
Claro que é também
mensagem para o Paquistão e para toda a região, os quais, depois dessa
“notícia”, terão de começar a pensar sobre as intenções dos EUA no
pós-2014.
O momento das
“revelações” também é interessante:
a) Obama tem de
dar respostas políticas “em casa”;
b) Washington está
irritada com Karzai;
c) os EUA estão
inseguros quanto às intenções dos Talibã;
d) o Paquistão
entrou em modo de “desafio estratégico”; e
e) há oposição
regional às bases militares dos EUA no Afeganistão.
A parte intrigante
é que governos só “divulgam” sua diplomacia mais top secret quando, de fato, a confidencialidade
deixou de ser interessante. Os funcionários do governo dos EUA que fizeram
“revelações” à Agência Reuters admitiram publicamente que Washington desistiu de
quaisquer “pré-condições” no relacionamento com os Talibã (que desistiu de
todas, fossem quais fossem: que tenham de obedecer à Constituição afegã, que
tenham de separar-se da al-Qaeda etc.); e admitiram que os Haqqanis também são
muito bem-vindos ao grupo.
A grande pergunta
é se as “revelações” sugerem que estaria aparecendo pensamento novo, com vistas
ao cenário do pós-2014. Pelo que se pode ver, os EUA começam a considerar uma
era pós-Karzai. Querem mostrar que aprenderão a conviver com um Afeganistão
comandado pelos Talibã. Mas... e por quê os Talibã engoliriam tudo isso?
Como
se poderia adivinhar que fariam, os Talibã imediatamente desmentiram tudo
[2] e deram as
costas à abertura proposta pelos EUA.
Pode
não ser a última palavra dos Talibã.
Notas dos tradutores
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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