Pepe Escobar |
21/12/2011, Pepe Escobar,
Asia Times Online
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Ver
também
5/9/2011, Pepe Escobar: “O Amado Líder e o Oleodutostão” (Asia Times Online) em
português.
Estão abertas as
apostas sobre qual o maior acontecimento de 2011. O(s) Despertar(es) Árabe(s)? A
contrarrevolução árabe, desencadeada pela Casa de Saud? As “dores do parto” do
Oriente Médio Expandido, já remixado para mudanças seriais de regimes? A
R2P (“responsabilidade de proteger”) usada para legitimar bombardeio
“humanitário”? Ou o congelamento do “reset” entre EUA e Rússia? Ou a
morte da al-Qaeda? Ou o eurodesastre? Ou os EUA anunciando um “século [do
oceano]Pacífico” cum Neo Guerra Fria, agora contra a China? Ou, talvez, o
ataque que os EUA preparam-se para lançar contra o Irã? (mas esse, de fato,
começou antes, com Jorge Dábliu, Dick e Rummy, há eras...).
Mapa da Eurasia |
Por baixo de todas
essas tramas interligadas – e a histeria correspondente das manchetes, em estilo
Guerra Fria –, há um fluxo pulsante, sem fim, que flui sem parar: o
Óleo-gasodutostão. Esse é o tabuleiro no qual se disputa a guerra-gêmea,
semioculta, da “longa guerra” do Pentágono. Todos os atuais eventos e
desenvolvimentos geopolíticos têm a ver com energia. Assim sendo, apertem os
cintos! É hora de revisitar o “grande tabuleiro de xadrez” do Dr. Zbigniew
Brzezinski na Eurásia, para descobrir quem está vencendo as guerras do
Óleo-gasodutostão.
Conseguiram ingressos para a
ópera?
Comecemos com Nabucco [1] (a ópera do gás). Nabucco é,
sobretudo, uma jogada chave de ataque, estratégica, que está sendo jogada pelo
ocidente: trata-se de fazer chegar à Europa o gás do Mar Cáspio. Executivos de
energia falam de “abrir o Corredor Sul” (do gás). O problema é que esse
“Abre-te, sésamo” só funcionará se for alimentado por um tsunami de gás que tem
de vir de dois “-stões” crucialmente importantes: Turcomenistão e
Azerbaijão.
Nabbuco, com seus
3.900km de extensão, atravessa cinco países – Áustria, Bulgária, Hungria,
Romenia e Turquia – e pode vir a custar assombrosos 26 bilhões de euros (US$33,7
bilhões) [1].
A construção –
sempre adiada – deve começar em 2013. Hoje, de fato, tudo está reduzido à
confusão a mais completa. Ninguém sabe sobre preços, nem detalhes dos direitos
de passagem pelos vários países. A Turquia quer revender, ela mesma, o gás. E
além do mais, se Baku e Ankara decidirem desenvolver simultaneamente a fase II
[2] dos campos de Shah Deniz no
Azerbaijão para alimentar o gasoduto, precisarão de investimento extra de $20
bilhões.
O
presidente do Turcomenistão, que carrega o espetacular nome de Gurbanguly
Berdymukhamedov, agarra-se a um script que é sua marca registrada (podem
ouvi-lo cantar “For
You, My White Flower”, de sua autoria). Sempre repete que as muitas propostas
da União Europeia “serão analisadas” e que a cooperação com os europeus é
“prioridade estratégica” de sua política externa. Mas o Santo Graal que a União
Europeia busca – acordo assinado para obter o gás – parece mais distante, a cada
dia. Na Rússia e também no Azerbaijão, muitos apostam que o acordo jamais será
assinado.
Nosso Gurbanguly,
operador político esperto que é, antes preferirá pôs seus ovos numa cesta
chinesa – em vez de deixá-los rolar naquelas terras distantes e atordoadas pelo
euro e suas complicações. Por isso o Azerbaijão vive de tirar o corpo ante
qualquer compromisso, ao mesmo tempo em que finge que estuda propostas.
Gurbanguly sabe melhor que ninguém que, para os europeus, Nabucco é a via pela
qual se pode livrar (pelo menos um pouco) das garras da Gazprom russa. Ao mesmo
tempo, dá tratos à bola para descobrir meios para maximizar seus lucros
chineses, sem antagonizar a Rússia.
Toda a burocracia
europeia que mereça a (má) fama que tem apoia o Projeto Nabucco [3], principalmente uma faminta
Comissão Europeia (CE) – o ramo da União Europeia mais infestado de executivos
de altíssimos salários. A prioridade estratégica matar-ou-morrer da Comissão
Europeia é ligar o porto de Turkmenbashi, no Turcomenistão, à península
Absheron, no Azerbaijão por um oleo-gasoduto trans-Cáspio (orig.
Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP)) [4]. Os dois portos são muito próximos.
Fiz a viagem num cargueiro infestado de azerbaijoneses movidos a vodka, em menos
de 12 horas.
Mas como fazer
acontecer? Moscou fechou todas as torneiras do gás do Azerbaijão. A Gazprom
confiscou todo o surplus de gás do Turcomenistão. A única opção seria o
Irã. E quem informará disso o Senado dos EUA – que já declarou guerra econômica
[5] ao Irã?
TAPI
já!
É preciso voltar ao
AfPak. Ninguém, nem as divindades que regem o Hindu Kush sabem se, algum dia,
serão finalmente concluídos os 1.735 quilômetros do
óleo-gasoduto TAPI (Turcomenistão-Afeganistão- Paquistão-Índia), que já
custou $7,6 bilhões (e a cada dia mais custa).
Para Bayramgeldy
Nedirov, ministro de petróleo e gás do Turcomenistão, “não há qualquer dúvida de
que [o Projeto TAPI] será realizado.” [6] Paquistão e Índia – depois de
longuíssimas idas e vindas – afinal chegaram a um acordo sobre preços. Cerca de
1/3 do óleo-gasoduto será financiado pelo Banco de Desenvolvimento Asiático
[ing. Asian Development Bank] com sede nas Filipinas – dado que
Afeganistão e Paquistão estão quebrados.
Imaginem uma
serpente de aço que avança pelo oeste do Afeganistão rumo a Herat, desvia para o
sul (enterrado, para evitar ataques terroristas) paralelo à estrada
Herat-Kandahar, depois volta via Quetta – terra do El Supremo dos Talibã, mulá
Omar – até Multan no Paquistão e chega afinal a Fazilka, litoral do Índico.
Citando Sam Spade em
Falcão Maltês, “Desse material são feitos os sonhos”, desde o governo
Bill Clinton, muito antes do 11/9, e da hoje já virtualmente extinta GWOT
[global war on terror, guerra global ao terror]. Os mais cínicos podem
ver aí uma “república de gás”, o Turcomenistão – dona da quarta maior reserva
mundial – saindo-se muito melhor no trabalho de promover o desenvolvimento e a
segurança no Afeganistão, que 100 mil soldados dos EUA.
O gás para o óleo-gasoduto TAPI virá do novo campo do Yolotã Sul-Osman – que já abastece a
China (segundo os auditores britânicos Gaffney, Cline & Associates, é o
segundo maior campo de gás do mundo [7], menor, só que o campo de Pars Sul,
no Irã). Nosso Gurbanguly, aliás, já assinou decreto que muda o nome do campo de
gás para Galkynys – palavra em idioma turcomeno para “Renascimento”. Afinal de
contas, o reino de Gurbanguly é conhecido também pelo codinome “Tempos de Novo
Renascimento e Grandes Transformações”. Essas “transformações” nada têm a ver
com o(s) Despertar(es) Árabe(s).
Aqui se vê mais um
gambito esperto jogado por nosso Gurbanguly. Ele mantém uma porta aberta para o
projeto Nabucco, ao liberar o gás do campo Dauletabad no sul do Turcomenistão,
por um gasoduto doméstico, até o Mar Cáspio e daí até o OH! Sempre Fugidio
óleo-gasoduto Trans-Cáspio (orig. Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP)). Até
os (saborosíssimos) esturjões do Cáspio sabem que, sem um óleo-gasoduto
Trans-Cáspio, o projeto Nabucco chegará já morto ao
hospital.
Há pelo menos um
ano, nosso Gurbanguly repete, a todos os diplomatas e altos executivos do
petróleo que apareçam, que rejeita a interferência da Rússia na estratégia
turcomena para o gás. [8] Mas,
parece, esqueceu de contar aos russos.
O presidente Dmitri
Medvedev da Rússia visitou, sim, Ashgabat – a Las Vegas da Ásia Central – para
discutir negócios [9]. E lá, numa
jogada arriscada, a Gazprom, de repente, declarou amor eterno ao TAPI! Vejam só!
Os EUA sonham com o TAPI desde 1996... E agora, a rival Gazprom abocanha o
negócio inteiro! Ninguém soube o que Medvedev ofereceu a Gurbanguly, para
tirar-lhe da cabeça os sonhos de louis
vuittons falsificadas. Provavelmente, nada. Voltaremos a isso, num
minuto.
O concorrente direto
do óleo-gasoduto TAPI é o óleo-gasoduto IPI – Irã-Paquistão-Índia (a Índia,
pressionada pelos EUA, já praticamente desistiu); a China está a um passo de
gritar “truco!” e converter a coisa em óleo-gasoduto IPC – Irã-Paquistão-China.
E querem saber? A Gazprom agora também quer entrar na dança Irã-Paquistão [10], ao lado da CNPC chinesa! O trecho
iraniano do óleo-gasoduto está praticamente pronto. O trecho paquistanês começa
a ser construído no início de 2012. Mais um movimento de mestre enxadrista
russo. E Washington nem viu o que podia estar vindo. E
veio.
Qualquer matriochca
de madeira sabe o que Moscou não quer que aconteça: que o capítulo afegão do
Império de Bases Militares dos EUA algum dia venha à luz. E há a questão da
mudança de regime na Síria (com o fim implícito do direito de a Frota Russa no
Mar Negro usar o porto de Tartus). Há os avanços da OTAN no Mar Negro. Há a
sempre crescente (pelo menos, na retórica) parede de mísseis de defesa dos EUA.
E há a aposta dos EUA, de que repenetrarão na Ásia Central pela “Nova Rota da
Seda” [11].
A Northern
Distribution Network (NDN), montada pelos EUA, pelo menos formalmente, só está
abastecendo soldados dos EUA e da OTAN no Afeganistão porque recebeu autorização
dos russos [12]. Essa linha de
abastecimento é uma trilha quase infinita que atravessa a Eurásia, inclusive o
Uzbequistão – cuja ditadura sanguinária a secretária de Estado dos EUA Hillary
Clinton elogiou como “politicamente progressista” – e o Tadjiquistão. Não se
pode dizer que forçar demais os russos seja estratégia exatamente
vencedora.
Moscou vê também que
Washington antagonizou virtualmente todos os grupos e forças, no Paquistão – com
a “guerra dos drones”, ativos praticamente em tempo integral; com
violações da soberania do Paquistão, também em tempo integral; com tão tolas
quanto repetidas ameaças de “invadir” e “capturar o arsenal nuclear de vocês”.
Para Washington, prioridade é fazer Islamabad atacar os Talibã-no-Paquistão no
Baloquistão e, assim, envolver-se rapidamente numa guerra civil contra, não só
os pashtuns, mas também os baloques. Dado que, agora, Moscou – e Pequim –
supervisionam o campo de batalha, podem deixar correr o tempo, bebericando chá
verde.
Quando ex-vermelhos se
enfurecem
A entente
russo-chinesa não é exatamente um pas-de-deux do Balê
Bolshoi.
A Rússia quer vender
gás à China por $400/mil metros cúbicos, o mesmo preço que cobra da Europa. O
esperto turcomeno cobra só $250 dos chineses. Pequim já gastou 4 bilhões de
dólares no Yolotã Sul (e continua a gastar); querem todo o gás que consigam,
para abastecer o muitíssimo bem-sucedido gasoduto
Turcomenistão-Uzbequistão- Cazaquistão-China (que os chineses construíram) e
que já está operante há dois anos recém completados [13]. Pequim é insaciável: a CNPC, a
gigante chinesa do petróleo, quer estar importando nada menos que cinco vezes o
que hoje importa da Ásia Central, à altura de 2015 [14].
Isso significa que,
para a China, o potencial negócio de $1 trilhão, de 30 anos, com a Rússia pode
não ser tão indispensável [15]. A
estratégia da Gazprom resume-se a dois gasodutos da Sibéria à China. Para a
Rússia, é absolutamente essencial, em termos de extrair dinheiro da Sibéria. As
ramificações geopolíticas são imensas. Um cordão umbilical de aço entre Rússia e
China pode ser interpretado na Europa – refém virtual da Gazprom – como, talvez,
um sinal de que a Europa precisa mais do que nunca do Irã. Ao mesmo tempo, a
Rússia continua extremamente desconfortável com o massacre energético que a
China inflige a toda a Ásia Central.
Em
super-resumo, eis o que pensa Pequim: não pagaremos os preços que a Europa paga
pelo gás do Turcomenistão. E não queremos um oleo-gasoduto trans-Cáspio (orig.
Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP)) [4] até a Europa. Nem a China, nem a
Rússia, nem o Irã – ninguém, exceto a OTAN – quer o TCGP [16].
Com o quê logo se vê
que os turcomenos podem vender gás à China e ao Irã. Podem vender, até, para o
sul da Ásia, via TAPI (afinal de contas, a Gazprom russa já entrou na dança).
Mas os turcomenos não conseguirão vender gás para a Europa – onde a Gazprom
reina. Ninguém entende como o nosso Gurbanguly conseguiu perceber
isso.
Vem aí o Czar do
Gás!
Examine-se a coisa
toda por seja qual for o lado, é impossível fugir à sensação de que o Czar do
Gas-oleodutostão é Vladimir Putin (e, como o Exterminador, lá estará ele, de
volta, em março de 2012, como Presidente da Rússia, queiram ou não queiram os
EUA). Afinal, a Rússia produz mais petróleo que a Arábia Saudita (pelo menos,
até 2015 [17]) e tem as maiores
reservas conhecidas no planeta de gás natural. Cerca de 40% de todo o dinheiro
do Estado russo vem do petróleo e do gás.
O plano de Putin é
enganadoramente simples: a Gazprom “invade” a Europa Ocidental e neutraliza a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Prova 1: O óleo-gasoduto Nord Stream [aprox.
“Linha Norte”], de $12 bilhões e 1.224km de extensão, construído conforme
exigências de preservação ambiental extraordinariamente rigorosas, que começou a
ser construído em setembro passado. É gás que vem da Sibéria, atravessa o
subsolo do Mar Báltico, contorna a problemática Ucrânia, e chega diretamente à
Alemanha, Grã-Bretanha , Países Baixos, França, Bélgica, Dinamarca e República
Tcheca (10% de todo o consumo anual de gás da União Europeia, ou um terço de
todo o gás que a China consome hoje). O presidente do Consórcio de empresas que
está construindo o óleo-gasoduto Nord
Stream é o ex-chanceler alemão, Gerhard
Schroeder.
Prova 2: O óleo-gasoduto South Stream [aprox. “Linha Sul”] (o
acordo entre os acionistas já foi assinado entre Rússia, Alemanha, França e
Itália). É gás russo levado pelo subsolo do Mar Negro até a parte sul da União
Europeia, através da Bulgária, Sérvia, Hungria e Eslováquia. Parte essencial de
toda a negociação foram os bons tempos que Putin passou ao lado de seu íntimo
amigo, o ex-primeiro-ministro da Itália Silvio “bunga bunga”
Berlusconi.
Quando o
óleo-gasoduto Nord Stream saiu do
papel e começou a ser construído, Washington literalmente enlouqueceu. Não só
porque o Nord Stream redesenhou toda
a configuração energética da Europa; também porque forjou uma aliança
estratégica indestrutível entre Alemanha e Rússia. Putin, melhor que ninguém,
sabe o quando os governos podem ser engessados por tubos de aço que transportam
gás e petróleo.
E South Stream também está enlouquecendo
Washington, porque põe a nocaute o Projeto Nabucco e é muito mais barato. Quem
queira causa para batalhas geopolíticas e geoeconômicas não encontrará
melhor.
Para Washington –
alarmada com o que os alemães chamaram deliciosamente de “parceria para
modernização” com a Rússia – restou a tarefa de promover a “resistência”
europeia contra o massacre pela Gazprom, como se a Alemanha fosse o Parque
Zucotti; e a Rússia, a Polícia Municipal de New York. Mais uma vez aqui, vê-se o
óleo-gasodutostão misturado a reverberações políticas.
Por exemplo:
Alemanha e Itália são totalmente contrárias à expansão da OTAN. Por quê? Por
causa de Stream Norte e Stream Sul. A formidável máquina
exportadora alemã é movida por energia russa; a frase bem poderia ser “Ponha uma
Gazprom no meu Audi”.
Como observou
William Engdahl, autor do seminal A
Century of War: Anglo-American Oil Politics in the New World Order, “Nord
Stream e South Stream estão
posicionados para ultrapassarem o espaço da segurança energética mundial que
existe hoje e coreografarem juntos uma nova dinâmica de poder no coração da
Europa.” [18]
O mapa
do caminho de Putin é o documento assinado por ele, “A new integration project for Eurasia:
The future in the making” [Um novo projeto de integração para a Eurásia: o
futuro da humanidade], publicado no jornal Izvestiano início de outubro [19] . Pode ser desqualificado como
megalomania, mas também pode ser lido como um ippon [3] – Putin adora judô – contra a OTAN,
o Fundo Monetário Internacional e o
neoliberalismo.
Sim, o
presidente Nursultan Nazarbayev do “leopardo das neves” Cazaquistão já falava de
uma União Eurasiática desde 1994. Mas Putin esclarece que não se trata de Back In The USSR [4], mas de uma “moderna união econômica
e de moeda” que se estende por toda a Ásia
Central.
Para Putin, a Síria
é só um detalhe: o que realmente conta é a integração eurasiana. Não é supresa,
pois, que os OTANistas tenham tido
chiliques, ante sua sugestão de “uma poderosa união supranacional que pode
converter-se num dos vários polos do mundo contemporâneo, ao mesmo tempo que
opera como eficiente elo de conexão entre a Europa e o dinamismo da Região do
Pacífico Asiático”. Comparem com a “doutrina” do presidente Barack Obama e
Hillary Clinton para “o Pacífico” [20].
Só “integrem” quando
eu mandar!
O cenário está posto
para disputa a murros, nessa intersecção crucial da geopolítica hardcore e o óleo-gasodutostão. A “Nova Rota da
Seda”, sonho de Washington, já é o que se pode chamar de fracasso [21].
Moscou, por sua vez,
quer agora que o Paquistão seja admitido como membro pleno da Organização de
Cooperação de Xangai [ing. Shanghai
Cooperation Organization (SCO) [22]. E a China idem, em relação ao
Irã. Imaginem Rússia, China, Paquistão e Irã coordenando eles mesmos a própria
segurança deles mesmos numa SCO fortalecida, cujo motto é “não alinhamento, nenhum confronto e
nenhuma interferência em assuntos internos de outros países”. “Responsabilidade
para Proteger” é que não é!
Mas dificuldades
abundam. Para a China, a Organização de Cooperação de Xangai é, principalmente,
organização econômica para promover o comércio [23]. Para a Rússia, é, principalmente,
um bloco de segurança [24], que tem
absolutamente de encontrar solução regional para o Afeganistão (que mantém sob
controle os Talibã) e, ao mesmo tempo, tem de pôr fim ao capítulo afegão do
Império de Bases Militares dos EUA.
Com o
óleo-gasodutostão se implantando, com Rússia, Ásia Central e Irã controlando 50%
das reservas mundiais de gás, e com o Irã e o Paquistão já praticamente
integrados como membros da Organização de Cooperação de Xangai, o nome do jogo
passa a ser “Integração da Ásia” – se não da Eurásia. China e Rússia já
coordenam suas políticas exteriores até os mínimos detalhes. O truque é conectar
a China e a Ásia Central com o Sul da Ásia e o Golfo – com a Organização de
Cooperação de Xangai crescendo como usina geradora de força econômica e de
segurança. Paralelamente, o óleo-gasodutostão pode acelerar a plena integração
da Organização de Cooperação de Xangai como contragolpe assestado contra a
OTAN.
Em termos de realpolitik tudo isso faz muito mais sentido que a tal
“Nova Rota da Seda” inventada em Washington. Mas vá explicar isso ao Pentágono,
ou a uma possível bomba iraniana, ou a uma China que se assuste, ou a ao
neo-drone-controlado-por- controle-remoto próximo presidente dos
EUA.
Notas originais do
autor
2. Shah Deniz II Natural Gas Field: What Will Azerbaijan’s Decision Be?
ITGI, Nabucco or TAP?, Turkish Weekly, 18 August 2011.
9. Russia,
Turcomenistão focus on energy cooperation, Caspian problems,
innovation , BSR Russia, 24 October 2010.
11. The United States’
“New Silk Road” Strategy: What is it? Where is it
Headed?, US State Dept, September 29, 2011.
14. Central Asia-China
Gas Pipeline’s Capacity To Nearly Double, Oil and Gas Eurasia, August 29, 2011.
16. China Plans To Buy All Turcomenistão’s Gas To Scuttle Sales To
Europe..., Geofinancial, November 24, 2011.
Notas dos
tradutores
[1]
Nabucco, antes de
dar nome ao gasoduto de que aí se trata, é título de uma ópera de Verdi, escrita
em 1842, durante a ocupação austríaca no norte da Itália, e rica em analogias e
sugestões. Uma das árias de
Nabucco (“Coro dos
Escravos Hebreus” [Va pensiero...
Minha pátria, bela e perdida], do 3º ato), acabou por tornar-se
uma espécie de hino não oficial italiano. Pode ser ouvida, por exemplo, cantada
2011, no Teatro dell'Opera di Roma, com fala-manifesto do maestro Riccardo Muti,
que, no bis, convida o público a cantar com o coro . Ver em: “Um
belo momento de política à italiana”.
[3] Ippon
[judô: “o ponto
completo”]. Há ippon quando um judoca consegue derrubar o
adversário com um golpe perfeito ou o imobiliza, com as costas e ombros no chão,
durante 30 segundos. O
ippon encerra e decide o
combate.
[4]
Lit. “De volta à
URSS” ou “lá atrás [no sentido de ‘atrasado’] na URSS”. É título de uma canção
dos Beatles, do “Álbum Branco”, de 1968. Na letra em inglês, há complexíssimos
jogos semântico-sonoros, com subtextos, quase intraduzíveis ao português:
“Back in the US,
back in the US, back in the USSR” [lit.
“De volta [back in] aos EUA/apoiando [backing] os EUA” [/us
are/ = 'nós estamos'] “De volta à/apoiando a URSS”. Há outros complexos
jogos de sentidos e subsentidos nesse lindo poema dos Beatles, p. ex.: “And
Moscow girls make me sing and shout, That Georgia's always on my my my my my
mi-ind” [As moças de Moscou me fazem cantar e gritar: ‘aquela Georgia sempre
sempre na minha cabeça], no qual ecoa, também “Georgia on my mind”, de 1930,
conhecida em todo o mundo na gravação de Ray Charles, e hino do estado da
Georgia, EUA, palco dos mais duros combates contra o racismo, nos EUA. Essa
constelação de significados muito fortemente condensados é muito expressiva e
nenhuma interpretação/tradução caberia em nota de rodapé. O poema dos Beattles
pode ser lido (e ouvido) em: Back in the U.R.S.S. e, cantado na Praça Vermelha, em Moscou, por
Paul McCartney, em 2008, 40 anos depois da gravação original. Só cabe agradecer
MUITO ao Pepe Escobar pela oportunidade de lembrar-atualizar produtivamente,
criativamente (e complexamente), tudo
isso.
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