terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um belo momento de política à italiana

A mensagem abaixo ajudará a explicar o contexto [recebemos, traduzimos e repassamos. Agradecemos ao Manasseh, palestino, pela dica].
Traduzido e comentado pelo pessoal da Vila Vudu

Riccardo Muti
Inesperado e emocionante, um momento na Opera em Roma (no YouTube, encontram-se vários excertos desse acontecimento).  Dia 12 de março de 2011, Silvio Berlusconi foi obrigado a encarar os fatos. 

A Itália comemorava os 150 anos da unificação nacional, e preparou-se, na Ópera de Roma, uma apresentação especial da ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi, consagrada como obra símbolo daquela unificação, sob a regência de Riccardo Muti.

Nabucco de Verdi é obra musical e manifesto político: evoca um episódio da história dos judeus escravizados na Babilônia e inclui ária famosíssima, “Va pensiero”, em que cantam, em coro, os escravos. Na Itália, essa ária converteu-se em hino de todos os povos e homens e mulheres que lutam pela liberdade. Verdi escreveu nos anos 1840, quando a Itália era parte do império dos Habsburgo e lutava para ver-se constituída como Itália unificada.

Antes da ópera, Gianni Alemanno, prefeito de Roma, subiu ao palco e denunciou cortes no orçamento para a cultura. Já foi surpreendente, dado que Alemanno é membro do partido que está no poder e foi ministro de Berlusconi.

Mas sua intervenção política, num momento em que o público se preparava para assistir obra das mais simbólicas para a Itália, produziria resultado absolutamente inesperado – tanto mais que Sylvio Berlusconi estava presente no teatro.

Em entrevista ao Times, Riccardo Muti, o maestro, conta que viveu uma noite, de fato, revolucionária: “Primeiro, foi uma ovação. Depois, iniciamos a ópera. Tudo ia muito bem, até que chegamos à ária, famosíssima, do coro, em “Va Pensiero”. Senti, imediatamente, que o público ficou tenso. Essas coisas não se explicam. Eu senti que a atmosfera mudara, que o público ficou tenso. Primeiro, estavam todos em silêncio. Mas, de repente, enquanto o coro avançava, cantando, foi-se criando, no ar, uma espécie de fervor. Sentia-se a resposta visceral do público à lamentação dos escravos “Oh, minha terra, tão bela e tão perdida...”

Quando o coro aproximava-se do final, já se ouviam os primeiros gritos de “Bis!” E começaram os gritos de “Viva Itália!” e “Viva Verdi!” O pessoal do “poleiro” [lugares mais altos e mais baratos do teatro] começou a jogar papéis picados – uns gritavam “Muti, senador vitalício!”

Embora já o tivesse feito antes, uma única vez, no La Scala, em Milão, em 1986, Muti não parecia decidido a conceder o “bis” de “Va pensiero”. Para ele, ópera é obra de arte no tempo, tem começo, meio e fim, não pode ser interrompida, nem pode recomeçar. “Achei que não faria sentido algum repetir a ária. Só se se criasse algo novo” – conta ele. – “Dar ao coro, um sentido especial”.

Mas o público já estava tomado. Então o maestro voltou ao seu pódium, mas voltado para o público e para Berlusconi.

O que aconteceu pode ser visto a seguir: [Ouvem-se gritos de “Viva a Itália”]


O maestro Riccardo Muti diz:

“Sim, concordo que “Viva a Itália” [aplausos]. Mas... há mais de 30 anos, viajo pelo mundo. Hoje, como italiano, sinto vergonha pelo que acontece em meu país. Por isso, sim, concordo com que se cante outra vez “Va pensiero”. Não por patriotismo, mas porque hoje, enquanto eu regia o coro que cantava “Oh minha terra, tão bela e tão perdida”, ocorreu-me que, se a Itália continuar como vai, acabaremos por matar a cultura sobre cuja história a Itália foi construída. Então, nossa Itália será realmente “bela e perdida”. [Todos aplaudem, inclusive o coro, no palco; os cantores levantam-se para aplaudir.]”

Muti: “Desde que começou por aqui um “clima italiano”, resolvi calar-me, já há muitos anos. Gostaria que, hoje... Acho que deveríamos dar a esse canto um novo sentido. Afinal, estamos no teatro da capital, é nossa casa. O coro cantou magnificamente, a orquestra esteve perfeita, mas, se vocês concordarem, proponho que todos cantem, que nos unamos nesse canto, que cantemos todos”.

Muti convidou o público a cantar, com o coro, o canto dos escravos, em Nabucco, de Verdi!

“Aquela noite, não vimos apenas a uma apresentação de Nabucco, fizemos uma declaração da Opera de Roma aos políticos italianos” – disse Muti.

Há matéria sobre isso em Repubblica, 13/3/2011, em: Nabucco, bis del pubblico com Muti “Il Va’ pensiero contro i tagli(em italiano).

4 comentários:

  1. parabéns a vila vudu e ao don casthor, é claro.
    foi emocionnte. cheguei às lágrimas.
    abçs
    carlos-fort-ce

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  2. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Um belo momento de manifestação política do povo italiano

    Max

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  3. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)


    Sublime!

    Um povo que não se interessa pela sua cultura, está condenado a perder a sua identidade cultural. Quando se despreza e descarta a cultura própria (tradições, língua, folclore, arte, etc) perde-se também a capacidade de apreciar a cultura dos outros povos, sobretudo como um elemento constitutivo do Património Cultural da Humanidade em que todos são simultaneamente tributários e beneficiários.
    Também nesta matéria os Senhores da Globalização, sob muitas formas, sub-repticiamente, pretendem substituir as culturas dos povos por uma “cultura global”, em ordem a permitir uma mais fácil manipulação das consciências.
    Ao ver e ouvir o trecho Va Pensiero da Ópera Nabuco deixei-me também contagiar pelo fervor patriótico dos italianos. Viva a Itália! Viva Verdi!
    Abraços.
    Artur (Ponta Delgada - PT)

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