Como 10 mil manifestantes, de repente, viraram 500 mil
Pierre Piccinin |
4/8/2011, Pierre Piccinin, Counterpunch
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Pierre Piccinin é Professor de História e Ciência Política em Bruxelas
Durante o mês de julho, viajei pela Síria, com o objetivo de entender melhor, pessoalmente, a origem do atual conflito político.
Circulei livremente pelo país, a partir de Dera, por Damasco, Homs, Hama, Maraat-an-Numan, Jisr-al-Shigur, na fronteira com a Turquia, até Deir-ez-Sor, locais, todos esses, onde a imprensa noticiou irrupções de violência.
Testemunhei várias lutas internas, algumas das quais violentas, movidas por objetivos que absolutamente nada têm a ver com objetivos democráticos ou pacifistas. A Fraternidade Muçulmana, por exemplo, trabalha para fazer da Síria uma república islâmica, o que, por sua vez, aterroriza os cristãos e outras minorias.
Embora não fosse objetivo da minha pesquisa, surpreendeu-me o quanto a imagem que a imprensa tem oferecido da Síria, país que estaria vivendo processo revolucionário em grande escala, absolutamente não corresponde, de modo algum, à realidade em campo.
De fato, os movimentos de protesto em grande escala já estão esvaziados, devido em parte à repressão; hoje, os manifestantes não ultrapassam poucas centenas, concentrados em volta das mesquitas e, na maioria, com marcas claras da influência dos movimentos islâmicos.
Exatamente por isso, só na cidade de Hama, reduto cultural da Fraternidade Muçulmana e atualmente sob estado de sítio, ainda se veem protestos mais amplos.
Centro de violenta revolta em 1982, que foi esmagada por Hafez al-Assad, pai do atual presidente, Hama está hoje cercada pelo exército, pesadamente armado. Mas o governo optou por não atacar a cidade, o que geraria um banho de sangue, temeroso das repercussões e das críticas da comunidade internacional.
Entrei em Hama dia 15 de julho, 6ª-feira. Rapidamente, fui cercado por jovens que policiam a cidade. Mostrei-lhe meu passaporte belga, e a situação acalmou-se: “Belgicaa! Belgicaa!”. Como único observador estrangeiro na cidade, levaram-se até o centro das manifestações. De um ponto elevado da cidade, tirei várias fotos, que mostram a extensão da destruição da cidade.
Na Praça Asidi, ao final da grande avenida El-Alamein, as orações estavam para começar, e via-se muita gente aproximando-se da praça, vinda de todos os lados da cidade, aos gritos, desafiadores de “Allah Akbar!”.
Naquela mesma noite, 15 de julho, recebi o noticiário da AFP, que noticiava manifestações em toda a Síria, 500 mil só em Hama. Mas em Hama, como eu podia ver, não havia mais de 10 mil manifestantes.
Essa “informação” é ainda mais absurda, se se sabe, como qualquer um pode verificar, que a cidade de Hama tem população de apenas 370 mil habitantes.
Claro que há uma margem de variação razoável, conforme as fontes. Mas, nesse caso, não se tratava de estimativa: a AFP claramente desinformou – pura propaganda. Os números foram inventados para criar uma notícia: 500 mil manifestantes poderiam abalar qualquer governo; 10 mil, pouco significam.
Além do mais, todas as “informações” sobre a situação na Síria têm sido distorcidas, sempre na mesma direção, já há vários meses.
Que fontes a Agência France Presse (AFP) cita?
A mesma fonte que sistematicamente é citada por toda a imprensa e que já tem hoje declarado monopólio da informação sobre os protestos na Síria: o Observatório Sírio para Direitos Humanos [orig. Syrian Observatory for Human Rights (SOHR)].
Sob verniz superficial de respeitabilidade e profissionalismo, esconde-se uma organização política com sede em Londres, presidida por ninguém menos que Rami Abdel Raman, declarado inimigo político do regime Baath, com laços com a Fraternidade Muçulmana.
Por isso, já há vários meses, a imprensa ocidental divulga uma realidade editada, colhida sempre de uma única fonte, cuja versão, pelo que se vê, nenhum jornal ou rede de televisão, e nenhum jornalista, achou necessário questionar ou confirmar.
A versão segundo a qual a Síria estaria em processo de revolução ampla, com o governo do partido Baath à beira do fim, absolutamente não corresponde à realidade. O governo sírio mantém-se plenamente no controle da situação e o que resta das manifestações está dividido em vários grupos, consideravelmente marginalizado.
Mas as consequências desse mais recente caso de desinformação pela imprensa têm consequências de longo alcance: parece que ainda não se aprenderam as lições de Timisoara, da Guerra do Golfo ou dos eventos na Iugoslávia.
A imprensa europeia continua a deixar-se enganar por informações construídas a partir de notícias de segunda mão, mal sistematizadas e jamais conferidas. Assim, pouco faz além de criar uma realidade virtual, sem qualquer fundamento em fatos, que oferece como se fosse informação aos leitores/ telespectadores/ ouvintes.
Sempre que a imprensa falha e não cumpre seu dever de oferecer informação genuína e bem construída, por mais que toda a imprensa perca, o maior risco que se cria é contra a democracia.
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirEstou pesquisando a história desse golpe militar contra a Síria. Dá um filme de espionagem e sacanagem internacional.
Amarraram pés e mãos do Assad. Tudo que ele fizer contra as gangues terroristas vai aparecer na mídia como contra o “povo sírio”. E a Arábia Saudita e a Turquia posando de boas meninas... mandaram gente e armas, como a CIA, o Mossad, a França, UK, enfim, essa gente “legalzinha” espalhada pelo mundo.
ARGHHHHHHHH!!!!!
Baby (direto de Gaza)