segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Escândalo em Locarno - Suiça


Presidente do Júri do Festival Internacional de Cinema chama filme de fascista

enviado por *Rui Martins em 15 de agosto de 2011

O presidente do júri do Festival Internacional de Cinema de Locarno, o produtor português Paulo Branco, qualificou de «fascista» o filme Vôo Especial, um dos preferidos do público, que recebeu os prêmios do Júri de Jovens e Júri Ecumênico.

Piazza Grande, Locarno – projeção de filmes

Para Paulo Branco;

... esse filme se acompanha de um fascismo comum dentro de nossa sociedade.

O mesmo fascismo que pretende denunciar. É um filme que se serve de um pretexto inadmissível na Suíça, mas que, ao mesmo tempo, não confronta jamais os carcereiros, mas são eles que, afinal de contas, executam a expulsão, que provoca a morte de um dos expulsos. O que eu acho intolerável.

«Eu responsabilizo completamente o cineasta-diretor por ter feito um filme fascista»


O filme, rodado numa prisão de requerentes de asilo e de sem papéis destinados à expulsão, mostra o dia-a-dia à espera do momento de deixar a Suíça, num vôo normal, se o estrangeiro aceita, ou num vôo especial, fretado pelo governo suíço, se o estrangeiro rejeita ser expulso.

No vôo especial, o estrangeiro expulso é tratado como um animal, entravado pelos pés e mãos, sem poder se mexer, devendo fazer suas próprias necessidades nas calças durante o tempo de duração do vôo. Três pessoas, expulsas dessa maneira, já morreram durante a expulsão

O filme mostra dois casos mais flagrantes - um africano ameaçado de expulsão depois de viver mais de vinte anos na Suíça, embora perfeitamente integrado com emprego e família, e um kosovar, com 14 anos de Suíça, igualmente com emprego e família, ambos sem qualquer problema com a polícia ou com a justiça suíças.

Nos sete meses que passou filmando nessa prisão, Fernand Melgar, o cineasta filho de imigrantes espanhóis, contou com a colaboração dos responsáveis pela prisão que, segundo ele, tratavam bem os prisioneiros, mas que a expulsão não lhes competia, era coisa decidida por voto popular.

O filme vai ser exibido pelas autoridades suíças na África e Kosovo, o que poderia ser equiparado a dissuadir pessoas interessadas em se arriscar numa imigração clandestina.

Na primeira entrevista com a imprensa, Fernand Melgar recusou nossa crítica relacionada com a hipocrisia dos carcereiros, argumentando que eram gentis ao contrário do que ocorria em outras prisões.

Paulo Branco
O produtor Paulo Branco demonstrou não ser dessa opinião. Mesmo porque o filme mostrando a política neonazista da Suíça com relação aos imigrantes, insuflada pelo extremista Partido do Povo, é ambíguo, pois mostra ao mesmo tempo carcereiros amigos e aparentemente bons, o que dará boa consciência a muitos espectadores suíços.

Em síntese, Fernand Melgar, filho de imigrantes na Suíça, preocupado em mostrar a responsabilidade coletiva dos suíços que, por voto majoritário em referendo, autorizam a execução de uma política racista de imigração, não percebeu ter sido recuperado pelo sistema suíço, que vai se servir de seu filme para dissuadir imigrantes clandestinos e confundir os suíços com, como diria Hanna Arendt, «a banalidade do mal»

Grande parte a imprensa suíça critica hoje o produtor Paulo Branco por não ter percebido a ambiguidade do filme, acusando o produtor português de viver uma reação de extrema-esquerda dos anos 60.

O conhecido crítico de cinema Antoine Duplan, do jornal Le Temps e l’Hebdo, ardoroso defensor do filme “Vôo Especial” não viu as nuanças e a recuperação do tema pelo filme, mas cita uma frase do dramaturgo Friedrich Durenmatt bem apropriada «a Suíça é uma grande prisão e os suíços seus próprios carcereiros».

É nesse quadro, de boa consciência com bons carcereiros que se deve também entender a campanha eleitoral, lançada pelos neonazistas do Partido do Povo, com o cartaz mostrando uma bandeira suíça no chão pisada pelos invasores imigrantes e a proposição da ministra suíça da Justiça, socialista (!), de obrigar os professores a denunciarem às autoridades os alunos sem papéis, medida igual à tomada pelo governo de Adolf Hitler, em 1935, contra os judeus.


*Rui Martins – jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.

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