sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Como nasceu e como morreu o “marxismo ocidental” [1]


por Domenico Losurdo

1. O “marxismo ocidental” e a remoção da questão colonial.
2. Althusser e a crítica do “humanismo”
3. Da história à “ciência” ou do materialismo ao idealismo, da história mundial ao eurocentrismo
4. O “marxismo ocidental” lê o “marxismo oriental”: um equívoco coletivo
5. De Foucault a Negri: a progressiva transfiguração do Império
6. “Marxismo ocidental”, “marxismo oriental”

Referências
Notas

RESUMO: Por muito tempo o “marxismo ocidental” celebrou a sua superioridade em relação ao marxismo dos países que se remetiam ao socialismo e que estavam todos situados no Oriente. Em decorrência dessa atitude arrogante, o marxismo ocidental nunca se empenhou seriamente em repensar a teoria de Marx à luz de um balanço histórico concreto: qual era o papel do Estado e da nação nesses países e no “campo socialista”? Como promover a democracia e os direitos humanos e como estimular o desenvolvimento das forças produtivas e o bem-estar das massas numa situação caracterizada pelo bloqueio capitalista? Ao invés de por-se essas questões difíceis, o marxismo ocidental preferiu abandonar-se à cômoda atitude autoconsolatória de quem cultiva em particular as suas utopias e rejeita, como uma contaminação, o contato com a realidade e a reflexão sobre a realidade. Disso derivou uma progressiva capitulação à ideologia dominante. Por fim, a autocelebração do marxismo ocidental desembocou na sua autodissolução.

1. O “marxismo ocidental” e a remoção da questão colonial.

Por que o marxismo ocidental, após desfrutar de um sucesso extraordinário até se tornar a koiné das décadas de 1960 e 1970, mergulhou numa crise tão profunda? Sem dúvida, os fatos históricos que todos conhecemos e que culminaram com a queda da União Soviética e do “bloco socialista” desempenharam neste caso um papel fundamental. No entanto, embora inevitável, esse tipo de explicação não é exaustivo: é necessário aprofundar a análise, concentrando a atenção nas fraquezas intrínsecas que o marxismo ocidental revela no Ocidente, mesmo na época em que sua hegemonia parece incontestável. Nada é mais verdadeiro em relação à Itália.

É preciso partir de um debate suscitado por Norberto Bobbio em 1954.

Ele, embora insistindo justamente na irrenunciabilidade da liberdade formal e das suas garantias jurídico-institucionais, atribui como mérito dos Estados Socialistas o fato de eles “terem começado uma nova fase de progresso civil em países politicamente atrasados, introduzindo instituições tradicionalmente democráticas, de democracia formal, como o sufrágio universal e a elegibilidade dos cargos, e de democracia substancial, como a coletivização dos instrumentos de produção”. Entretanto, é a conclusão crítica, o novo “Estado Socialista” não soube transplantar em seu bojo o governo da lei e os mecanismos de garantias liberais, não soube ainda proceder à “limitação do poder” e derramar “uma gota de óleo (liberal) nas engrenagens da revolução já realizada” [2].

Como se vê, estamos bem longe das posições assumidas pelo filósofo de Turim na última fase da sua evolução, no momento em ele se torna, em última análise, um ideólogo da guerra do Ocidente: em 1954 (faltam dois anos para o XX Congresso do PCUS e a revolta húngara) a influência do marxismo e o prestígio dos países que fazem referência a ele são grandes; nesse momento, ao lado da “democracia formal”, Bobbio teoriza também uma “democracia substancial”; além disso, expressa um juízo a respeito dos países socialistas que não é univocamente negativo, nem mesmo a respeito da “democracia formal”.

Quais são as reações dos intelectuais comunistas italianos? Para rechaçar ou atenuar as críticas dirigidas, em primeiro lugar, à União Soviética, eles poderiam ter alegado o estado de exceção permanente imposto ao país surgido da Revolução de Outubro como justificativa parcial do atraso, bem como a ameaça do aniquilamento nuclear que pairava de forma contínua sobre ele.

Galvano Della Volpe, ao contrário, segue uma estratégia totalmente diferente, concentrando-se na celebração da libertas maior (o desenvolvimento concreto da individualidade garantido pelas condições materiais de vida). Desse modo, por um lado, as garantias jurídicas do Estado de Direito são desvalorizadas, implicitamente rebaixadas à condição de libertas minor; por outro lado, acaba-se valorizando a transfiguração realizada por Bobbio da tradição liberal, enquanto campeã da causa da fruição universal (pelo menos dos direitos civis), da liberdade formal, da libertas minor, da “limitação do poder”.

Para sustentar essa visão, Bobbio remete ao hino que John Stuart Mill, em seu ensaio dedica à liberdade, talvez o mais célebre: On Liberty. Entretanto, é justamente nesse ensaio que vemos o liberal inglês justificar o “despotismo” do Ocidente sobre as “raças” ainda “menores de idade”, obrigadas a aceitar uma “obediência absoluta”, de tal forma que possam ser guiadas no caminho em direção ao progresso [3].

Em 1954, o “despotismo” e a “obediência absoluta” impostos pelo Ocidente eram muito bem percebidos no mundo colonial; nos Estados Unidos, os negros continuavam excluídos maciçamente dos direitos políticos e, às vezes, até dos direitos civis (no Sul ainda não desaparecera o regime de segregação racial e da white supremacy). Della Volpe, completamente absorvido pela celebração da libertas maior , não se preocupa ou não é capaz de chamar a atenção para o equívoco clamoroso de Bobbio.

O fato é que, embora se apresentando cada vez de maneira diferente, a remoção da questão colonial caracteriza amplamente o marxismo ocidental daqueles anos.

Em 1961, Ernest Bloch publica Direito Natural e Dignidade Humana. Como o próprio título revela, estamos bem longe da subestimação da libertas minor, tão cara a Della Volpe; ao contrário, a reivindicação da herança da tradição liberal é explícita, submetida, contudo, a uma crítica que infelizmente parece uma transfiguração.

Bloch critica o liberalismo por defender uma “igualdade formal e apenas formal”. E acrescenta: “Para impor-se, o capitalismo está interessado só na realização de uma universalidade da regulamentação jurídica, que abraça tudo de maneira igual” [4].

Essa afirmação pode ser lida num livro publicado no mesmo ano em que a polícia, em Paris, desencadeia uma caça impiedosa contra os argelinos, afogados no rio Sena ou mortos a pauladas; e tudo isso à luz do dia, aliás, na presença de cidadãos franceses que, sob a proteção do governo da lei, assistem divertidos ao espetáculo: belo exemplo de “igualdade formal”!

Na capital de um país capitalista e liberal assistimos a ação de uma dupla legislação, que entrega ao arbítrio e ao terror policial um grupo étnico bem definido. Se, depois, considerarmos as colônias e as semi-colônias e olharmos, por exemplo, a Argélia ou então o Quênia ou a Guatemala (um país formalmente livre, mas, de fato, sob o protetorado norte-americano), veremos o Estado dominante, capitalista e liberal, lançando mão, de forma ampla e sistemática, da tortura, dos campos de concentração e das práticas genocidas contra os povos indígenas. Disso tudo não há vestígio nem em Bobbio, nem em Della Volpe e tampouco em Bloch.

Os povos coloniais ou de origem colonial continuam ausentes quando o autor de Direito Natural e Dignidade Humana trata de Grotius e de Locke (o apreço por sua orientação jusnaturalista não menciona o empenho de ambos em justificar a escravidão negra), ou no momento em que faz referência à Guerra de Independência americana (a homenagem feita aos “jovens Estados livres” nem sequer menciona o peso da escravidão na realidade político-social e na própria Constituição dos EUA) [5].

Esse silêncio é ainda mais singular porque, justamente nesses anos, começa a desenvolver-se, na república do outro lado do Atlântico, a luta dos afro-americanos. É um acontecimento que chama a atenção de Mao Tsé-tung, em Pequim, e pode ser interessante confrontar os posicionamentos de duas personalidades tão diferentes entre si.

Se o filósofo alemão denuncia o caráter meramente “formal" da igualdade liberal e capitalista, o dirigente comunista chinês procede, por sua vez, de maneira bem diferente. Decerto, ele ressalta o fato de os negros apresentarem uma taxa de desemprego bem maior que a dos brancos, além de serem confinados aos segmentos inferiores do mercado de trabalho e serem obrigados a contentar-se com salários reduzidos.

Isso, porém, não é tudo: Mao chama a atenção para a violência racista desencadeada pelas autoridades do Sul e pelos bandos tolerados ou encorajados por elas e celebra a “luta do povo negro americano contra a discriminação racial e pela liberdade e a igualdade dos direitos” [6].

Bloch critica a revolução burguesa pelo fato de ela “ter limitado a igualdade à liberdade política”; em relação aos afro-americanos, Mao observa que “a maioria deles está desprovida do direito de voto” [7].

Reduzidos à mercadoria e desumanizados pelos seus opressores, os povos coloniais travaram batalhas memoráveis pelo reconhecimento durante séculos, mas em Bloch se lê: “O princípio pelo qual os homens nascem livres e iguais já está presente no direito romano; agora deve estar presente também na realidade”. E vejamos agora a conclusão do artigo de Mao de 1963, acima citado: “O perverso sistema colonial-imperialista desenvolveu-se graças à escravidão e ao tráfico negreiro, e ele certamente chegará ao fim com a total libertação dos negros” [8].

Sinais semelhantes manifestam-se no Vietnã, onde está ocorrendo uma grande luta de libertação nacional guiada por Ho Chi Minh, que, já em 1920, acusara a Terceira República francesa nestes termos: “A chamada justiça indochinesa, naquela região, tem dois pesos e duas medidas. Os anamitas não têm as mesmas garantias dos europeus e dos europeizados”. Não são apenas “vergonhosamente oprimidos e explorados”, mas também “horrivelmente martirizados” e sofrem “todas as atrocidades cometidas pelos bandidos do capital” [9].

Como se vê, nos textos aqui citados de Mao e de Ho Chin Minh, a libertas minor tão cara a Della Volpe não é subestimada e tampouco a ilusão (comum, com modalidades diferentes, em Bobbio, Della Volpe e Bloch), segundo a qual o capitalismo e o liberalismo garantiriam de qualquer modo a "igualdade formal" ou até mesmo a “igualdade política”.

Tanto o líder chinês como o líder vietnamita têm, de alguma forma presente, a indicação de Lênin: “Os homens políticos mais liberais e radicais da livre Grã-Bretanha [...] se transformam, quando se tornam governadores da Índia, em verdadeiros Genghis Khan” [10]. Na própria metrópole capitalista e liberal manifestam-se “contínuas violações da igualdade (inclusive) jurídica das nações”: a esse respeito, Lênin cita em 1920 o exemplo da “Irlanda” e dos “negros da América”; tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos, as “garantias dos direitos das minorias nacionais” [11] são vilipendiadas. E tanto Mao como Ho Chi Minh poderiam ter mencionado as páginas em que Marx denuncia o tratamento da Inglaterra liberal em relação à Irlanda (uma colônia situada na Europa): trata-se de uma política ainda mais cruel e terrorista do que a praticada pela Rússia czarista e autocrática contra a Polônia (MEW, XVI, 552).

Como se vê, o marxismo “oriental” empenha-se, compreensivelmente, muito mais do que o marxismo “ocidental” na denúncia das cláusulas macroscópicas de exclusão da liberdade liberal.

2. Althusser e a crítica do “humanismo”

Voltemos ao debate suscitado por Bobbio em 1954.

Há uma intervenção sensivelmente diferente daquela de Della Volpe. A polêmica com o filósofo de Turim desenvolve-se agora assim: “Quando e em que medida foram aplicados aos povos coloniais aqueles princípios liberais sobre os quais se diz fundado o Estado inglês do século XIX, modelo, creio, de regime liberal perfeito para aqueles que raciocinam como Bobbio?”. A verdade é que a “doutrina liberal [...] está fundada numa discriminação bárbara entre as criaturas humanas”, que se alastra não só nas colônias, mas na própria metrópole, como demonstra o caso dos negros estadunidenses, “na maioria privados dos direitos elementares, discriminados e perseguidos” [12]. Nessa tomada de posição não há nenhuma degradação da “liberdade formal” à libertas minor, mas, ao mesmo tempo, não se perde de vista o fato de sua fruição ter sido historicamente negada às massas incalculáveis de homens pelo próprio Ocidente liberal.

Essa intervenção deve-se a um autor hoje quase completamente esquecido, mas que responde pelo nome de Palmiro Togliatti, na época secretário-geral do PCI.

Estamos diante de um expoente do “marxismo ocidental”? No entanto, deve-se notar que não se trata de um filósofo profissional, e sim de um político profissional, além disso ligado organicamente – pelo menos assim julgam seus críticos – ao orientalizante “socialismo real”.

Concentremo-nos, contudo, na expressão utilizada por Togliatti: “discriminação bárbara entre as criaturas humanas”. Trata-se de uma condenação inspirada por aquele “humanismo integral” em que, segundo Gramsci, consiste o comunismo; por outro lado, vimos Bloch levantar, em 1961, a bandeira em defesa da “dignidade humana”.

Naqueles mesmos anos, o humanismo exerce um papel fundamental em Sartre, que faz uma denúncia apaixonada do colonialismo evidenciando justamente teorias e práticas de desumanização por ele desenvolvidas. Estamos diante de expressões diferentes daquele “humanismo” que mais tarde se torna o bicho-de-sete-cabeças de Louis Althusser.

Como é sabido, o jovem Marx denuncia a sociedade existente como negação do “humanismo positivo” ( positiver Humanismus ) e do “humanismo realizado” (vollendeter Humanismus) (MEW, Erg. Bd., I 583 e 536), do “humanismo real” (realer Humanismus ) (MEW, II, 7), e formula seu programa revolucionário, enunciando o “imperativo categórico de derrubar todas as relações em que o homem é um ser degradado, escravizado, abandonado, desprezado” (MEW, I, 385).

Para Althusser, essas formulações são ingenuidades ideológicas, felizmente superadas pelo Marx maduro, a partir aproximadamente de 1845, quando teria ocorrido a “ruptura epistemológica” e a retórica humanística, que esqueceu a luta de classes, que teria sido suplantada pelo materialismo histórico, ou melhor, pela ciência da história.

Na realidade, essa suposta retórica continua ecoando mais forte do que nunca no Manifesto do Partido Comunista, que convida a derrubar um sistema, o capitalista, que desconhece a dignidade humana da imensa maioria da população: no banco dos réus são colocadas as relações econômicas e sociais que implicam a “transformação em máquina” dos proletários (MEW, IV, 477), rebaixados desde a infância a “meros artigos de comércio e instrumentos de trabalho” (MEW, IV, 478), a “simples acessório da máquina” (MEW, IV, 468), à apêndice “dependente e impessoal” do capital “independente e pessoal” (MEW, IV, 476).

Para Althusser, o Manifesto do Partido Comunista faz parte das “obras de maturação teórica” e não das “obras da maturidade” plenamente alcançada [13].

Vejamos, então, em que termos O Capital coloca no banco dos réus o sistema capitalista: a busca pelo lucro implica um “desperdício” de vida humana , digno de Timur-Tamerlão" (MEW, XXIII, 279, nota 208). É um sistema que não hesita em sacrificar vidas humanas em formação e incapazes de se defender: eis o “grande rapto herodiano das crianças realizado pelo capital no início do sistema fabril nas casas dos pobres e dos orfanatos, através do qual ele incorporou um material humano totalmente desprovido de vontade” (MEW, XXIII, 425, nota 144).

São terríveis os custos humanos do capitalismo. Basta pensar na formação da indústria têxtil na Inglaterra: procura-se a matéria-prima necessária cercando e destinando às pastagens as terras comuns que antes asseguravam a subsistência de grande parte da população que, expropriada, é condenada à fome e ao desespero: sim – sintetiza O Capital citando Thomas More – “as ovelhas devoram os homens” (MEW, XXIII, 747, nota 193).

A sociedade burguesa ama celebrar a si mesma como “um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem”, na realidade no seu âmbito o “trabalho humano”, aliás, “o homem enquanto tal [...] desenvolve ao contrário um papel miserável” (MEW, XXIII, 189 e 59).

Se passarmos apenas da esfera da circulação à da produção, notamos que, bem longe de ser reconhecido em sua dignidade de homem, o trabalhador assalariado “leva ao mercado a sua própria pele e não tem outra coisa a esperar a não ser o... curtume” (MEW, XXIII, 191).

A crítica dos processos de desumanização ínsitos no capitalismo ressoa com força ainda maior quando Marx fala do destino reservado aos povos coloniais: com “a aurora da era da produção capitalista”, a África se transforma em uma “reserva de caça para os mercadores de pele negra” (MEW, XXIII, 779).

Passemos agora para a Ásia e para o império colonial holandês: aí funciona “o sistema de roubo de homens nas Célebes para obter escravos para Java”, com “ladrões de homens” ( Menschenstehler ) propositalmente “adestrados para tal finalidade” (MEW, XXIII, 780).

Ainda na metade do século XIX vemos nos EUA o escravo negro assumindo completamente a forma de simples “propriedade” tanto quanto as outras, enquanto a lei sobre a restituição dos escravos fugitivos determina a transformação dos próprios cidadãos do Norte em “caçadores de escravos” (MEW, XV, 333). Nesse meio-tempo, alguns Estados no Sul especializam-se na “criação de negros” ( Negerzucht ) (MEW, XXIII, 467), ou seja, no “breeding of slaves” (MEW, XXX, 290: carta a Engels de 29 de outubro de 1862).

Renunciando aos tradicionais “artigos de exportação”, esses Estados “criam escravos” como mercadorias de “exportação” (MEW, XV, 336). Por outro lado, quando estoura a guerra, eis que proprietários de escravos abandonam áreas consideradas pouco seguras para transferir-se para o Sul, arrastando consigo seu excelente “black chattel” (MEW,XXX, 290: carta a Engels de 29 de outubro de 1862).

Como se vê, também nos escritos da maturidade, recorre em Marx a motivação crítica que censura a sociedade burguesa por ela reduzir a grande maioria da humanidade à “máquinas”, a “instrumentos de trabalho”, à “mercadoria” que pode ser tranquilamente “esbanjada”, a “produtos de comércio” e a “artigos de exportação”, a bens móveis dos quais o dono pode dispor como uma “bagagem”, a animais de criação, ou seja, à pele objeto de caça ou a ser destinada ao curtume.

A denúncia do anti-humanismo do sistema capitalista não desapareceu de modo algum e nem pode desaparecer, porque está no centro do pensamento de Marx: a comparação, tão importante para ele, entre escravidão moderna e escravidão antiga, escravidão assalariada e escravidão colonial, significa a permanência, no âmbito do capitalismo, daquele processo de reificação que se manifesta em toda a sua crueza em relação ao escravo propriamente dito, completamente reduzido à mercadoria ou à condição de animal.

O rigor científico e a indignação moral resultam tão entrelaçados entre si, e é somente este entrelaçamento que pode explicar o apelo à revolução.

Por mais fiel e impiedosa que possa ser, a descrição da sociedade existente não pode por si só estimular a ação para a sua derrubada, se não houver a mediação da condenação moral; e essa condenação moral brota em Marx da constatação dos processos de desumanização ínsitos ao sistema capitalista; a partir daí, a realização de uma nova ordem é percebida como um "imperativo categórico", e isso tanto nos escritos de juventude quanto nos escritos de maturidade.

Se as Teses contra Feuerbach se concluem com a condenação dos filósofos que se revelam incapazes de “transformar” um mundo no qual o homem é esmagado e humilhado, O Capital é uma “Crítica da Economia Política” – como reza seu subtítulo – também no plano moral: o “economista político” é criticado não apenas por seus erros teóricos, mas também por sua “imperturbabilidade estóica”, isto é, por sua incapacidade de indignação moral diante das tragédias provocadas pela sociedade burguesa (MEW, XXIII, 756).

A continuidade na evolução de Marx é evidente, e aquilo que Althusser descreve como ruptura epistemológica nada mais é que a passagem para um discurso no âmbito do qual a condenação moral do anti-humanismo da sociedade burguesa é expressa de maneira mais sintética e mais elíptica.

3. Da história à “ciência” ou do materialismo ao idealismo, da história mundial ao eurocentrismo

Podemos perfeitamente compreender as razões da posição adotada pelo filósofo francês: são os anos em que a bandeira do “humanismo” é agitada para abafar a luta contra o imperialismo; iniciou-se o processo que mais tarde levará à capitulação de Gorbachev.

Analisando melhor, a crítica filosófica do humanismo, enquanto inclinada a ocultar o conflito social e sua aspereza, é, ao mesmo tempo, a polêmica contra as “concepções tingidas de reformismo e de oportunismo ou, mais simplesmente, revisionistas”, que vinham se difundindo naquela época [14].

Infelizmente, essa polêmica é conduzida a partir de posições erradas.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que não só o apelo à humanidade comum (e à moral), mas também o apelo à ciência que pode levar ao esquecimento da luta de classes. E, todavia, o filósofo francês toma posição justamente contra o slogan “ciência burguesa, ciência proletária” e atribui como mérito de Stalin o fato de este ter-se oposto à “loucura” que exigia “a todo custo fazer da língua uma superestrutura” ideológica.

Graças a essas “simples páginas” – conclui Althusser – “vislumbramos que o uso do critério de classe não era ilimitado e que nos faziam tratar como uma ideologia qualquer ciência, cujo título incluía as próprias obras de Marx” [15].

Pode ser considerado ilimitado o uso do critério de classe pela moral? Podem ser realmente postas no mesmo plano posições que reivindicam a unidade do gênero humano e posições que, na prática e, às vezes, de maneira explicita até na teoria, promovem a desumanização das grandes massas de homens, rebaixados a Untermenschen e destinados somente a serem escravizados ou aniquilados?

Polemizando contra a leitura humanista do marxismo, Althusser não se cansa de repetir que Marx não parte do “homem” ou do “indivíduo”, mas da estrutura histórica das relações sociais. Contudo, é estranho que o conceito de “homem” ou de “individuo” seja considerado óbvio.

Convém, então, remeter a Nietzsche que, após ter condenado a Comuna de Paris desencadeada por uma “classe bárbara de escravos” em nome da “dignidade do homem” e da “dignidade do trabalho humano” [16], condena a “agitação individualista” [17], de um movimento, o socialismo, cujo erro é querer transformar em indivíduos e em pessoas aqueles que por natureza “não são nenhuma pessoa”, mas simples “portadores, instrumentos de transmissão” [18].

Ou seja, longe de ser um dado óbvio, o conceito de indivíduo e de homem enquanto tal é o resultado de lutas gigantescas pelo reconhecimento, conduzidas agitando justamente a bandeira do humanismo tão desprezado por Althusser.

Isso já vale para os trabalhadores assalariados da metrópole (muitas vezes desumanizados pela tradição liberal e assimilados a instrumentos de trabalho, a máquinas bípedes, a bestas de carga), mas vale de maneira toda especial para os povos coloniais.

Não faz sentido contrapor a estrutura histórica das relações sociais ao conceito de homem ou de indivíduo como tal, pelo fato de que esse mesmo conceito pressupõe radicais transformações políticas e sociais. Quando afirma que o humanismo em última análise é burguês, Althusser argumenta de maneira análoga a Bloch: tanto num caso como noutro a sociedade burguesa é recriminada por ater-se apenas à “igualdade formal” e, desse modo, são removidas também as desigualdades formais e os profundos processos conexos que caracterizam o capitalismo.

É verdade, o filósofo francês reconhece que pode existir também um “humanismo revolucionário” originado pela Revolução de Outubro [19], mas nesse ponto é muito hesitante; e assim impede a si mesmo a compreensão das lutas gigantescas por reconhecimento conduzidas pelos “escravos das colônias” (para usar uma linguagem tão cara a Lênin).

Esse resultado é ainda mais inevitável pelo fato de a teoria de Marx ser, em Althusser, só um capítulo da história do pensamento científico: “Antes de Marx só dois grandes continentes haviam sido abertos ao conhecimento científico, após rupturas epistemológicas sucessivas: o continente matemático graças aos gregos [...] e o continente físico, graças a Galileo e seus sucessores” [20]. É um enfoque que determina duas consequências muito relevantes:

1) Marx insistiu várias vezes sobre o fato de que a sua teoria é a expressão teórica de um movimento real; agora, porém, é o movimento real que é considerado o produto, para dizer com Althusser, de uma “ruptura epistemológica”, ou, para dizer com Della Volpe, de um método científico que aprende a lição de Galileo e, antes ainda, de Aristóteles, crítico de Platão.
Assistimos assim a uma distorção idealista do materialismo histórico, visto como o resultado da genialidade de um único indivíduo que se aventurou na descoberta de um novo continente!
Após ter censurado repetidamente o humanismo por ocultar a luta de classes, agora é o próprio Althusser que faz desaparecer a luta de classes atrás da elaboração do materialismo histórico.

2) A distorção idealista do marxismo é, ao mesmo tempo, sua reinterpretação em termos eurocêntricos. Para Engels, Lênin e Gramsci, o marxismo tem atrás de si a Revolução Francesa, e esta acabava remetendo, pelo menos potencialmente, às lutas gigantescas suscitadas por ela em Santo Domingo e que culminaram com a abolição da escravidão nas colônias. Agora, ao contrário, a elaboração do materialismo histórico é o capítulo de uma história que se desenvolve exclusivamente no Ocidente.

4. O “marxismo ocidental” lê o “marxismo oriental”: um equívoco coletivo

Althusser segue com profunda participação as lutas realizadas pelos povos coloniais, e olha com simpatia para a China que aspira pôr-se à frente do movimento antiimperialista; contudo, do ponto de vista teórico, ele não parece capaz de apreender plenamente o significado dessas lutas.

Estamos diante de um fenômeno de caráter geral.

No decorrer dos anos de 1960 e 1970, um equívoco coletivo caracteriza a esquerda de orientação marxista na Europa e nos Estados Unidos: as grandes manifestações em favor do Vietnã se entrelaçam tranquilamente com a homenagem tributada a autores propensos a considerar definitivamente superados os movimentos de libertação nacional.

Em 1966, Adorno, em A Dialética Negativa, liquida a tese hegeliana do "espírito do povo" (Volksgeist), ou seja, o caráter essencial da dimensão e da questão nacional, como “reacionária” e regressiva “em relação ao universal kantiano de seu período, a humanidade agora visível”, como eivada de “nacionalismo” e “provinciana na época de conflitos mundiais e do potencial de uma organização mundial do mundo”.

Pior ainda, tratar-se-ia do culto tributado a um “fetiche”, a um “sujeito coletivo” (a nação), no âmbito do qual “os sujeitos [individuais] desaparecem sem deixar vestígios” [21]. É uma tomada de posição que a posteriori deslegitimava a guerra conduzida pela Frente de Libertação Nacional da Argélia, um povo e um país, sem dúvida, mais provincianos, mais atrasados e menos cosmopolitas do que a França, contra a qual se insurgiram.

Em todo caso, Adorno colocava-se na impossibilidade de entender as grandes lutas que estavam acontecendo inclusive debaixo de seus olhos, a começar por aquela guiada pela Frente de Libertação Nacional do Vietnã.

De resto, vejamos de que maneira o “marxismo oriental” argumenta sobre esse ponto.
Três anos depois da publicação de Dialética Negativa, Ho Chi Minh morre. Em seu testamento, depois de ter convocado seus concidadãos à “luta patriótica” e ao compromisso “pela salvação da pátria”, no plano pessoal ele traça este balanço: “Por toda vida eu servi minha pátria de corpo e alma, servi a revolução, servi o povo” [22].

Por outro lado, já em 1960, por ocasião do seu septuagésimo aniversário, o dirigente vietnamita recordara seu percurso intelectual e político afirmando que: “no começo fora o patriotismo e não o comunismo que me levou a acreditar em Lênin e na Terceira Internacional”.

Em primeiro lugar, os apelos e os documentos que apoiavam e promoviam a luta de libertação dos povos coloniais, ressaltando seu direito de constituir-se como Estados nacionais independentes, provocaram grande emoção: “As teses de Lênin [sobre a questão nacional e colonial] despertavam em mim grande comoção, um grande entusiasmo, uma grande fé, e me ajudavam a ver claramente os problemas. Tão grande era a minha alegria que até chorei” [23].

No que diz respeito a Mao, basta pensar na declaração que ele dera na véspera da fundação da Republica Popular Chinesa, em 1949: “A nossa não será mais uma nação sujeita ao insulto e à humilhação. Já nos levantamos [...] A época na qual o povo chinês era considerado selvagem agora acabou” [24].

Compreende-se perfeitamente a atitude dos dois grandes revolucionários.

Atrás deles estava agindo a lição de Lênin, que assim caracterizara o imperialismo: trata-se de um sistema em cujo âmbito algumas pretensas “nações-modelo” atribuem a si mesmas “o privilégio exclusivo da formação do Estado”, negando-o aos povos das colônias [25]; sim, “poucas nações eleitas” pretendem construir o próprio “bem-estar” e estabelecer a própria primazia na pilhagem e no domínio do resto da humanidade [26]. Ou seja, além da pilhagem econômica e da opressão política, o imperialismo é também caracterizado pela hierarquização das nações.

Os povos explorados e oprimidos são, ao mesmo tempo, rotulados como incapazes de se autogovernar e de se constituir como Estado nacional; a luta para livrar-se desse estigma é uma grande luta pelo reconhecimento.

Mas naquela época a homenagem a Ho Chi Minh, a Mao ou a Castro, não favorecia, de forma alguma, posições de distanciamento do niilismo nacional absorvido na escola do marxismo ocidental. E nem mesmo Sartre era capaz de opor resistência ao niilismo nacional, apesar de seu grande compromisso na luta contra o colonialismo.

Como esclarece um capítulo fundamental de Crítica da Razão Dialética (Livro I, cap. C), o filósofo francês faz derivar os vários conflitos humanos, em última análise, da “penúria” ( rareté ). O resultado dessa abordagem é avassalador.

Na medida em que parece determinar uma luta pela vida e pela morte, a condição de penúria acaba, de alguma forma, justificando os responsáveis pela opressão. Eles aparecem como os protagonistas de uma luta trágica pela sobrevivência que, no presente se impõe de maneira fatal e, no futuro, pode ser eliminada apenas por um extraordinário desenvolvimento das forças produtivas.

No lado oposto, os oprimidos aparecem movidos apenas pelo desejo de escapar das intoleráveis condições de vida; mas, então, posto que a língua, a cultura, a identidade e a dignidade nacional não desempenham nenhuma função, não se compreende a participação na luta contra a opressão nacional por parte de camadas sociais que gozam de um padrão de vida confortável ou de uma comodidade mais ou menos relevante.

Como se vê, a simpatia pelos “deserdados da terra” e a indignação pelos crimes do colonialismo e do imperialismo na Argélia ou no Vietnã, embora meritórias, não garantem por si só uma compreensão adequada da questão nacional.

A razão profunda dessa atitude contraditória será esclarecida, de maneira exemplar, algumas décadas mais tarde por Hardt e Negri: “Da Índia à Argélia, de Cuba ao Vietnã, o Estado é a dádiva envenenada da libertação nacional”.

É verdade, os palestinos podem contar com a nossa simpatia; mas, a partir do momento em que “forem institucionalizados”, não se pode mais estar do “lado deles”. O fato é que “no momento em que a nação começa a se formar e se torna um Estado soberano, suas funções progressistas desaparecem” [27].

Ou seja, pode-se ter simpatia pelos vietnamitas, pelos palestinos ou por outros povos somente enquanto eles forem oprimidos e humilhados; pode-se apoiar uma luta de libertação nacional apenas na medida em que ela continua sendo derrotada! A derrota ou a incapacidade de um movimento revolucionário são a premissa para que o rebelde possa autocelebrar-se e deleitar-se como rebelde que recusa em qualquer circunstância contaminar-se com o poder constituído!

É óbvio que os líderes dos povos em luta pela própria emancipação argumentam de maneira totalmente diferente. Em setembro de 1949, às vésperas da conquista do poder pelos comunistas, Mao chama a atenção para o desejo de Washington de que a China “se reduza a viver com a farinha americana”, acabando assim por “tornar-se uma colônia americana” [28]; a luta pelo desenvolvimento da produção se configurava então como uma continuação da luta pela independência nacional.

Na verdade, já o Manifesto do Partido Comunista afirmara que o “proletário usará seu poder político” e o controle dos meios de produção, em primeiro lugar, “para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas” e, em particular, para desenvolver as “novas indústrias”, que não têm mais uma base nacional e cuja “introdução” é “uma questão de vida e de morte para todas as nações civis” (MEW, IV, 481 e 466). E, contudo, o problema de caráter geral sobre o qual Marx e Engels chamam a atenção adquire no Oriente uma urgência toda particular.

Depois de ter se livrado do jugo colonial, os países e os povos recém-independentes estão comprometidos em consolidar a independência no plano econômico: não querem mais depender da esmola ou do arbítrio de seus ex-patrões; consideram essencial quebrar o monopólio que os países mais poderosos detêm sobre a tecnologia mais avançada.

De fato, podemos ver no Vietnã uma orientação semelhante àquela já analisada em relação a Mao. Em plena guerra pela independência e pela unidade nacional, o então primeiro secretário do Partido dos Trabalhadores do Vietnã do Norte declara que, depois da conquista do poder, a tarefa mais importante reside na “revolução técnica”. Agora “são as forças produtivas que desempenham o papel decisivo”; trata-se portanto de empenhar-se com afinco para “alcançar uma produtividade mais elevada, estimulando a construção da economia e o desenvolvimento da produção” [29].

Mas no Ocidente, justamente no momento em que se desenvolve com mais intensidade o movimento de apoio à resistência vietnamita e a influência da China se faz sentir com mais força, ressoam vozes muito diferentes no âmbito da esquerda marxista.

Na Itália, Mario Tronti publica um livro que tem logo um grande sucesso. Eis uma de suas teses principais: a revolução socialista “....suprime o trabalho. E justamente assim elimina o domínio de classe. Supressão operária do trabalho e destruição violenta do capital são, portanto, uma coisa só.” [30]. Estamos em 1966, ano em que na China eclode a Revolução Cultural. E é nesse momento que a comédia de equívocos chega ao ápice.

A Revolução Cultural é lançada com uma palavra de ordem bem precisa: “Fazer a revolução e estimular a produção”. Entre os marxistas ocidentais não são raras as tomadas de posição concordantes ou entusiastas; a segunda parte desta palavra de ordem, porém, acaba sendo esquecida. Entretanto, ainda em 1969, por ocasião do IX Congresso do Partido Comunista Chinês, Lin Piao, herdeiro designado por Mao naquele momento, afirma:

“Justamente como foi ressaltado em Os 16 pontos [que três anos antes haviam inaugurado a Revolução Cultural]: “A Grande Revolução Cultural Proletária constitui uma poderosa força motriz para o desenvolvimento das forças produtivas sociais no nosso país”, a produção agrícola no nosso país obteve boas colheitas por vários anos consecutivos; apresenta-se também uma situação vigorosa na produção industrial, na ciência e na tecnologia; o entusiasmo das grandes massas trabalhadoras pela revolução e a produção alcançou um nível sem precedentes; numerosas fábricas, minas e outras empresas bateram continuamente recordes de produção, chegando assim a um nível jamais visto na história e a revolução técnica está em contínuo desenvolvimento [...] “Fazer a revolução e estimular a produção” – este princípio é absolutamente justo” [31].

Lin Piao reafirmava com insistência este ponto: “Devemos [...] fazer com firmeza a revolução e estimular com vigor a produção, cumprindo e superando o plano de desenvolvimento da economia nacional. É claro que a grande vitória da Grande Revolução Cultural Proletária continuará alavancando novos saltos para frente na economia e na nossa causa, para a edificação socialista em seu conjunto”.

Aliás, uma das principais acusações contra o presidente deposto da República Popular Chinesa, Liu Shao-chi, era “a teoria dos passos de lesma”, ou seja, a incompreensão de que a Revolução Cultural teria prodigiosamente acelerado o desenvolvimento das forças produtivas e levado o país, em curto espaço de tempo, ao nível dos países capitalistas mais avançados [32].

Não por acaso, a Revolução Cultural retomava e relançava o Grande Salto para a Frente de 1958 mediante o qual a China esperava queimar as etapas para alcançar os países capitalistas mais avançados.

Não se deve esquecer que já, em 1937, em seu ensaio Sobre a Prática, retomando um tema do Manifesto do Partido Comunista, Mao sublinhara a centralidade da “atividade produtiva material” e do desenvolvimento das forças produtivas para o aumento não apenas da riqueza social, mas também do “conhecimento humano”: sim, “a produção em escala reduzida limitava o horizonte dos homens”; e é em virtude dessa sua função pedagógica que a atividade produtiva material não está destinada a desaparecer nem mesmo “na sociedade sem classes”, no comunismo [33]. Mas no Ocidente, a celebração de Mao podia conjugar-se bem com a espera do fim do trabalho; muitas vezes citava-se o ensaio Sobre a Prática, para remeter, porém, só à luta de classes, removendo seja a luta pela produção, seja a luta pela experimentação científica.

No marxismo ocidental, a divisão populista em duas partes da principal palavra de ordem lançada pela Revolução Cultural, corresponde à divisão do pensamento de Mao. Ele se sentia fortemente empenhado na eliminação de dois tipos de desigualdade: a que vigorava dentro do povo chinês, mas também e, talvez mais ainda, a que separava a China dos países mais avançados.

Acelerando poderosamente o desenvolvimento das forças produtivas, a superação da primeira contradição tornaria possível a superação também da segunda; dessa forma, a nação chinesa se levantaria de modo estável e definitivo, a longa luta pelo reconhecimento da China tornada necessária pela opressão e pela humilhação impostas pelo imperialismo seria coroada de um sucesso total.

No Ocidente, contudo, a Revolução Cultural, o pensamento e a obra de Mao, a Revolução Chinesa, em seu conjunto, acabavam sendo reduzidas a um único slogan: “Rebelar-se é justo”.

O grande revolucionário, já dividido no sentido que conhecemos, era submetido ainda a uma leitura anarcóide. Derrotado a duras penas na época da Segunda Internacional, o anarquismo obtém uma clamorosa revanche no movimento de 1968.

5. De Foucault a Negri: a progressiva transfiguração do Império

Nesse clima espiritual e político, a cultura de orientação marxista começa a ser seduzida e subvertida por autores e correntes de pensamento que deveriam, no entanto, ter sido vistos com certo distanciamento crítico.

Apoiado desde o início por Althusser [34], Foucault irrompe fortemente com sua análise da difusão ou da onipresença do poder não só nas instituições e nas relações sociais, mas também no dispositivo conceitual. É um discurso que fascina por seu radicalismo e, além disso, permite um acerto de contas com o poder e a ideocracia que estão na base do “socialismo real”, cuja crise se manifesta cada vez mais nitidamente.

Na realidade, o radicalismo não é só aparente, mas se transforma em seu contrário. A atitude que condena toda relação de poder, aliás, toda forma de poder, tanto no âmbito da sociedade, como no âmbito do discurso sobre a sociedade, torna muito problemática, ou impossível, a “negação determinada” (bestimmte Negation), aquela negação de um “conteúdo determinado” que, hegelianamente, é o pressuposto de uma transformação real da sociedade, o pressuposto da revolução [35]. Além disso, esse esforço de individuação e desmistificação do domínio em todas as suas formas manifesta lacunas surpreendentes, justamente onde o domínio se manifesta em toda a sua brutalidade: a atenção reservada ao domínio colonial é muito escassa ou inexistente.

Pierre Boulez, amigo de Foucault, participa do protesto promovido por Sartre contra o massacre dos argelinos em Paris. Foucault parece não aderir. De maneira geral, ele não parece desempenhar nenhum papel na luta contra a tortura e a cruel repressão com que o poder procura debelar a luta pela libertação nacional.

Foi justamente observado, a respeito de Foucault, que “sua crítica do poder continua olhando para a Europa” [36].

Mas é possível ir além: o colonialismo e a ideologia colonial estão amplamente ausentes na história do mundo moderno e contemporâneo reconstruída pelo filósofo francês. A julgar por essa história, o “surgimento do racismo de Estado [deve ser colocado] no início do século XX” [37], enquanto é o advento do Terceiro Reich que marca o “aparecimento de um Estado absolutamente racista” [38].

Essa periodização foi posta em dúvida com muita antecedência pelos abolicionistas que, no século XIX, queimavam em praça pública a Constituição americana, tachada de ser um pacto com o diabo por consagrar a escravidão racial; ou aqueles abolicionistas que recriminavam a lei sobre os escravos fugitivos de 1850 por ela obrigar todo cidadão estadunidense “a se tornar um caçador de homens”: era passível de punição não só quem tentasse esconder ou ajudar o negro perseguido pelos seus legítimos proprietários, mas também quem não colaborasse para a sua captura [39].

Como justificativa parcial de Foucault, poder-se-ia dizer que ele ignora esse capítulo da história; mas, pelo menos, ele poderia ter lido o comentário de Marx sobre a Fugitive Slave Law: “Exercer a função de caçador de escravos por conta dos proprietários sulistas de escravos parecia ser a tarefa constitucional do Norte” (MEW, XV, 333).

Em todo caso, não estamos diante de um racismo que se manifesta apenas no âmbito da sociedade civil: o que decide a colocação social e o destino de um indivíduo, na base de normas jurídicas e constitucionais explícitas, é sua pertença racial.

A realidade do Estado racial surge com mais clareza nos Estados Unidos antes da Guerra de Secessão do que no Terceiro Reich: segundo as leis de Nuremberg, o que definia o judeu era também a pertença à religião judaica deste ou daquele seu antepassado, enquanto nos EUA a religião não exercia nenhuma função na definição do negro. O sangue decidia tudo: one drop rule. Hitler não possuía escravos (nem negros, nem judeus), enquanto nas primeiras décadas de história da república norteamericana quase todos os presidentes são proprietários de escravos (negros).

Se não na história dos Estados Unidos, Foucault poderia ter se concentrado na história da Confederação Secessionista ou da África do Sul, ou poderia ter manifestado uma consideração de caráter global: se analisarmos os países capitalistas juntamente com as colônias que eles possuíam, podemos perceber facilmente que o fenômeno denunciado por Ho Chi Minh em relação à Indochina tem um caráter geral: estamos diante de uma dupla legislação, uma para a raça dos conquistadores, outra para a raça dos conquistados. Nesse sentido, o Estado racial segue como uma sombra a história do colonialismo em seu conjunto; só que esse fenômeno se apresenta com mais evidência nos Estados Unidos por causa da contiguidade espacial em que vivem diferentes raças. Mas Foucault não dedica nenhuma atenção à história dos povos coloniais ou de origem colonial.

A história da ideologia racial traçada pelo filósofo francês também faz pensar.

Assim, “na metade do século XIX”, em contraposição à tradição da Escola dos Anais empenhada em consagrar a soberania, afirma-se um discurso completamente novo, antiautoritário e revolucionário, que decompõe a sociedade em raças (ou classes) em luta e introduz “um princípio de heterogeneidade: a história de uns não é a história de outros” [40].

Entretanto, algum tempo depois, verifica-se uma reviravolta: “a ideia de raça, com tudo aquilo que ela implica ao mesmo tempo em termos monista, estatal e biológico, substituirá a ideia de luta de raças”.

Trata-se de uma verdadeira inversão: “O racismo representa, literalmente, o discurso revolucionário, mas o representa pelo avesso”. Permanece o fato que “a raiz da qual se parte é a mesma” [41].

Desse quadro desapareceram “literalmente” os processos seculares de racização e desumanização que acometem os povos coloniais, assim como as grandes lutas pelo reconhecimento a começar daquela que, com a radicalização da Revolução Francesa, leva à abolição da escravidão nas colônias.

Enfim, Foucault acredita poder afirmar que “a grande ritualização pública da morte desapareceu [...] a partir do fi nal do século XIX” [42]. Na realidade, ainda nas primeiras décadas do século XX, nos EUA da white supremacy, o linchamento dos negros é organizado como espetáculo de massa, anunciado pela imprensa local, a que são chamados a assistir e participar também mulheres e crianças e que termina com a distribuição de lembrancinhas do rito sacrificial.

As remoções macroscópicas aqui evidenciadas produzem resultados muito significativos também no plano político. No momento que em Foucault ministra o seu curso no Collège de France aqui analisado – estamos em 1976 – ainda vigora o regime de apartheid da África do Sul racista.

Por outro lado, cerca de dez anos antes, Hanna Arendt chamara a atenção sobre a proibição que, em Israel, ainda atingia os casamentos interraciais e sobre outras normas de inspiração análoga, em paradoxal analogia com as “infames leis de Nuremberg de 1935” [43]. Mas, quando o autor francês começa a procurar outra realidade para comparar ao Terceiro Reich em termos de “racismo de Estado”, ele consegue identificá-la apenas na União Soviética, país que desde sua fundação tivera um papel decisivo na promoção da emancipação dos povos coloniais e que, ainda em 1976, estava em primeiro plano na denúncia da política antinegra e antiárabe conduzida, respectivamente, pela África do Sul e por Israel!

Foi observado que Foucault exerce uma influencia considerável sobre Antonio Negri.

Com efeito... Hoje em dia, importantes autores norte-americanos de orientação liberal descrevem a história de seu país como a história de uma Herrenvolk democracy, ou seja, de uma democracia que vale apenas para o Herrenvolk (é significativo o recurso de linguagem caro a Hitler), para os “povos dos senhores” e que, por outro lado, não hesita em escravizar negros e exterminar os peles-vermelhas da face da terra.

Empire , no entanto, fala em tom compungido de uma “democracia americana” que rompe com a visão “transcendente” do poder, típica da tradição europeia [44].

A apologia, porém, não para aqui. Tomemos uma figura central da história do imperialismo americano, ou seja, Wilson. No momento em que ele começa sua carreira política, o Sul, de onde provém, assiste a irrupção dos esquadrões do Ku Klux Klan contra os negros. Mas o futuro presidente toma a palavra, com um artigo do Atlantic Monthly de janeiro de 1901, para pronunciar um libelo contra as vítimas: os “negros” são “excitados por uma liberdade que não compreendem”, são “insolentes e agressivos, preguiçosos e ávidos de prazeres”!
Em todo caso, a “emancipação repentina e absoluta dos negros” foi uma catástrofe: causou uma situação “muito perigosa”, que a “as assembleias legislativas do Sul” (isto é, os brancos) são obrigadas a enfrentar com “medidas extraordinárias” (os linchamentos e o terror) [45].

Wilson permanecerá sempre fiel a essa plataforma ideológica e política, em conformidade com a white supremacy no plano interno e internacional.

Nesse mesmo contexto pode ser colocado o grande bastão agitado e usado contra a América Latina.

Não se deve esquecer que as próprias relações com os aliados europeus, muitas vezes, são caracterizadas por uma rude Realpolitik. Não é por acaso que desde jovem Wilson sente a atração de Bismarck [46]. Tudo isso não impede o presidente norte-americano de intervir na Primeira Guerra Mundial em nome da missão democrática universal dos Estados Unidos: é uma “guerra santa, a mais santa de todas as guerras”, um “empreendimento transcendente”, do qual são protagonistas os “cruzados” protagonistas americanos.

Esse entrelaçamento singular da Realpolitik e da ideia religiosa de missão selada por uma relação privilegiada e direta com o Senhor, provoca a pungente ironia de Freud [47]. Mas esse entrelaçamento torna mais fácil o recurso ao punho de ferro contra a oposição pacifista. É uma repressão bem mais dura do que aquela desencadeada no mesmo período na Alemanha guilhermina e que, não por acaso, provoca a admiração de Mussolini, que está percorrendo a passos largos o caminho que o conduzirá ao movimento esquadrista e ao fascismo [48]. Agora, porém, leiamos Negri (e Hardt): o que caracteriza Wilson é “uma ideologia pacifista internacionalista”, bem distante da “ideologia imperialista tipicamente europeia” [49]!

Desde sempre, os ideólogos do Manifest Destiny insistem no primado moral e político dos Estados Unidos, na exceção, ou melhor, no “excepcionalismo” representado por um país, que é a única ilha de liberdade num imenso oceano de despotismo: Empire não argumenta de maneira diferente.

A essa altura proponho uma espécie de exercício intelectual ou, se quisermos, de jogo. Confrontemos dois trechos de dois autores sensivelmente diferentes entre si, mas ambos empenhados em contrapor positivamente os Estados Unidos à Europa.

O primeiro celebra a “experiência americana”, ressaltando “a diferença entre uma nação concebida na liberdade e devota ao princípio segundo o qual todos os homens foram criados iguais e as nações do velho continente, que certamente não foram concebidas na liberdade” [50] .

Vejamos agora o que diz o segundo:

“O que era a democracia americana senão uma democracia fundada no êxodo, em valores afirmativos e não dialéticos, no pluralismo e a liberdade? Esses mesmos valores – juntamente com a ideia da nova fronteira – não alimentavam continuamente o movimento expansivo do seu fundamento democrático para além das abstrações da nação, da etnia e da religião? [...] Quando Hannah Arendt escrevia que a Revolução Americana era superior à Revolução Francesa, pois a Revolução Americana devia ser entendida como uma busca sem fi m da liberdade política, enquanto que a Revolução Francesa havia sido uma luta limitada em torno da escassez e da desigualdade, ela exaltava um ideal de liberdade que os europeus tinham perdido, mas que reterritorializavam nos Estados Unidos” [51].

Qual dos dois trechos aqui citados é mais apologético? É difícil dizer, embora o segundo pareça mais inspirado e lírico: ele foi escrito por Negri (e Hardt), enquanto o primeiro é de Leo Strauss, o autor de referência dos neoconservadores americanos! Vem à mente a observação de Marx a respeito de Bakunin que, com todo seu radicalismo anti-estatalista, acaba poupando a Inglaterra, “o Estado propriamente capitalista”, àquele que constitui “a ponta de lança da sociedade burguesa na Europa” (MEW, XVIII, 610 e 608).

O anarquismo dos nossos dias vai além, poupando o país que, aos olhos de uma grande e crescente opinião pública mundial, é sinônimo não só de capitalismo, mas também de militarismo e imperialismo. É um país que, aos olhos de eminentes historiadores norte-americanos de orientação liberal, encarna um “excepcionalismo” bem diferente daquele imaginado por Strauss, Negri e Hardt: “Só nos Estados Unidos houve uma ligação estável e direta entre propriedade em escravos e poder político. Só nos EUA os proprietários de escravos tiveram um papel decisivo para fundar uma nação e criar instituições representativas” [52].

Sartre denunciava, na sua época, “aquele monstro supereuropeu, a América do Norte” [53]. Agora, porém, Empire não só contrapõe positivamente os Estados Unidos à Europa, mas subscreve, ainda, a tese de Arendt sobre a nítida superioridade da Revolução Americana em relação à Revolução Francesa: é evidente que nesse confronto em preto e branco a deportação e a dizimação dos peles-vermelhas e a escravidão dos negros, desenvolvida vigorosamente pela primeira e abolida pela segunda, não exercem nenhum papel.

Negri e Hardt não se deixam impressionar pelo fato que, junto com o jacobinismo, Arendt arrasta também Marx para o banco dos réus, o autor da “doutrina politicamente mais prejudicial da Idade Moderna”, o responsável por “uma verdadeira capitulação da liberdade diante da necessidade”: nisso ele deixou-se influenciar por “seu mestre de revolução, Robespierre” e influenciou, de forma ruinosa, por sua vez, “seu maior discípulo, Lênin” [54].

Portanto, juntamente com a condenação sem atenuantes das duas Revoluções que puseram em discussão o sistema mundial da escravidão e da opressão colonial, Negri e Hardt subescrevem a liquidação do filósofo que, ao condenar a escravidão assalariada praticada na metrópole, remete, às vezes de modo explícito, outras de modo implícito, à escravidão propriamente dita que subsiste nas colônias. É a autodissolução do “marxismo ocidental”.

6. “Marxismo ocidental”, “marxismo oriental”

A essa altura, é oportuno examinar de novo a distinção-contraposição formulada por Perry Anderson, à época, entre “marxismo ocidental” e “marxismo oriental” [55].

Primeiramente, convém analisar as condições históricas diferentes em que um e outro viveram e operaram. Partiremos de 1917.

Se no Ocidente prevalece, em primeiro lugar, a denúncia das consequências nefastas (a carnificina e o afundamento da democracia) provocadas pela competição e pela guerra interimperialista, no Oriente, ao contrário, a Revolução de Outubro tem uma repercussão extraordinária graças ao apelo aos “escravos das colônias” para quebrar as correntes da opressão e da humilhação nacional.

Se no Ocidente o Estado-nação era o Moloc sanguinário que sacrificava milhões de homens à sede de domínio e aos interesses do grande capital, no Oriente era o objetivo a ser alcançado para livrar-se do jugo colonial e acabar com as práticas escravagistas e genocidas realizadas pelas grandes potências capitalistas contra os bárbaros.

Nas duas áreas em que o mundo estava dividido, o imperialismo era percebido de modo diferente; não há contradição, e sim plena convergência entre esses dois aspectos. Entretanto, o marxismo ocidental e o marxismo oriental nunca se encontraram? Será que o primeiro nunca compreendeu realmente o segundo?

É preciso fazer uma ulterior consideração.

A partir do momento em que se esboçam as primeiras dificuldades e tragédias do regime nascido da Revolução de Outubro, mas, sobretudo a partir do momento em que se evidencia a crise do “socialismo real”. A divergência entre marxistas orientais e marxistas ocidentais assistiu à contraposição entre marxistas que, de um lado, exercem o poder e marxistas que, de outro, estão na oposição e se concentram cada vez mais na “teoria crítica”, na “desconstrução”, aliás, na denúncia do poder e das relações de poder como tais.

Está aqui precisamente o ato de nascimento do “marxismo ocidental”, o qual, distanciando-se progressivamente do poder, julga identificar a condição privilegiada para redescobrir o marxismo “autêntico”, não mais reduzido à ideologia de Estado.

Contudo, esta autoconsciência orgulhosa e, talvez, arrogante, possui um fundamento real? Há o outro lado da moeda, muitas vezes esquecido. Poder-se-ia dizer que o marxismo oriental encontrou-se numa situação mais favorável para compreender e assimilar uma tese essencial de Marx:

“A profunda hipocrisia, a intrínseca barbárie da civilização burguesa estão diante de nós sem véus, não apenas nas grandes metrópoles, onde elas assumem formas respeitáveis, mas voltemos os olhos às colônias, onde perambulam nuas”. (MEW, IX, 225).

O marxismo ocidental, no entanto, concentrou-se quase exclusivamente nas “formas respeitáveis” do domínio burguês e capitalista.

Após perder de vista a sorte que, em primeiro lugar, estava reservada aos povos coloniais e de origem colonial, a crítica do “socialismo real”, embora absolutamente necessária, desembocou numa banal apologética liberal e numa liquidação indiferenciada da história do comunismo do século XX.

Esclarecedora é a parábola de Colletti, discípulo de Della Volpe. Mas não menos significativa é a atitude de dois autores que continuam sendo uma referência para a esquerda. Falando da União Soviética de Stalin (e implicitamente de todos os países, que tiveram de curvar-se à lógica do “socialismo num só país”), Hardt e Negri escrevem: “É uma trágica ironia do destino que, na Europa, o socialismo nacionalista acabasse por assemelhar-se ao nacionalsocialismo [...]. A máquina abstrata da soberania constituía o centro de ambos os sistemas” [56].

Nesse balanço histórico temerário, os povos em condições coloniais ou semicoloniais continuam sem desempenhar nenhum papel. Dois países são tranquilamente comparados e assimilados, dos quais o primeiro deu um forte impulso ao processo de descolonização, e o segundo se propôs herdar e radicalizar a tradição colonial, chegando ao ponto de considerá-la atual na própria Europa oriental.

Se, por outro lado, considerarmos o mundo colonial, o balanço histórico do século XX é bem diferente daquele tão caro à ideologia dominante (e, hoje, até mesmo para os sobreviventes do “marxismo ocidental”). Mesmo concentrando a atenção exclusivamente na “democracia formal”, ou seja, no governo da lei e nas liberdades clássicas da tradição liberal, podemos dizer que as sociedades nascidas do Outubro Revolucionário se fecharam sobre si mesmas e acabaram anulando toda forma de democracia; portanto, ao mesmo tempo, elas estimularam a demanda por democracia e emancipação, por reconhecimento, as demandas provenientes dos países coloniais ou dos países colocados na periferia da metrópole capitalista.

Neste segundo caso, foi justamente a metrópole democrático-burguesa que sufocou no sangue as reivindicações democráticas.

A influência positiva da União Soviética e do “campo socialista” pode ser constatada também no que diz respeito a uma população de origem colonial colocada no próprio coração da metrópole capitalista. Refiro-me aos afro-americanos. Eles são oprimidos por um regime da white supremacy terrorista no momento em que eclode a Revolução de Outubro. Mas é a partir dela que se percebe uma nova inquietação entre os negros que, sem se deixar intimidar pela caça às bruxas, declaram:

“Se lutar pelos próprios direitos significa ser bolchevista, pois bem, nós somos bolchevistas e os outros devem se resignar” [57].

Façamos um salto de quinze anos. É o período mais trágico na história da União Soviética. Imposta fundamentalmente do alto e de fora, a coletivização da agricultura difundiu o gulag em larga escala, enquanto no horizonte vislumbra-se o Grande Terror.

É interessante ver, contudo, de que maneira continua sendo recebido pelos afro-americanos o país nascido da Revolução de Outubro. Eles, graças à ação do Partido Comunista dos Estados Unidos, começam a receber aquilo que o regime de supremacia branca obstinadamente lhes negava: uma cultura que ia além da instrução elementar, tradicionalmente dada àqueles que estavam destinados a fornecer trabalho semisservil a serviço da raça dos senhores.

Agora, porém, nas escolas organizadas pelo Partido Comunista no Norte dos EUA ou nas escolas de Moscou, os negros se empenham no estudo da economia, da política e da história mundial; questionam essas disciplinas para compreender as razões do destino cruel a eles reservado num país que se vangloria, no entanto, de ser o campeão da liberdade.

Ocorre uma mudança profunda naqueles que frequentam essas escolas: a “impudência” que lhes é recriminada pelo regime da white supremacy é, na realidade, a autoestima até aquele momento cerceada e esmagada .

Uma mulher negra, delegada no Congresso Internacional das Mulheres contra a Guerra e o Fascismo, realizado em Paris em 1934, ficou profundamente impressionada pelas relações de igualdade e fraternidade, apesar das diferenças de língua e de raça, que se instauram entre as participantes desta iniciativa promovida pelos comunistas. “Era o paraíso na terra”.

“Aqueles que chegam a Moscou” – observa um historiador estadunidense contemporâneo – “experimentam um sentido de liberdade inaudito no Sul” dos EUA.

Um negro que se apaixonasse por uma mulher branca soviética e casasse com ela, ainda que mais tarde, ao voltar para a pátria, não possa trazê-la consigo, conhecendo bem o destino que no Sul aguarda os que se mancham com a culpa da miscegenation e com o abastardamento racial [58]. Contudo, mesmo onde grassa o regime da white supremacy, percebe-se um clima novo: olha-se com esperança para a União Soviética e para Stalin como o “novo Lincoln”, o Lincoln que acabaria desta vez, de maneira definitiva, com a escravidão dos negros, a opressão, a degradação, a humilhação, a violência e os linchamentos que continuavam sofrendo [59].

Essas esperanças não foram totalmente frustradas. Pensemos no período e nas modalidades que caracterizam o fim do regime de supremacia branca.

Em dezembro de 1952, o Secretário de Justiça norte-americano envia uma carta eloquente à Suprema Corte, empenhada em discutir a questão da integração nas escolas públicas: “A discriminação racial alimenta a propaganda comunista e suscita dúvidas também entre as nações amigas sobre a intensidade da nossa devoção à fé democrática”. Washington – observa o historiador norte-americano que em nossos dias reconstrói esse acontecimento – corria o risco de se tornar inimigo das “raças de cor” não só no Oriente e no Terceiro Mundo, mas no próprio coração dos Estados Unidos: aqui também a propaganda comunista conseguia um sucesso considerável na sua tentativa de ganhar os negros para a “causa revolucionária” abalando-lhes a “fé nas instituições americanas” [60].

Não há dúvida: nesse caso teve papel decisivo a preocupação com o desafio representado objetivamente pela URSS de Stalin e pela influência exercida por ela sobre povos coloniais e de origem colonial.

Vimos que, ao contrário de grande parte do marxismo ocidental, o “marxismo oriental” soube focalizar bem a barbárie colonial do capitalismo. Mas não se trata só disso. Lembremos que Lênin subscreve e considera “magnífica” a “fórmula” da Lógica hegeliana segundo a qual o universal deve ser de forma tal que contenha em si “a riqueza do particular” [61].

É em homenagem a esse enfoque que personalidades como Lênin, Ho Chi Min, Mao, Castro etc. nunca puseram em contradição patriotismo e internacionalismo. Aliás, sempre enxergaram na luta de libertação das nações oprimidas um momento essencial da marcha do internacionalismo e do universalismo, daquilo que Gramsci define como “humanismo integral”.

Não é assim, porém no marxismo ocidental. Por um lado – pensemos sobretudo em Althusser – as categorias de humanidade, povo e nação foram vistas com suspeita, como traição da luta de classes. Trata-se de uma atitude de purismo supersticioso, que esquece como as categorias de socialismo, revolução e classe operária podem ser submetidas em sentido conservador e até mesmo reacionário (como no caso da National-sozialistische deutsche Arbeiterpartei de funesta e hitleriana memória).

Em todo caso, as preocupações de Althusser podem ser respondidas com uma penetrante observação de Mao: “Em última análise, a luta nacional é uma questão de luta de classes” [62].

Por outro lado – pense-se, sobretudo em Adorno e atualmente em Negri – difundiu-se o desprezo para com as lutas de libertação nacional, postas em contradição com o internacionalismo e o universalismo.

Não por acaso, hoje em dia, é grande o desprezo que os sobreviventes do marxismo ocidental ostentam pelos esforços que países como a China e o Vietnã fazem para consolidar a independência, também no plano econômico, de modo a poder dar – declara Deng Xiaoping em 1987 – “uma contribuição real à humanidade” [63].

De um lado ou de outro, devido à visão reducionista da luta de classes ou da visão abstrata do universal, o marxismo ocidental, em geral, não conseguiu entender a unidade entre universal e particular.

Esse apego a uma visão abstrata e pura do universal, se de um lado impediu uma adequada compreensão dos movimentos de libertação nacional (que continuam a se desenvolver também depois da conquista o poder), de outro tornou impossível a compreensão de um motivo de fundo da crise do “campo socialista”.

A ruptura entre URSS e Iugoslávia em 1948, e depois a invasão soviética da Hungria e da Tchecoslováquia. Os conflitos intensos, as quase-guerras ou as guerras propriamente ditas que surgem entre URSS e China, China e Vietnã e Vietnã e Camboja, tudo isso revela como é difícil a necessária obra de conciliação do internacionalismo (o universal) com o respeito dos interesses, das identidades, das sensibilidades nacionais (o particular).

O Partido Comunista Chinês [64] mencionou esse problema algumas vezes em seus melhores momentos; quanto ao marxismo ocidental, este quase sempre leu esses conflitos de modo estereotipado como choques entre despotismo estalinista e espírito libertário, entre burocracia e massas, ou entre coerência revolucionária de um lado e oportunismo ou revisionismo de outro, ou ainda, de modo mais apressado, como demonstração do estranhamento substancial de ambas as partes em luta pelo “autêntico” socialismo e marxismo.

Por fim, o marxismo ocidental desfrutou de sua distância do poder como uma condição privilegiada ou exclusiva para o desenvolvimento das potencialidades críticas da teoria de Marx. Mas se por um lado a distância do poder e o desdém diante do poder podem ofuscar a lucidez do olhar, por outro podem turvar a visão, tornando mais difícil a compreensão dos conflitos mundiais, favorecendo uma atitude idealista e, em última análise, a fuga da história. Só assim pode-se explicar a tese de Bloch segundo a qual a revolução burguesa “limitou a igualdade à igualdade política”. Mesmo querendo ocupar-se exclusivamente da metrópole ocidental, trata-se de uma afirmação historicamente insustentável: basta pensar na longa duração da discriminação censitária e sexual.

No conjunto, com o passar dos anos, o marxismo ocidental acabou involuntariamente representando duas figuras fundamentais da filosofia hegeliana: na medida em que se satisfaz com a crítica e, aliás, encontra sua razão de ser na crítica, sem pôr-se o problema de formular alternativas possíveis e de construir um bloco histórico alternativo àquele dominante, ele é a ilustração da sabichonice do dever ser; quando, pois, desfruta da distância do poder como uma condição da própria pureza, ele encarna a bela alma.

Talvez não seja por acaso que, hoje, tenha tanto sucesso no ambiente de esquerda um livro, que desde o título convida a mudar o mundo sem tomar o poder [65].

A autodissolução do marxismo ocidental se configura aqui como o abandono do terreno da política e o desembarque na religião.

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Notas

1 NE: o artigo está publicado de acordo com a versão apresentada originalmente, inclusive a normalização, na obra: Wie der «westliche Marxismus» geboren wurde und gestorben ist. In: Erich Hahn, Silvia Holz-Markun (eds.), Die Lust am Widerspruch. Theorie der Dialektik-Dialektik der Theorie. Symposium aus Anlass des 80. Geburtstag von Hans Heinz Holz, Trafo, Berlim, 2008, pp. 35-60.
2 Bobbio, 1977, pp. 164, 167 e 280.
3 Mill, 1972, p. 73.
4 Bloch, 1961, p. 157.
5 Bloch, 1961, p. 80.
6 Mao Tsé-tung, 1998, p. 377.
7 Bloch, 1961, p. 7; Mao Tsé-tung, 1998, p. 377.
8 Bloch, 1961, p. 79; Mao Tsé-tung, 1998, p. 379.
9 In: Lacouture, 1967, p. 37.
10 Sostanze infiammabili nella politica mondiale (1908), In: Lênin 1955-70, vol.
XV, pp. 178-9.
11 Primeiro esboço de teses sobre a questão nacional e colonial (junho 1920), In: Lênin 1955-70, vol.
XXXI, p. 162.
12 Togliatti, 1974-84, p. 866.
13 Althusser, 1967, pp. 17-8.
14 In: Althusser, Balibar, 1968, p. 149.
15 Althusser, 1967, p. 06.
16 Nietzsche, 1988, vol. I, p. 117 ( O Nascimento da Tragédia , 18)
17 Nietzsche, 1988, vol.
XII, p. 503.
18 Nietzsche, 1988, vol. XII, p. 491-2.
19 In: Althusser, Balibar, 1968, p. 150.
20 Althusser, 1969, p. 24.
21 Adorno, 1970, pp. 304-5 e 307.
22 Ho Chi Minh, 1969, pp. 75 e 78.
23 In: Lacouture, 1967, pp 39-40.
24 Mao Tsé-tung, 1998, pp. 87-8.
25 Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação (maio de 1914), ver Lênin 1955-70, vol. XX, p. 416-7.
26 Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918), In: Lênin 1955-70, vol. XXVI, p. 403.
27 Hardt, Negri, 2002, pp. 133 e 112.
28 Mao Tsé-tung, 1969-75, vol. IV, p. 467 ( A falência da concepção idealista da história, 16 de setembro de 1949).
29 Le Duan, 1969, pp. 61-3.
30 Tronti, 1966, p. 263.
31 Lin Piao, 1969, pp. 61-2.
34 In: Althusser, Balibar, 1968, p. 27.
35 Hegel, 1969-79, vol. V, p. 49.
36 Taureck, 2004, pp.40 e 116.
37 Foucault, 1990, p. 52.
38 Foucault, 1990, p. 169.
39 Cf. Losurdo, 2005a, cap. IV, 2.
40 Foucault, 1990, pp. 62 e 56.
41 Foucault, 1990, p. 63.
42 Foucault, 1990, p. 160.
43 Arendt, 1993, pp. 15-6.
44 Hardt, Negri, 2002. p. 158.
45 In: Logan, 1997 p. 378.
46 Heckscher, 1991, pp. 44 e 298.
47 Losurdo, 2007, cap. VI, 11 e cap. II, 1.
48 Losurdo, 1993, cap. 5, 2 e 7.
49 Hardt, Negri, 2002, pp. 166-7.
50 Strauss, 1998, pp. 43-4.
51 Hardt, Negri, 2002, pp. 352-3.
52 Davis, 1982, p. 33.
53 Sartre, 1967, p. XXII.
54 Arendt, 1983, pp. 65-6.
55 Anderson, 1997.
56 Hardt, Negri, 2002, p. 115.
57 Franklin, 1983, p. 398.
58 Kelley, 1990, pp. 94-6.
59 Kelley, 1990, p. 100.
60 Cf. Losurdo, 2005a, cap. X, 6.
61 Lênin, 1969, p. 89.
62 Mao Tsé-tung, 1998, pp. 379.
63 Deng Xiaoping, 1994, p. 222.
64 Losurdo 2005b, cap. V, 2.
65 Halloway, 2004.


A tradução original para o português encontra-se em: Estudos de Sociologia, Revista Semestral do Departamento de Sociologia e Programa de Pós-Gradução em Sociologia, FCL-UNESP, Araraquara, v.16, n.30, p.213-242, 2011.
Tradução e revisão técnica de Carlo Alberto Dastoli, dastoli@uol.com.br

Este ensaio foi extraído de: Resistir

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