segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Espionagem pela NSA-EUA gera corrida para proteger dados

28/9/2013, Elizabeth Dwoskin e Frances Robinson, The Wall Street Journal (ed. EUA)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


As empresas Google Inc. GOOG-0.05%, Facebook Inc. FB-1.97% e outras companhias norte-americanas de tecnologia entraram em modo defensivo, quando começou a ser divulgado o material de Edward Snowden sobre a vigilância, pelo governo dos EUA, no tráfego de Internet. Fora dos EUA, alguns governos e algumas empresas viram aí uma oportunidade.

Três dos maiores provedores de e-mail da Alemanha, inclusive a semiestatal Deutsche Telekom DTE.XE-0.60% rapidamente se organizaram para oferecer um novo serviço, Email Made in Germany. As empresas prometem que, se os servidores alemães passarem a encriptar as mensagens, em estrito respeito às leis alemãs, as autoridades norte-americanas não conseguirão, com a mesma facilidade de antes, invadir a privacidade dos usuários. Mais de 100 mil usuários alemães já contrataram esse serviço, desde que passou a ser oferecido, em agosto.

Edward Snowden
Fora dos EUA, vários governos já cuidam de fazer aprovar novas leis, decorrentes das revelações feitas por Edward Snowden.

“Podemos dizer que protegemos mensagens de correio eletrônico conforme as leis alemãs” – diz Jorg Fries-Lammers, porta-voz de uma das empresas alemãs, a 1&1 Internet AG. – “Não há dúvidas de que temos programa campeão de vendas”.

A Agência de Segurança Nacional dos EUA reconheceu que recolhe dados de mensagens de e-mails sobre norte-americanos, através das empresas de telefonia e prestadoras de serviços de internet. Empresas do Vale do Silício apressaram-se a esclarecer que não fornecem acesso total aos dados dos usuários, mas que estão impedidas de oferecer maiores detalhes.

Envolvidos e estimulados pela controvérsia, vários países já se mobilizam para usar leis de proteção à privacidade como vantagem competitiva – um meio para estimular empresas locais, que há muito tempo lutam em condições de desigualdade contra as empresas Google, Microsoft Corp. MSFT+0.03% e outros tech-gigantes norte-americanos.

“Os países estão competindo para ser as Ilhas Caimã da privacidade de dados” – diz Daniel Castro, analista sênior do instituto Information Technology and Innovation Foundation, um think-tank não partidário, com sede em Washington, D.C., mantido por doações da indústria de tecnologia.

Embora a criação dessas ilhas de privacidade possa ser boa alavanca de marketing, as iniciativas enfrentam algumas dificuldades. Leis que exijam que os dados sejam armazenados nos respectivos países podem servir de poderoso estímulo para as empresas provedoras locais, mas também podem fazer subir os preços para os usuários.

E criar fronteiras domésticas para os serviços online colide contra uma dura realidade.

“É medida que ignora, basicamente, a totalidade da Internet” – diz Ronaldo Lemos, diretor do Instituto Technology & Society, think-tank com sede no Rio de Janeiro. “Esses dados têm de circular. São mandados para Miami, para a Europa. Os dados não ficam parados”.

Mesmo assim, governos europeus começam a falar novamente sobre a necessidade de uma “euro nuvem”, na qual os dados dos usuários possam sem partilhados dentro da Europa, mas não para fora da região. O Brasil trabalha com rapidez para fazer votar uma lei, até há poucos dias deixada de lado, e que exige que dados sobre brasileiros sejam armazenados em servidores dentro do país. E a Índia planeja proibir que empregados do estado e do governo usem serviços de e-mail das empresas Google e Yahoo.Inc. YHOO-1.13%.

As empresas norte-americanas assistem a essa movimentação com ansiedade.

Sheryl Sandberg
“Temos, mesmo, de estar muito nervosos, se vários países começarem a impor exigências caras às empresas, como condição para prestarmos serviços aos cidadãos daqueles países” – diz Sheryl Sandberg, Operadora Chefe da empresa Facebook. “Significa fragmentar a Internet e criar ameaças para as oportunidades econômicas e sociais que a Internet cria”.

A empresa Google disse que não comentaria o assunto; e a empresa Yahoo não respondeu aos nossos pedidos de entrevista.

Ainda é prematuro falar de alguma grande tendência em formação. Mas a Fundação Information Technology and Innovation estima que os desdobramentos das revelações sobre a espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA possam custar ao Vale do Silício a perda de até $35 bilhões anuais dos lucros anuais, a maior parte dos quais corresponderiam a negócios perdidos em outros países. Pesquisa feita esse verão pela Cloud Security Alliance, grupo da indústria, concluiu que 56% de usuários não norte-americanos declararam que a preocupação com a segurança tornava menos provável que viessem a usar serviços de nuvem com base nos EUA. 10% declararam que já haviam cancelado pelo menos um contrato de serviços.

“Conversamos com nossos agentes de vendas, que estão em contato diário com os usuários, e, sim, é possível que a confiança dos usuários tenha sido consideravelmente abalada em todo o mundo” – diz John Frank, vice-conselheiro geral na Microsoft.

A verdade é que as empresas norte-americanas enfrentarão dificuldades para reparar qualquer dano, sobretudo porque ainda não se sabe a extensão de todas as atividades da Agência de Segurança Nacional, e outras nações já estão criticando os EUA.

Na 3ª-feira, a presidenta Dilma Rousseff do Brasil, em discurso na ONU, denunciou a espionagem norte-americana contra seu país. Na semana anterior, ela já cancelara uma visita oficial a Washington.

Neelie Kroes
A vice-presidenta da Comissão Europeia, Neelie Kroes, que supervisiona o portfólio digital da União Europeia, também está encorajando as empresas do bloco a investir na proteção da privacidade. “A privacidade não é apenas direito fundamental” – ela disse na Estônia, nesse verão. – “Pode ser também uma vantagem competitiva”.

Para as empresas alemãs pequenas, que concorrem contra grandes empresas – como as gigantes Symantec Corp. SYMC+0.08% e Amazon.com Inc., AMZN-1.07% provedoras de serviços de nuvem – as revelações sobre a espionagem norte-americana “são presente caído do céu”, diz Oliver Dehning, diretor executivo da empresa AntispameuropeGmbH, que vende programas de proteção anti-spam. “É uma oportunidade para reagir e começar a proteger nosso mercado nacional”.

Dehning converteu as revelações de Snowden em campanha de marketing, tuitando sobre o noticiário, e em conferências e palestras para a indústria, em que indica como os alemães podem proteger-se contra espionagem.

As empresas Symantec e Amazon recusaram-se a responder nossas perguntas, quando preparávamos esse artigo.

Frances Robinson
Mas algumas das promessas sobre ilhas seguras de dados podem ser mais difíceis de cumprir, que de prometer.

Muitas das novas leis propõem que as informações sobre cidadãos sejam armazenadas nos respectivos países, mas esquecem que os dados podem ter de ser transferidos também para outros países.

E leis que exijam hospedagem doméstica podem aumentar os preços da computação. “Os hospedeiros locais enfrentarão dificuldades concorrenciais na competição com a economia de escala que beneficia as gigantes norte-americanas”, diz Jim Reavis, presidente da Cloud Security Alliance. “Além do fato de que pode ser menos caro usar um centro de dados em outro país, que construir um centro doméstico”.

Por outro lado, a computação por país também pode gerar preocupações com a privacidade. Alguns países – o Brasil, por exemplo – não protege a privacidade dos dados de internet dos cidadãos. Implica que os usuários não estarão protegidos contra a vigilância pelo próprio estado brasileiro. Segundo a empresa Facebook, o Brasil já requereu dados de 715 usuários, no primeiro semestre de 2013.

Elizabeth Dwoskin
Graças a leis estritas de proteção à privacidade já vigentes na Alemanha, o movimento Email Made in Germany diz que os usuários que enviem mensagens de e-mail para outros usuários da mesma rede protegida podem ter certeza de que nem o governo dos EUA nem o governo alemão conseguirão espioná-los. O usuário vê um sinal de “protegido” em verde brilhante, ao lado de mensagens enviadas a outros assinantes do sistema protegido. E veem um sinal em cor cinza, ao lado de mensagens recebidas de outros provedores. Significa que os alemães podem garantir o respeito à privacidade só dos e-mails de usuários em território alemão.

E até algumas das empresas que procuram lucrar com o medo da invasão de privacidade pelos espiões norte-americanos já reconhecem que agências oficiais, em outros países, já estão fazendo o possível para ‘copiar’ as capacidades de Washington.

“No longo prazo, não haverá diferença alguma entre os espiões norte-americanos, alemães, franceses ou britânicos” – diz Roberto Valerio, cuja empresa alemã de armazenamento em nuvem, a CloudSafe GmbH, já registrou aumento de 25% em suas vendas, desde as primeiras revelações sobre a espionagem norte-americana.


“Até o fim do dia, alguma agência de espionagem, de algum governo, conseguirá espionar você” – diz ele.

domingo, 29 de setembro de 2013

Brasil porá fim à espionagem norte-americana em seu território

27/9/2013, [*] Nil Nikandrov, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Dilma Rousseff na abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU
Pode-se entender facilmente a razão da indignação do governo brasileiro, quando vieram à luz as revelações de Edward Snowden, que provaram que os EUA estão envolvidos em vastos esforços de espionagem eletrônica e de inteligência contra o Brasil.

A presidenta Dilma Rousseff e seu governo não se sentiram obrigados a render-se à descoberta de que, de fato há muito tempo, segredos militares e da indústria do petróleo nacionais eram conhecidos pelo principal rival econômico do país na região, ou, dito em termos mais claros: pelo único opositor da democracia brasileira no Hemisfério Ocidental.

Thomas Shannon
Sempre sorridente, o embaixador Thomas Shannon falava de sentimentos de amizade fraternal com o povo brasileiro, ao mesmo tempo em que, gradualmente, ia enredando o Brasil nos esquemas da Pax Americana. Como seus predecessores, Shannon de fato hipnotizava alguns, com promessas de que Washington apoiaria o acesso do Brasil à posição de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Há anos o Brasil insiste em que a ONU deve ser reformada, de modo a reconhecer o status do Brasil como uma das grandes potências mundiais – e pacíficas.

Shannon fez o que pôde para difamar os BRICS. Sempre repetiu que a inclusão do Brasil no grupo dos BRICS cortava a possibilidade de o Brasil vir a ser membro do “primeiro mundo”. Quando falava a políticos, jornalistas e aos veículos de propaganda em geral, Shannon jamais deixou de repetir que laços econômicos, comerciais, políticos e militares com Rússia e China não serviriam jamais a qualquer objetivo geostratégico que os brasileiros acalentassem. 

O embaixador dos EUA muito se empenhou para promover organizações não governamentais que operam no Brasil e as atividades da agência USAID, agência que opera como cobertura para agentes especiais de espionagem, sejam agentes ativos, sejam aspirantes à nomeação para o serviço ativo, que ainda têm de ‘'mostrar serviço'’ na proteção dos interesses do império nos flancos distantes.

Segundo especialistas brasileiros, há pelo menos 500 agentes operativos dos serviços especiais dos EUA ativos no Brasil, clandestinos e “abertos”. A possibilidade de esses espiões agirem no Brasil absolutamente sem qualquer limitação até há pouco tempo, permitiu que os norte-americanos criassem uma rede bifurcada de inteligência humana (HUMINT) que pode causar grave dano aos interesses brasileiros, como a Agência de Segurança Nacional dos EUA e sua rede de vigilância eletrônica.

Dia 6/9 passado, Shannon deixou o posto em Brasília, caído em desgraça e sem sequer cumprir a rotina de “despedidas” de praxe. Como é normal nesses casos, o pessoal da comunidade de inteligência norte-americana acelerou o trabalho com fontes locais de informação no Brasil, dado que se sabe que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e outras estruturas locais assemelhadas já se organizam para fechar os caminhos que, até agora, permaneceram desprotegidos.

A presidenta Dilma Rousseff tomou medidas para manifestar amplamente seu protesto ante a pobreza e a insuficiências das explicações que recebeu da Casa Branca sobre as ações de vigilância norte-americana em território brasileiro. Como primeira medida, cancelou uma visita oficial já agendada a Washington. Na sequência, em discurso na sessão de abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU, vergastou duramente os EUA. Em termos bastante duros, Rousseff atacou diretamente o sistema de vigilância norte-americano. Disse que é “uma afronta” à soberania do Brasil e totalmente inaceitável. Nas palavras da presidenta do Brasil:

Revelações recentes concernentes a atividades de uma rede global de espionagem eletrônica causaram indignação e repúdio na opinião pública mundial. No Brasil, a situação foi ainda mais grave, dado que se descobriu que nosso país foi alvo preferencial dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos foram indiscriminadamente interceptados. Informação de natureza empresarial – em vários casos de alto valor econômico e até estratégico – foram alvos centrais da atividade de espionagem. 

Missões diplomáticas brasileiras, dentre as quais a Missão Permanente na ONU e até o Gabinete da Presidência da República tiveram comunicações interceptadas. Intromissão desse tipo em assuntos de outros países é violação da Lei Internacional e é uma afronta aos princípios que devem guiar as relações internacionais, sobretudo entre nações amigas. Um estado soberano não se pode estabelecer em detrimento de outro estado soberano. O direito à segurança dos cidadãos de um país jamais estará preservado pela violação dos direitos fundamentais dos cidadãos de outro país. Os argumentos de que a interceptação ilegal de informações e dados visaria a proteger nações contra o terrorismo não se sustentam.

As TELES querem ALTERAR o Marco Civil da Internet
(clique na imagem para ler)
A presidenta do Brasil também propôs um marco internacional de governança para a Internet e disse que o Brasil adotará legislação e tecnologia para proteger-se contra a interceptação ilegal de comunicações:

Tecnologias de informação e telecomunicações não podem ser novos campos de batalha entre estados. O tempo está maduro para criar condições para impedir que o ciberespaço seja usado como arma de guerra mediante espionagem, sabotagem e ataques contra sistemas e a infraestrutura de outros países –disse Rousseff.

Os brasileiros já estão engajados em conversações com outros países latino-americanos que também consideram totalmente inaceitáveis os esforços de vigilância e espionagem dos norte-americanos. As provas de que os EUA espionam políticos, grandes empresários, diretores de empresas, militares dos altos escalões e pessoal dos serviços especiais, para recolher informação a ser usada em chantagens contra os espionados, geraram indignação generalizada também entre as elites latino-americanas. Por isso, precisamente, Dilma Rousseff anunciou que serão tomadas as medidas necessárias para introduzir leis que prevejam medidas punitivas para esses crimes; e que serão adotadas medidas para ampliar o poder protetor de tecnologias, até que impeçam, com eficácia, qualquer intromissão que vise à coleta ilegal de informações.

Evo Morales
Evo Morales, presidente da Bolívia, usou o pódio da Assembleia Geral da ONU para apoiar a presidenta do Brasil. Não é de hoje que a Bolívia combate contra os serviços especiais dos EUA. Desde que Morales foi eleito presidente, a CIA-EUA, a agência de inteligência militar, a Agência Controladora de Drogas, dentre outras, tentam minar a posição do presidente boliviano, não economizando esforços para criar em torno de Evo Morales uma imagem de “barão das drogas” e de “barão índio dos entorpecentes”.

Na crítica a Obama, Morales falou muito claramente. Acusou o presidente dos EUA de cinismo, sempre que fala de liberdade, justiça e paz. Na avaliação de Morales, Obama fala como se fosse patrão do mundo. Mas ninguém é patrão do mundo, e cada país é soberano, com pleno direito de defender a própria dignidade. Descreveu Obama como “criminoso” que viola deliberadamente a lei internacional e intromete-se nos assuntos internos de outros países. 

O presidente boliviano enfatizou que o Império conclama a lutar contra o terrorismo, mas, de fato, tem objetivos completamente diferentes – e recorre aos mais variados métodos para pressionar, perseguir e espionar. A luta contra o terrorismo não passa de pretexto ao qual os EUA recorrem para tentar estabelecer seu próprio controle sobre o fluxo do petróleo e promover seus específicos interesses geopolíticos. 


O presidente Morales denunciou que os EUA garantem fundos para movimentos rebeldes e de oposição, em outros países. E lembrou que, depois que o embaixador dos EUA e a agência USAID foram expulsos de seu país, a Bolívia tornou-se muito mais estável, em termos políticos.

Especialistas preveem que se ouvirão discursos semelhantes, de outros presidentes latino-americanos, ao longo dos trabalhos da Assembleia Geral. Os serviços especiais dos EUA deixaram rastros de sangue por todo o continente, do México ao Chile – no Equador, Nicarágua, Cuba, Venezuela, Argentina… O Brasil não estará só, no confronto contra esse opositor vicioso e inescrupuloso.





[*] Nil Nikandrov é um jornalista sediado em Moscou cobrindo a política da América Latina e suas relações com os EUA; crítico ferrenho das administrações neoliberais sobre as economias nacionais latino-americanas. Especializou-se em desmascar os esforços feitos pela CIA e outros serviços de inteligência ocidentais para minar governos progressistas na América Latina. Autor de vários livros - tanto de ficção e estudos documentais - dedicados a temas latino-americanos, incluindo a primeira biografia em língua russa de Hugo Chávez.

A Arábia Saudita, em pânico, está surtando

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Turki bin Faisal Al Saud
Dia 12/9/2013, o príncipe Turki da Arábia Saudita falou na reunião do Defence and Security Forum em Londres. O príncipe Turki é conhecido pelas análises frias e objetivas, e embora sempre empenhado defensor da Arábia Saudita, e sunita, é diplomata experiente.

Pois, apesar de toda sua experiência, o que ele disse em Londres, em resumo, foi:

A Arábia Saudita é potência econômica dominante no Oriente Médio e, também “líder ilustre do mundo muçulmano mais amplo”; e o Irã, disse ele, por sua vez, é o país líder dos muçulmanos que estão contra os EUA. Além dos modos sempre beligerantes da liderança iraniana, disse o príncipe Turki, a Arábia Saudita tem dois graves problemas com o Irã: primeiro, o programa nuclear, que continua, disse ele, e que nenhuma sanção conseguirá jamais deter; e contra o qual, disse o príncipe Turki, devem-se usar meios militares, se necessário. E, em segundo lugar, há a questão da “intromissão” dos iranianos: a “intromissão” dos iranianos nos países de maioria xiita e também em estados de minoria xiita “tem de acabar”. O príncipe Turki alertou que a Arábia Saudita intervirá diretamente naqueles estados para opor-se a “todas e quaisquer ações” iranianas. A influência e as ações iranianas no Iraque foram “inaceitáveis”, disse o príncipe saudita. A Arábia Saudita tem “profundas e firmes” reservas contra o governo de Maliki. A Arábia Saudita fará tudo que estiver ao seu alcance para pôr fim a ações de militares iranianos e do Irã em geral que visem a apoiar Maliki: “Trabalharemos para garantir que o Iraque se torne membro independente do mundo árabe”.

No Líbano, disse o príncipe Turki, o Hezbollah ameaça a própria existência do país, por seu “temerário” [orig. reckless] envolvimento na Síria. Exigiu que o Hezbollah seja desarmado e seus líderes julgados pelo assassinato de Rafic Hariri.

Quanto à Síria: “o apoio da liderança iraniana a Assad, desde o início, é ato criminoso e deve ser julgado na Corte Criminal Internacional de Haia. A farsa do controle internacional sobre as armas químicas de Bashar seria cômica se não fosse tão flagrantemente pérfida, concebida com o único objetivo de dar a Obama uma linha de fuga, além de ajudar Assad a massacrar o próprio povo”.

COMENTÁRIO: O que se vê aí é a Arábia Saudita em estado de total desequilíbrio, e enunciado por um experiente diplomata saudita. A Arábia Saudita perdeu o próprio centro de gravidade: já não cabe em si; de fato, está preocupantemente fora de si, frustrada além de todos os limites da racionalidade.

Não se trata apenas de a Arábia Saudita declaradamente opor-se a qualquer entendimento com o Irã; trata-se sobretudo de os sauditas insistirem em que qualquer “entendimento” que envolva os sauditas só ser pensável depois de o presidente Assad ter sido deposto, e as “minorias” terem sido removidas completamente do poder na Síria (o que significa: só depois de o Islã sunita e a influência saudita terem sido restaurados na Síria). Para os sauditas, o Irã tem de ser marginalizado e humilhado politicamente no Oriente Médio, antes que se cogite de iniciar qualquer “entendimento” entre Washington e Teerã.

O destampatório que o príncipe Turki não conteve contra Obama parece indicar que a Arábia Saudita sente-se extremamente, quase paranoicamente vulnerável, ante a possibilidade de a posição iraniana – em vez de estar sendo esvaziada e enfraquecida – estar sendo, isso sim, reforçada. Em nosso Comentário da semana passada, já sugeríamos que esse deve ser o resultado, se a doutrina Carter-Bush para o Oriente Médio já tiver ultrapassado seu “prazo de validade” política e já não ser politicamente exequível, na política dos EUA.

Síria (clique na imagem para visualizar)
Se a Síria (para nem falar do Irã) já se mostra politicamente “difícil demais” (com a opinião pública e os parlamentos já desiludidos quanto à eficácia dos “meios” norte-americanos), toda a política exterior ocidental para o Oriente Médio terá de ser fundamentalmente repensada. Tudo isso, é claro, ainda são hipóteses a serem exploradas (ver continuação do comentário).

Mas o que o príncipe Turki está dizendo é impressionante: exatamente quando os EUA parecem esgotados (exauridos, depois de uma sucessão de guerras falhadas) e a ponto de tirar de sobre os próprios ombros a carga de assegurar que nenhuma potência hostil (leia-se: o Irã) assuma influência significativa, mediante qualquer tentativa para controlar e administrar e controlar a política de toda a região...

Exatamente nesse momento, o príncipe Turki declara, com todas as letras, que a Arábia Saudita, simplesmente, assumirá a implantação da Doutrina Carter: oposição absoluta a “toda e qualquer” ação de iranianos/Hezbollah em todo o Oriente Médio, do Bahrain ao Egito.

Na prática, a Arábia Saudita disse, semana passada, em Londres, que, se os EUA não estão preparados para “re-fazer” o Oriente Médio, a Arábia Saudita assumirá a tarefa.

Sim, os sauditas têm o dinheiro, mas absolutamente não têm os meios para serem operacionalmente efetivos. É como um exército que tem comandantes de brigada e generais (a família real, em outras palavras), mas não têm os tenentes, os sargentos os soldados rasos, nem nenhum dos grupos especializados que, de fato, são os que convertem “ordens de comando” em ação tangível.

Os sauditas absolutamente não têm o sistema necessário para gerir a mobilização sectária que eles mesmos incendiaram, nem para dirigir o fogo na direção de algum resultado político real, precisamente porque só a família real tem poder e autoridade para fazer as coisas acontecerem. Todo o poder operacional dos sauditas resume-se a assinar os cheques – e não têm estrutura para administrar os “detalhes”. Foi o que já se viu, exatamente, com os grupos orientados pela al-Qaeda na Síria. Diferentes dos EUA, os príncipes sauditas jamais se dedicam a “nutrir” os movimentos na direção de torná-los efetivos e eficazes: eles compram movimentos. Resultado dessa ação, os grupos Takfiri é que se provaram mais efetivos no campo de combate. Daí em diante, só eles encontraram via fácil para receber financiamento.

Takfiris desfilam com armas fornecidas pela Arábia Saudita e bandeiras da al-Qaeda
O impulso saudita para mobilizar o Islã sunita e fazer dele uma força política de transformação (contrarrevolucionária) – principalmente mediante fartos desembolsos de dinheiro e recorrendo sempre ao discurso sectário – deu em nada e está hoje em frangalhos.

Basta olhar em volta – hoje as principais tensões concentram-se em sunitas contra sunitas, porque as pressões criadas pelos movimentos dos sauditas (em locais como Egito, Líbia e Síria) contribuíram para minar e enfraquecer a identidade sunita. A Arábia Saudita – guiada pelo príncipe Bandar – pôs-se em posição mais difícil do que a que poderia sustentar. Mas, se a fala do príncipe Turki reflete acuradamente o pensamento saudita “oficial”, a expressão “mais difícil do que poderia sustentar” é fraca, para descrever a atual posição dos sauditas.
Tudo isso significa, isso sim, instabilidade volátil.

Michael Oren
A Arábia Saudita, de fato, trabalhou na direção oposta do que o príncipe Turki diz que eram seus objetivos – pelo menos na Síria: em vez de desmantelar a al-Qaeda, como o príncipe Turki diz que é o objetivo saudita, o embaixador israelense que está deixando Washington, em comentário-desabafo, entregou tudo: “A mensagem inicial sobre a questão síria foi que nós sempre quisemos que [o presidente] Assad saísse de lá. Nós sempre preferimos os bandidos não apoiados pelo Irã aos bandidos apoiados pelo Irã” – disse ele. E era assim, disse ele, mesmo se “os bandidos” fossem afiliados da al-Qaeda. “Entendemos que são muito bandidos” – continuou ele, acrescentando que por “bandidos” não se referia a toda a oposição síria. “Mesmo assim, o maior perigo para Israel é o arco estratégico que se estende de Teerã, a Damasco e a Beirute. E já víamos o regime de Assad como pedra basilar desse arco. Essa já era nossa posição desde bem antes do início das hostilidades na Síria. Com o início das hostilidades, nós continuamos a desejar a saída de Assad”. Não há dúvidas de que o príncipe Turki partilha idênticos sentimentos sobre o “arco”.

O embaixador Oren, na sequência, reforça ainda mais a conexão entre Israel e a política do Golfo: “nos últimos 64 anos provavelmente não existiu maior confluência de interesse entre Israel e os Estados do Golfo. Estamos de acordo com os Estados do Golfo sobre a Síria, o Egito e a questão palestina. Não há dúvidas de que também estamos de acordo com os Estados do Golfo, sobre o Irã. É mais uma das oportunidades criadas pela Primavera Árabe”.

A Arábia Saudita pode ter-se aproximado de Israel no que tenha a ver com Síria e Egito, mas, ao fazê-lo rompeu com a política dos EUA e europeia. Como disse recentemente o “número 2” da CIA recentemente aposentado, Mike Morell: “Quando se vê o potencial de uma presença tão dominante da al-Qaeda como na Síria, no final desse conflito... Será que consumimos tantas vidas humanas e tantos dólares, não para negar qualquer tipo de santuário, mas, simplesmente, para mudar o endereço da base terrorista?”.

Mike Morell
E Mike Morell continua: “Não há dúvida alguma de que aquela ideologia espalhou-se para o Norte da África e outras partes do Oriente Médio. E que todas essas áreas podem vir a ser, eventualmente, o tipo de santuário para terroristas que, sim, são ameaça significativa à segurança dos EUA. Por hora, ainda não são. Por enquanto são só uma ameaça regional. Mas... o local que me preocupa, porque pode vir a ser paraíso seguro para a al-Qaeda e converter-se na ameaça que a al-Qaeda já era, para nós, antes do 11/9, é a Síria, em primeiro lugar; em segundo lugar, o Afeganistão...”.

O tom de pânico que se vê na fala do príncipe Turki, contudo, é compreensível. A situação dos Estados do Golfo é muito vulnerável: eles apostaram tudo em que o Irã seria superado e “contido” de um modo ou de outro, e não economizaram. Agora, o apoio externo com o qual tanto contaram (e para cuja obtenção investiram tantos bilhões em compra de armas) parece hoje existencialmente abalado e instável. Os sauditas temem que haja um preço a pagar. Além de tudo mais, os Estados do Golfo abriram guerra contra islamistas – e inexoravelmente o torvelinho continua a consumir credibilidade e legitimidade de todos os lados.

Mas a Arábia Saudita não é a única a manifestar sintomas de ansiedade psicológica. Outro tipo de histeria parece tomar conta também do Ocidente: o aparente “refugo” de Obama, que ainda não saltou o “obstáculo Síria” levou a um surto sem precedentes de “Putin-fobia”.

Charles Crawford, o ex-
embaixador deprimido
Um ex-embaixador britânico, em estado terminal de depressão, disse, dia 9/9/2013, que aquele teria sido “o pior dia para a diplomacia dos EUA e toda a diplomacia ocidental, desde o início dos registros históricos”. E quando se leu a carta aberta assinada pelo presidente Putin e publicada no New York Times, comentaristas entraram também em surto psicótico de alta rotação, porque Putin “dinamitara” o excepcionalismo norte-americano

Um importante senador Democrata disse à rede CNN que “quase vomitei” ao ler a coluna de Putin no New York Times, na qual o presidente russo explicou sua proposta de paz para a Síria. O Republicano John McCain também foi excepcionalmente agressivo nos comentários sobre a coluna de Putin: disse que seria “orwelliana” e que Putin teria “ego mamute”. E colunista de uma revista russa liberal assegurou aos seus leitores que Putin, de fato, pouco liga para o que aconteça na Síria, que só pensa em se autopromover e que, além do mais, só “velhotas murchas de mais de 50” apoiam Putin. 

Tudo isso cheira a “Suez”. Naquele momento, a Grã-Bretanha e a França, ante as provas que se avolumavam do enfraquecimento de suas respectivas economias e influência, pouco antes da 2ª Guerra Mundial, e obcecadas por fazer crer – contra todas as evidências de enfraquecimento – de que continuavam tão fortes e poderosas como antes, decidiram fazer uma exibição de força (em local bem distante, é claro). Pouco depois do fracasso da tentativa, Nasser nacionalizou Suez. Vivemos outra vez tempos instáveis.