sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Rouhani na ONU - Veio. Ouviu. E surfou a ONDA!


26/9/2013, [*] Pepe Escobar, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O Presidente do Irâ, Hassan Rouhani, discursando na ONU em 25/9/2013

Rouhani veio. Rouhani ouviu. Rouhani surfou a onda.

Ouvi cuidadosamente a fala do presidente Obama ante a Assembleia Geral da ONU (...). Espero que eles consigam impedir-se de seguir os interesses de visão curta dos grupos que pressionam a favor de mais guerras e que consigamos chegar a um quadro que nos permita administrar nossas diferenças.

Na sequência, delineou a posição que sempre foi a posição iraniana:

Podem acontecer conversações; todos em pés de igualdade e respeito mútuo devem comandar as conversações.

Depois falou sobre expectativas (de fato, de todo o mundo):

É claro, esperamos ouvir alguma voz consistente, vinda de Washington. Nos anos recentes, a voz dominante foi sempre pela opção militar.

Mas, então, ele teve outra ideia. E preparou o terreno para o golpe de mestre: É tempo de WAVE [onda], quer dizer, World Against Violence and Extremism [o Mundo Contra a Violência e o Extremismo]. Não em farsi [nem em português, que se perde na tradução]. Em inglês.

Proponho, como ponto de partida (...). Convido todos os estados a empreender um novo esforço que guie o mundo nessa direção (...). Devemos começar a pensar numa coalizão pela paz em todo o mundo, em vez das sempre inefetivas coalizões para guerra.

Assim, o presidente da República Islâmica do Irã, Hassan Rouhani, acaba de convidar todo o planeta a unir-se nessa onda, WAVE. E por que nenhum líder da “coalizão das vontades” nunca pensou nisso?

Mohamed Mossadegh
Isso, sim, é entrar para arrebentar, no palco do mundo. O discurso de Rouhani merece leitura cuidadosa, atenta. Rouhani foi contido, moderado e composto – mas firme o bastante para desmontar a “propaganda de uma imaginária ameaça iraniana”; para marcar bem os efeitos horrendos das sanções, e para ainda manifestar esperança de que seja possível derrubar o Muro de Desconfiança que há 34 anos separa Washington e Teerã.

Obama, diga-se a favor dele, fez o que pôde para não ser completamente ofuscado. Demorou mais de 60 anos para que um presidente dos EUA afinal admitisse que Washington participou do golpe que derrubou o governo democraticamente eleito de Mossadegh em 1953 (embora a formulação construída pelo redator do discurso tenha sido extremamente sinuosa).

Obama também reconheceu oficialmente a fatwa pela qual o Supremo Líder, Aiatolá Khamenei, condenou absoluta e completamente todas as armas atômicas (imaginem se, algum dia, o governo Bush faria tal coisa!). E disse, oficialmente, que Washington não trabalha por mudança de regime em Teerã – o que acelerou o processo de mais um ataque cardíaco para o ex-vice-presidente Dick Cheney. Obama chegou até a pronunciar as palavras-chaves “respeito mútuo”.

Quanto ao golpe de misericórdia cinematográfico – um encontro “casual” ou um aperto de mãos nos corredores da ONU – não poderia, mesmo, acontecer tão cedo. Ambos, Rouhani e Obama, estão sob pressão violentíssima dos respectivos falcões, nos dois países e, até agora, ainda não há sobre a mesa nada de substancial.

Barack Obama
Mas nem enquanto tentava enviar algum sinal certo a Teerã, Obama conseguiu resistir à abstinência, e lá veio com:

Creio que os EUA são excepcionais, em parte porque mostramos a disposição, mediante o sacrifício de dinheiro e de sangue, de defender, não só nosso próprio autointeresse, mas o interesse de todos.

E o corolário: voltou a insistir numa resolução do Conselho de Segurança da ONU que o autorize a bombardear Damasco caso alguma coisa dê errado na retirada, da Síria, dos arsenais químicos. Claro: é os EUA pensando no “interesse de todos”, onde “todos” = Israel e Casa de Saud.

A vasta maioria, no mundo real, contudo, está ocupada é em lembrar ao presidente dos EUA que os EUA, absolutamente, não são excepcionais; das ações do presidente da Rússia, Vladimir Putin, no caso de Edward Snowden e da tragédia síria, à presidenta Dilma Rousseff do Brasil, a qual, em discurso contundente, a seguir, qualificou a espionagem pela Agência de Segurança Nacional dos EUA como “uma afronta”. Não foi por acaso que os quatro BRICs originais, Brasil, Rússia, Índia e China, foram espionados até o tutano dos ossos.


A ONDA/WAVE afogará os falcões?

John Kerry
Passada a catarse na ONU, o cenário agora está pronto para o trabalho pesado a começar nessa 5ª-feira, quando o secretário de Estado dos EUA, John (“Assad é como Hitler”) Kerry encontra-se com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, no quadro multilateral do grupo P-5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha).

Os pontos chaves do mapa do caminho adiante estão claros. Total clareamento dos detalhes relativos ao direito do Irã a um programa nuclear para finalidades pacíficas, que deve evoluir para o desmantelamento das sanções. O abjeto bloqueio financeiro que Washington está impondo às vendas de petróleo iraniano não está funcionando; ninguém, da China à Índia e dali em diante, parará de compara energia iraniana, só porque os EUA ordenem.

E o Irã tem, também, de ser reincluído no mecanismo bancário global de câmbio.

Trita Parsi
Trita Parsi, presidente do Conselho Nacional Iraniano-Norte-americano, chama a atenção para um ponto extremamente importante. O timing – por várias circunstâncias – pode ser perfeito hoje; mas a janela de oportunidades não permanecerá aberta por muito tempo.

E mais uma vez, tudo volta a ser o velho drama de sempre: Obama e sua equipe terão colhões para dobrar o lobby de Israel, a Casa de Saud, os neoconservadores e sortimento variado de fazedores de guerra, de poltrona, ativos no Departamento de Defesa? Se não tiverem, a vitória do Partido da Guerra será cópia da vitória dos linhas-duras anti-Rouhani em Teerã – e as consequências serão devastadoras.

Assim sendo, sim, as apostas jamais foram tão altas. O que o mundo precisa agora é de WAVE após WAVE após WAVE, onda depois de onda, depois de onda, depois de onda.

E aprender a surfar. 
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia TodayThe Real News Network Televison Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
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