sábado, 30 de março de 2013

O Lado Negro do Chocolate


Entenda como funciona a cadeia Produtiva da industria do Chocolate e o uso de mão de obra escrava nas fazendas de cacau na Costa do Marfim.


Enviado por Vera Vassouras
Créditos: no início do vídeo acima

Uma estrela (iraniana) ascendente


27/3/2013, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Robert Burns
The best laid schemes o’mice na’men / Os melhores planos que ratos e homens façam,
Gay aft a-gley/Alegres depois do trabalho,
Na’lea’e us nought but grief a’pain/Só trazem luto e dor
For promised pay/pelo que um prometeu ao outro, mas não cumpriu.
[Robert Burns, “To a Mouse”/Para um rato]
[Íntegra, em inglês, em Poesia Escocesa]
[Epígrafe acrescida pelos tradutores]


Ali Akbar Velayati
Há exatamente um mês, quando escrevi [1] que um candidato a ser observado nas eleições presidenciais do Irã de 12/6 próximo seria Ali Akbar Velayati, ex-ministro de Relações Exteriores, foi um tiro no escuro, mas também opinião cevada na observação atenta dos corredores da política bizantina em Teerã e em Qom, nos últimos meses.

Bloomberg Businessweek acaba de chegar à mesma conclusão. [2] BB evidentemente serve-se de fontes de alto nível em Washington e em Teerã, para instruir seus artigos, e a minha única fonte é pura, incansável paixão por observar o Irã, alimentada por velha paixão por aquele país e seu belo povo.

De fato, é também minha opinião desejante, enviesada, indiano-cêntrica. Estive várias vezes na mesma sala com Velayati em Teerã e em Delhi, quando ele ali esteve como Ministro; e não tenho dúvidas de que sua ascensão ao poder como Presidente do Irã será magnífica novidade para a Índia – desde que, é claro, Delhi procure genuinamente reconstruir seus laços estratégicos com o Irã.

Velayati teve papel chave no movimento ascendente da curva das relações entre Índia e Irã, nos dez anos a partir do fim dos anos 1980s (quando o então Primeiro-Ministro da Índia fez movimento dramático de aproximação com Teerã).

O entendimento estratégico deu excelentes frutos, quando Teerã ajudou a Índia a conter a tempestade nos países muçulmanos, depois da destruição de Babri Masjid (1992), e a liderança iraniana mostrou incansável compreensão na questão das atrocidades então em curso nas regiões da Caxemira, no início dos anos 1990s.

Depois, o Irã ajudou a Índia a conter a detonação diplomática, relacionada ao problema da Caxemira, que os sauditas promoviam na Organização de Cooperação Islâmica, com o Irã, de fato, já organizando a resistência anti-Talibã conhecida como Aliança do Norte (1997). [3]

Eram tempos em que nenhum indiano se atreveria a subestimar o Irã como fator de estabilidade, com certeza no que tivesse a ver com interesses centrais da Índia. Boa parte de tudo isso aconteceu sob a orientação de Velayati. Tinha visão clara sobre as relações Irã-Índia e via essas relações como crucialmente importantes para o Irã.

Lembro perfeitamente a conversa, em Hyderabad House, no final de 1989, quando Velayati falou pela primeira vez da ideia do corredor Norte-Sul, como acesso da Índia à rota para a Rússia e a Ásia Central – de fato, delineou ali as potencialidades do projeto de um óleogasoduto Irã-Paquistão-Índia (IPI).

Oleogasoduto Irã - Paquistão - Índia 
É homem cordial, erudito, tem nervos de aço [4] e cabeça de negociador incansável. E é muito bem-humorado, capaz de fechar com risadas um dia de negociações duríssimas – talentos que muito ajudarão o Irã a acalmar as águas do Estreito de Ormuz.

Absolutamente todos sabem que Velayati manifesta e representa os interesses mais radicalmente fundamentais do regime iraniano. Mas é pragmático, dos que sabem que a política é a arte do possível.

Estreito de Ormuz - passagem de 40% do petróleo que abastece o ocidente
Tudo isso volta a ser extraordinariamente importante, porque o próximo presidente do Irã tem papel decisivo na modelagem do “Novo Oriente Médio” e da segurança regional e internacional.

E se e quando as conversações se iniciarem entre EUA e Irã, como provavelmente começarão depois de passadas as eleições de junho no Irã, Velayati é o homem mais qualificado para melhor negociar pelo Irã: goza da confiança do Supremo Líder, Ali Khamenei; tem ampla e clara compreensão da política mundial e de como opera o sistema internacional; e fala perfeito inglês (embora com sotaque norte-americano). É garantia de conversa iluminadora, caso o Presidente dos EUA, Barack Obama, algum dia apareça para conversar com ele sobre guerra e paz no Oriente Médio – e depois resolva continuar o papo numa mesa menos formal, para falarem de ratos e homens. [5] 
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Notas dos tradutores

[1] 5/2/2013, Indian Punchline, MK Bhadrakumar em: A rising star in Iranian politics [Uma estrela ascendente na política iraniana]

[2] 26/3/2013, Business Week, Ladane Nasseri, em: Velayati May Run for Iran President as Calm to Ahmadinejad Storm

[3] Aliança Afegã do Norte [orig. ing. Afghan Nothern Alliance], oficialmente, Frente Islâmica Unida para Salvação do Afeganistão (em persa Jabha-yi Muttahid-i Islami-yi Milli bara-yi Nijat-i Afghanistan), foi frente militar formada no final de 1996, depois que os Talibã (Emirado Islâmico do Afeganistão) tomaram Cabul. A Aliança do Norte foi proposta por afegãos e lutou guerra de defesa contra o governo dos Talibã – com apoio de Rússia, Irã, Índia, Tadjiquistão e outros; os Talibã era apoiados pela al-Qaeda e pelo exército do Paquistão. Depois que os EUA invadiram o Afeganistão e lá implantaram o governo Karzai, no final de 2001, a Aliança do Norte dividiu-se, dando origem a vários partidos políticos.

[4] Ali Akbar Velayati discursava na ONU, como Ministro de Relações Exteriores do Irã, quando um dissidente saltou sobre ele, arrancou-lhe das mãos o discurso que lia e rasgou-o. Um segurança tirou o homem da sala. Velayati esperou calmamente, de mãos no bolso. “Alguém, da nossa delegação tinha cópia do texto e me entregou” – conta Velayati, recordando o episódio do início dos anos 1980s, em entrevista para a televisão iraniana. – “Achei a página 10, onde lembrava que havia parado, e continuei a ler” (ver no primeiro parágrafo do “link” da Nota [2]).

[5] Orig. mice and men. A expressão, do verso de Burns que se lê na epígrafe, dá título também ao romance Ratos e Homens de John Steinbeck, de 1937, cujo enredo também é relevante para compreender a metáfora que se lê aqui.
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MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

sexta-feira, 29 de março de 2013

EUA, China e os sapos saltadores no Af-Pak


28/3/2013, M K Bhadrakumar*, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Peter Tomsen
Há cerca de um ano, em coluna do Los Angeles Times, na qual previu com extraordinária perspicácia o quanto os EUA teriam de esforçar-se para negociar um acordo no Afeganistão quando afinal fossem forçados a isso, Peter Tomsen – que foi enviado especial do presidente Ronald Reagan às negociações com os Mujahideen nos anos 1980s e é, sem dúvida, especialista com riquíssima experiência regional - embora inexplicavelmente marginalizado pelo falecido Richard Holbrooke – comparou os esforços que os EUA teriam de fazer, a um vendedor que, no Hindu Kush, tente pesar sapos numa balança de dois pratos.

Tomsen escreveu:

O vendedor põe os sapos num dos pratos. Mas, quando começa a carregar o segundo prato da balança, alguns dos sapos do primeiro prato já estarão, inevitavelmente, pulando fora da balança. Enquanto os repõe no prato da balança, são os sapos do segundo prato que escapam. Até o vendedor mais determinado acabará desistindo. [1]

O prognóstico de Tomsen parece já ser o miserável destino dos EUA hoje no Afeganistão, e pressionados pelo tempo, com a retirada dos soldados da OTAN já apressada, enquanto, na via paralela, as conversações de paz com os Talibã sequer começaram seriamente.

De fato, a situação é até mais complicada hoje do que Tomsen podia prever no final dos anos 1980s, quando enfrentava os mal-humorados grupos de mujahideen baseados em Peshawar sob supervisão militar dos paquistaneses. Para começar, há hoje muito mais sapos no saco do vendedor, do que durante a “jihad afegã”; e, além do mais, há ali um Grande Sapo, que pode facilmente devorar sapos menores ainda no saco, se e quando quiser – ou que pode, no mínimo, devorar alguns sapinhos.

John Kerry
As últimas 72 horas devem ter sido experiência de padecimento para o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry. Depois de jantar (que a imprensa não divulgou) com o comandante do exército paquistanês, general Ashfaq Pervez Kiani, em Aman, no domingo, quando aparentemente conversaram “de soldado para soldado” e definiram que, sim, é preciso iniciar imediatamente conversações de paz com os Talibã na capital do Qatar, Doha, Kerry voou para Cabul na manhã seguinte para uma visita não agendada, razoavelmente certo de que, na noite anterior, fechara um acordo com o Grande Sapo.

A missão de Kerry em Cabul era convencer o Presidente Hamid Karzai do Afeganistão a embarcar na mesma canoa. Mas o sapo Karzai não é sapo fácil, sobretudo depois que as simpatias de Karzai com os EUA entraram em queda livre, com o afegão denunciando “colusão” entre americanos e Talibãs.

Se alguém no governo dos EUA tivesse alguma chance de amolecer Karzai, seria Kerry. Mas Karzai conhece o ponto fraco de Kerry, do qual depende seu sucesso diplomático em Cabul; dito em forma simples, Kerry detesta discussões fortes e sempre acaba concordando com o que Karzai exija, ainda que chegue decidido a nada conceder.

Em outubro de 2009, Kerry foi despachado pelo presidente Obama, com a missão de persuadir Karzai a sair de cena e permitir eleições presidenciais livres e justas, de modo que um presidente genuinamente eleito pudesse surgir, com mandato legítimo. Em vez disso, Kerry foi persuadido a continuar considerando a ideia de que o presidente afegão tem direito legítimo a um segundo mandato a ser disputado num então longínquo 2014.

O vendedor nada consegue

Hamid Karzai
A recente visita de Kerry, na 2ª-feira passada, que foi a primeira de Kerry como Secretário de Estado, não foi diferente. Em resumo, a lista de desejos de Karzai foi integralmente atendida, outra vez. A prisão de Bagram foi devolvida ao controle do governo afegão e, com ela, as centenas de prisioneiros afegãos, exceto uns poucos prisioneiros que os militares norte-americanos classificaram como militantes de alta periculosidade.

As Forças Especiais dos EUA também se retirarão de Wardak. E Kerry acabou por também aceitar a exigência de Karzai de que as eleições presidenciais afegãs, de abril próximo, sejam “lideradas pelos afegãos” (o que significa que Karzai as supervisionará, sem qualquer interferência dos EUA). E aceitou a palavra de Karzai, que lhe garantiu que as eleições serão “transparentes”.

Mais importante: os EUA aceitaram a exigência de Karzai, de que o governo afegão coordene e dirija as conversações com os Talibã em Doha. Kerry e Karzai combinaram que Karzai viajará em breve a Doha para encontrar-se com o emir do Qatar e inaugurar um escritório de representação para os Talibã na capital do Qatar. 

Guerreiros Talibãs 
A linguagem corporal, na conferência de imprensa com Kerry e Karzai depois que conversaram em Cabul na 2ª-feira, foi espetáculo à parte.

Kerry estava visivelmente deliciado com o troféu que pensava que levava para entregar a Obama no Salão Oval, em troca das tais “concessões”, a saber, que Karzai ajudaria a costurar um Acordo sobre o Status das Forças que garanta imunidade diplomática para os soldados que permanecerão nas bases militares no Afeganistão depois do final de 2014.

Sem dúvida, Kerry reiterou o compromisso dos EUA com a salvaguarda da estabilidade no Afeganistão. Do tom assertivo de Kerry, pode-se inferir que Obama já decidira manter presença substancial de tropas no Afeganistão, para impedir que os Talibã tentem outro grande assalto para retomar Cabul tão logo as forças da OTAN tenham partido, no final de 2014.

Afinal, como disse à imprensa funcionário não identificado do governo norte-americano, os EUA também têm outros interesses estratégicos, além dos Talibã, com os quais se preocupar.

Isso posto, quando Kerry decolou de Cabul no fim da 2ª-feira, as coisas pareciam realmente ótimas. Kerry parecia ter acertado todos os pontos virtualmente difíceis, e o futuro do Acordo sobre o Status das Forças parecia luminoso. Afinal, as conversações da paz afegã pareciam prestes a entrar nos trilhos, em Doha.

Porém, nem bem Kerry entrou no avião, os sapos puseram-se a saltar do prato da balança, um depois do outro, exatamente como Tomsen temia que fizessem. Seguindo-se a metáfora de Tomsen, de sapos e pratos de balança, é praticamente garantido que o Grande Sapo entrou em ação.

Um relatório conjunto foi entregue à Suprema Corte do Paquistão em Islamabad, na 3ª-feira, pelas agências de inteligência, Inter Services Intelligence [ISI] e Inteligência Militar. Todas aquelas agências informavam que o governo afegão estaria instigando “incidentes terroristas ampliados” nas áreas tribais do Paquistão.

Muito curiosamente, o relatório não foi classificado como documento secreto, apesar do conteúdo sensível: foi amplamente divulgado na mídia paquistanesa. No mínimo, serviu ao propósito de ridicularizar Karzai.

O tumulto foi instantâneo. Os Talibã imediatamente cancelaram qualquer possibilidade de negociar com Karzai em sua próxima visita ao Qatar. E, esfregando sal nas escoriações de Karzai, revelou-se que cerca de 25 representantes dos Talibã já vivem em Doha, mas não têm nenhum plano, de nenhum tipo, que inclua algum tipo de encontro com Karzai durante sua visita ao Qatar.

Zabihullah Mujahid
Como disse o porta-voz dos Talibã, Zabihullah Mujahid, o governo de Karzai é inútil e “não tem qualquer poder nem toma decisões independentes”.

Cabul, por sua vez, denunciou pesados bombardeios, pelo exército do Paquistão, através da fronteira na província de Kunar, a leste, na 2ª e na 3ª-feiras. Como protesto, Cabul anunciou na 4ª-feira que estava cancelando visita agendada de uma equipe de 11 militares afegãos à academia militar de oficiais paquistaneses em Quetta.

Num minuto, havia sapos saltando por todos os lados. O Vice-Ministro de Relações Exteriores do Afeganistão, Jawed Ludin, figura chave no plano da construção da política externa, convocou a agência Reuters para uma entrevista em Cabul, na 4ª-feira, e lançou ataque furioso contra o Paquistão.

Jawed Ludin
Ludin condenou abertamente o duplifalar dos paquistaneses. Disse, quase claramente, que o Grande Sapo está criando tumulto, ao manipular os sapos menores como bem entende e ao impedir completamente que o vendedor de sapos venda sapo algum.

Ludin revelou que o Paquistão sistematicamente boicota e joga os vários grupos não Talibã uns contra os outros, afastando-os cada vez mais dos Talibã; assim, asseguram que nenhuma conversação de paz chegue jamais a qualquer acerto e que a instabilidade prossiga no Afeganistão, de modo que o Paquistão possa beneficiar-se da calamidade afegã, no instante em que as tropas da OTAN estiverem fora, no final de 2014.

Nos termos da matéria distribuída pela Reuters, Ludin disse que:

O que eles [o Paquistão] querem é, outra vez, a fragmentação do estado afegão, que tudo volte ao estado anterior, para que tenham mais 10 anos, no mínimo outra década, de estado afegão fraco e carregado de concessões.

O dilema de Malaca [2] 

Estreito de Malaca (marcado em vermelho)
Assim sendo, o que fará Kerry, vendedor de sapos? A única opção parece ser esquecer a Síria por hora e recomeçar tudo outra vez, em outro jantar com Kiani – à luz de velas, digamos, à margem do Nilo. Em seguida, Kerry terá de sair correndo do restaurante, direto ao aeroporto, pelo tráfego do Cairo, para chegar a tempo a Cabul – e a Doha. E como poderá estar em duas cidades ao mesmo tempo?

Absolutamente não poderá. E, dado que não pode, haverá tempo suficiente para que o Grande Sapo instigue mais pequenos sapos a saltar fora do prato da balança. E o secretário Kerry talvez tenha de recomeçar do zero.

Washington já deveria ter percebido que os militares paquistaneses absolutamente não estão interessados na reconciliação com os Talibã. Depois de ter investido muito sangue, suor e lágrimas nos Talibã, os militares paquistaneses entendem que “os ganhos estratégicos” são, por direito, exclusivamente do Paquistão e trabalham para manter as coisas nesse pé por muito, muito, muito tempo.

Além do mais, os militares paquistaneses praticamente nada conseguiram do que queriam, em troca, de Washington. E deve-se supor que já nada esperem do governo Obama. De fato, já nem precisam de muito, de Obama.

Mês passado, a China firmou um acordo para construir mais usinas nucleares no Paquistão e fornecer a tecnologia de reprocessamento, o que tira de jogo todo Grupo de Fornecedores Nucleares [orig. Nuclear Suppliers Group], o que, por sua vez, evidencia que os paquistaneses precisam extrair, dos EUA, um acordo semelhante ao que a Índia obteve em 2008.

Quanto à segurança no campo da energia, mais uma vez, os EUA muito prometeram, mas bem pouco fizeram, em termos de ajuda real. Agora, o Paquistão decidiu optar pelo projeto do gasoduto iraniano, com os US$500 milhões emprestados pela China.

Localização estratégica do porto de Gwadar próximo a fronteira com o Irã
O mais importante: o Paquistão já entregou à China a administração do porto de Gwadar, saída magnífica para que Pequim consiga arrancar-se de seu próprio “Dilema de Malacca”.

Mas Gwadar não é simples elo de comunicação. Também manifesta a rejeição estratégica, pelo Paquistão, da “Iniciativa Nova Rota da Seda”, dos EUA, cerebrada para minar a influência de China e Rússia na Ásia Central. 

Assim sendo, feitas as contas, os EUA hoje precisam mais do Paquistão, que o Paquistão dos EUA; os americanos transportam por estradas paquistanesas o equipamento de guerra retirado do Afeganistão. Deve-se supor que os EUA continuarão a precisar das mesmas rotas para levar suprimentos às bases norte-americanas no Hindu Kush (se algum dia chegarem a estabelecer-se ali). O Grande Sapo, é claro, cuidará para que as bases não se estabeleçam com a prazerosa facilidade que Kerry imagina. E a China pode contar também com os préstimos do Grande Sapo, para sua nobre missão.



Notas dos tradutores

[1]  8/2/2012, LA Times, Peter Tomsen em: The Afghanistan equation: U.S. + Taliban + Pakistan = peace? [A equação afegã: EUA + Talibã + Paquistão = paz?]. 
[2]  O dilema de Malaca [orig, China’s “Malacca Dilemma”] é expressão foi cunhada pelo então Presidente Hu Jintao, da China em novembro de 2003. A China continua pesadamente dependente de águas internacionais e de corredores de navegação, para importar petróleo da África e do Oriente Médio. Isso a torna cada vez mais ativamente interessada no Estreito de Malaca e no Estreito de Taiwan, pelos quais podem navegar seus petroleiros e, simultaneamente mobiliza os chineses para encontrar ou abrir vias terrestres para o transporte de petróleo e gás.
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MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

Por que o Vaticano é notícia... e a República Popular da China não é?!


20/3/2013, Gamal Nkrumah*, Al-Ahram Weekly, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Leia também:
Multidão na Praça de São Pedro para primeira aparição do Papa Francisco
Ambas as instituições, a Igreja Católica Romana e a República Popular da China lutam para encontrar novo espaço para elas no mundo contemporâneo. Pois o mais estranho é que, enquanto a seleção do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como novo Líder Supremo da Igreja Católica, que tem 1,2 bilhões de crentes em todo o mundo, manteve hipnotizada a imprensa-empresa internacional, a eleição do novo governo chinês não recebeu senão escassa cobertura.

Apesar dos escândalos financeiros e sexuais, vista do ponto de vista africano ou árabe, a Igreja Católica Romana é tema muito mais atraente que o Partido Comunista da China. Jihad Al-Khazen no diário panárabe, que tem sede em Londres, Al-Hayat, deu bom uso à obsessão dos jornais árabes com a seleção papal e a considerável influência no papa, numa região do mundo onde tem poucos seguidores:

 Jihad Al-Khazen
O cardeal argentino conservador adotou o nome de Papa Francisco e será o 266º líder supremo da Igreja de São Pedro. Sugiro que Al-Azhar Al-Sharif e seu líder, o Dr Ahmed Al-Tayeb, iniciem diálogo com o novo papa, para fazer avançar a cooperação contra o governo de Israel e suas políticas colonialistas racistas – disse Al-Khazen. – Espero ter sido bem claro: não me interessa qualquer tipo de aliança declarada ou secreta; quero saber de cooperação; e não contra os judeus, nem contra Israel, mas contra um governo de assassinos criminosos de guerra que deixaram Israel em posição de perigoso isolamento no mundo, como até o AIPAC, o lobby pró-Israel, disse há poucos dias em Washington, DC – concluiu Jihad Al-Khazen.

A questão é por que os jornais árabes estão preocupados com o papa e não estão preocupados com os chineses comunistas? Alguém ouviu falar do Fórum de Cooperação Sino-Árabe? Quantos leitores árabes sabem que o califa otomano, Ibn Affan enviou um embaixador à corte de Tang, em Chang’an?

Talvez não seja justo comparar o Vaticano e Pequim. A China e a Igreja Católica têm “populações” comparáveis: 1,4 bilhão e 1,2 bilhão, respectivamente. A Igreja Católica é instituição religiosa influente, a China é a maior potência econômica global.

Não é critério para comparação, mas a questão permanece: por que o Papa Francisco, não a nova recém eleita alta hierarquia do Partido Comunista Chinês, é o iluminado pelos holofotes da imprensa-empresa internacional? Quantos leitores árabes conhecem o nome do novo presidente da China? Ou do novo secretário-geral do Partido Comunista Chinês?

Papa Francisco dirige-se ao púlpito em sua primeira aparição na Praça de São Pedro
Mais um enigma: por que todos os papas que apareceram no púlpito máximo da Igreja Romana foram ou magnificados ou demonizados a ponto de se tornarem irreconhecíveis, senão pela máscara que lhe tenha sido pespegada? O Vaticano, afinal, é estado microscópico, absolutamente sem qualquer importância econômica para os mundos africano ou árabe. Sua única significação é, talvez, a autoridade religiosa e moral.

O que talvez haja de comum em Pequim e no Vaticano é que, nos dois casos, a importância global advém do exemplo que são. Mas são exemplo do quê? O Partido Comunista Chinês, apesar do autoritarismo totalitário, arrancou o povo chinês da pobreza abjeta em que vivia, do atraso que castigava os mais pobres.

Aí está um sucesso digno de nota. Assim sendo, por que o exemplo que vem do Vaticano assumiria tal significação e seria tão influente, sem qualquer relação e fora de qualquer proporção com suas proezas econômicas?

Exposição “A Estrada da China Rumo à Renovação”

A história do partido governante na China e seu principal corpo político nacional consultivo, a Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, CPCPC [orig. in. Chinese People’s Political Consultative Conference (CPPCC)] é notável precisamente porque é caso exemplar das barreiras e antagonismo que dificultam a marcha do estado totalitário mais poderoso do mundo e segunda maior economia, depois dos EUA.

12a. Conferência Política Consultiva do Povo Chinês - CPCPC em 3/3/1013
A CPCPC tem sido, ao longo de sua tumultuada história, vítima da própria ambiguidade ideológica e das pré concepções subconscientes de outros, inclusive das potências estrangeiras, quase sempre adversárias; de dissidentes chineses locais e de comunidades chinesas em outros países, quase sempre críticas, as quais, nas últimas décadas já têm papel cada vez mais proeminente nas questões chinesas domésticas, além de influenciar também na arena econômica.

A democracia multipartidária à ocidental e o regime de partido único na China são dois sistemas de governo incompatíveis e em perene disputa. Muitos países em desenvolvimento na África e no mundo árabe optaram por seguir os passos de seus velhos senhores coloniais, todos eles potências ocidentais. Isso posto, é interessante perceber que as pré concepções erradas sobre o sistema comunista chinês de governo vão muito mais fundo que as caricaturas contemporâneas que se fazem do stalinismo soviético.

Seria erro pressupor que a CPCPC, fora de moda como talvez pareça, num mundo de democracias à moda ocidental, seria manifestação de algum monopólio sobre o estado do partido único em todas as esferas da vida da nação mais populosa do planeta. E os principais conselheiros políticos do governo chinês, que representam amplo espectro de figuras destacadas nos negócios, na academia, nas finanças e noutras esferas, encerraram seu encontro anual, dia 12 de março, jurando lealdade ao Partido Comunista Chinês; e declararam que rejeitam a democracia multipartidária à ocidental.

Yu Zhengsheng
Esse corpo de conselheiros do Estado representa, por definição, a democracia chinesa em ação. O novo presidente da CPCPC, recentemente eleito e empossado, Yu Zhengsheng, disse, no encerramento da reunião de 2013 da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, que aquele corpo de conselheiros cerrava fileiras em torno dos novos líderes do Partido Comunista, tendo ao timão o novo timoneiro, Xi Jinping. Exatamente como, em contexto completamente diferente, os católicos reúnem-se em torno (e abaixo) do novo Papa.

Na China comunista, a luta contra a miséria, o subdesenvolvimento, a fome e o analfabetismo é crucialmente importante. Mesmo assim, o fosso que separa os mais ricos e os mais pobres está aumentando na China contemporânea. Os líderes do Partido estão agudamente conscientes e bem pouco confortáveis ante o risco de deixarem essa desgraçada herança para seus filhos e netos. Além do mais, o partido que governa é o principal poder político e os postos do governo são entregues a membros do partido, selecionados a dedo.

Temos de seguir mais estritamente a via socialista do desenvolvimento político com características chinesas, não imitar, em nenhum caso, os sistemas políticos ocidentais” – disse Yu à assembleia de mais de 2.000 conselheiros do Parlamento chinês e membros da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, CPCPC – que são vistos no ocidente como pseudo parlamento, que só oficializaria decisões tomadas no comando central do partido, sem qualquer influência ou poder político reais.

Yu, conhecido pelo pedigree comunista, foi indicado para presidir a Conferência Política Consultiva do Povo Chinês no dia 11 de março. A CPCPC, embora se suponha que não tenha poder algum, tornou-se hoje uma espécie de fórum popular no qual se apresentam e defendem-se questões populares candentes, como segurança alimentar, poluição e ocupações de terra.

A indicação de Yu foi recebida com eloquente silêncio pela imprensa-empresa árabe ou africana, apesar de a China ser o mais importante parceiro comercial de todo o continente africano. A ascensão de Yu na hierarquia do Partido Comunista Chinês foi o último passo de uma transição política que só acontece uma vez em cada década. E num sistema que, sim, gerou impressionantes resultados econômicos, mas que nem assim atrai a atenção de países árabes e africanos.

A ascensão de Yu foi o início de uma semana de alterações sistemáticas no governo chinês, já fortemente encaminhada desde as promoções no Congresso do Partido Comunista Chinês, em novembro passado. Yu era um dos sete líderes que ascenderam então ao círculo superior do comando do PCC, na mesma ocasião em que Xi foi nomeado secretário-geral. Yu, é o 4º na hierarquia do Partido, já posicionado para desempenhar papel ainda mais importante no futuro político do país.

Zhou Xiaochuan
Na China contemporânea, a economia vai-se tornando tão significativa quanto as questões políticas e militares. O presidente do Banco do Povo da China, Zhou Xiaochuan, foi nomeado para uma das vice-presidências da CPCPC. Essa semana, com muita pompa e cerimônia, o Congresso Nacional do Povo concluiu a transição nas principais posições políticas e aprovou os nomes indicados para os principais postos de governo: Xi Jinping sucede Hu Jintao como Presidente da China; e Li Keqiang, o 2º na hierarquia do Partido, foi nomeado Primeiro-Ministro, e comandará o gabinete chinês.

A evidência de que o Papa Francisco foi objeto de atenção mundial e de que a nova liderança chinesa permanece praticamente desconhecida no ocidente não se explica apenas por alguma oposição de uma imprensa-empresa ocidental hostil. Na verdade, é como se nada tivesse mudado; a China continua a ser objeto de interesse: sempre a degradação do meio ambiente, de água, terra e ar chineses, resultado de décadas de crescimento econômico muito rápido.

Mas há também mudanças sociais e políticas sutis a serem observadas. A crescente classe média chinesa, empoderada pelas tecnologias das redes sociais, fala cada vez mais sobre as próprias demandas, quer mudanças e quer organizar manifestações. Não há qualquer “primavera árabe” à vista na China, mas o novo presidente Xi encara uma nova China em gestação e sabe bem disso.

Em novembro do ano passado, inaugurou a exposição “Estrada da China Rumo à Renovação” [1] em Pequim, prometendo prosseguir rumo à meta de fazer “a grande renovação da nação chinesa”. (...)

Xi Jinping
Durante a visita que fez àquela exposição, Xi observou como o ocidente ocupara territórios da China, estabelecera concessões e demarcara esferas de influência, num passado não muito distante. Parou à frente da primeira versão chinesa do Manifesto Comunista, de documentos e fotos da fundação do Partido Comunista Chinês, em 1921; da autobiografia de um dos fundadores do PCC, Li Dazhao; da primeira bandeira nacional da República Popular da China; e de fotografias da 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista da China, ocasião em que o legendário Deng Xiaoping lançou o movimento de modernização, que mudaria a história da China contemporânea (e do mundo).

Mao Tse Tung
Em importante discurso naquela ocasião, Xi citou um dos poemas de Mao Tse Tung, que lembra as dificuldades históricas que a China enfrentou em seus dias. “Mas o povo chinês jamais se rendeu, lutou sem parar e, afinal, assumiu o controle do próprio destino e iniciou o grande processo de construir nossa nação” – disse ele. – “A China mostrou, plenamente, o nosso grande espírito nacional”.

Mas, mesmo ali, Xi anotou as complexas pressões que desafiam a China contemporânea. “Essa é a estrada do socialismo com características chinesas”, concluiu, em frase que correu o mundo.

A perspectiva chinesa

Yu Zhengsheng disse coisa semelhante num simpósio do qual participaram os presidentes dos oito partidos não comunistas chineses [2] e da Federação de Indústria e Comércio de Toda a China, além de personalidades sem filiação partidária. Yu também destacou sua convicção de que o trabalho da China contemporânea é promover e construir um socialismo específico, com características chinesas. A questão realmente interessante é por que, num determinado momento, todos esses altos dirigentes comunistas puseram-se a falar tanto dessas “características chinesas”.

A CPCPC inclui representações de compatriotas de Hong Kong, Macau e Taiwan, de chineses retornados e também alguns convidados internacionais. Yu (...) mencionou a “cooperação multipartidária”. Manifestou esperança de que os partidos não comunistas conseguissem aprimorar seus sistemas ideológicos e organizacionais e o estilo de trabalho, para que também ali se produzissem profundas mudanças, quando da eleição de novos dirigentes em seus respectivos congressos nacionais, para gerar efetiva cooperação multipartidária. Presumia, provavelmente, que todos acompanharão as mudanças que se veem entre os comunistas chineses.

À primeira vista, talvez pareça que os atuais membros da CPCPC teriam invertido os mandamentos do maoísmo. A CPCPC, tecnicamente ou teoricamente, é constituída de representantes do PCC e dos partidos não comunistas, de pessoas sem filiação partidária e de representantes da sociedade civil e das chamadas organizações populares, das minorias étnicas e de vários estratos sociais.

O discurso sobre o tema “Manter-se firme e desenvolver o socialismo com características chinesas, e estudar, promover e implementar o espírito do 18º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês” foi feito por Xi, numa reunião de trabalho da qual participaram todos os membros da Comissão Política do Comitê Central do PCC.

Li Keqiang
Seria erro supor que a atitude dos mais altos dirigentes no 18º Congresso Nacional do PCC não seria influenciada por princípios longamente elaborados. Embora se pressinta uma crescente crise ambiental, um terço dos delegados rejeitaram uma importante medida antipoluição. Os analistas chineses antecipam agora grandes reformas econômicas, a partir do novo governo em Pequim, depois que o premiê Li Keqiang declarou que mais setores da economia terão de ser entregues a empresas privadas. “A China é uma grande nação, plena de criatividade” – disse Xi Jingping. – “Criamos essa cultura chinesa e saberemos ampliar nossa rota rumo ao desenvolvimento chinês”.

Uma nova geração de dirigentes chineses parecem comprometidos com o capitalismo, mesmo sem esquecer o comunismo. O mundo terá de prestar máxima atenção, agora que os novos dirigentes põem a China numa trilha chamada “o sonho chinês”.

Devem-se perdoar os que estudam mitos históricos, se lhes ocorre a ideia de que a China veio ao mundo exclusivamente para demonstrar que Mao tinha razão e que o ocidente sempre esteve errado. Com mitos ou sem, é difícil escapar à conclusão de que, no que tenha a ver com os que governam na África e no mundo árabe, não é porque a China não dê grande atenção às liberdades civis, que Francisco I atrai todas as atenções da imprensa-empresa. Se a Igreja Católica, não a China, atrai hoje todos os holofotes midiáticos, a causa está em outro lugar; o motivo é outro.



Notas dos tradutores
[1] Sobre essa exposição – de quadros históricos, mapas, objetos e vídeos da história  da China desde meados do séc.19, inaugurada dia 29/11/2012 no Museu Nacional da China, em Pequim – ver 3/12/2012, Celebrating China’s Road Toward Renewal [Comemorando a Estrada da China Rumo à Renovação], Beijing Review, com foto:

Xi Jinping (centro), secretário-geral do PCC; Li Keqiang (3º dir.), Zhang Dejiang (3º esq.), Yu Zhengsheng (2º dir.), Liu Yunshan (2º esq.), Wang Qishan (1º dir.) e Zhang Gaoli (1º esq.)
[2] Sobre os partidos não comunistas chineses, ver 16/3/2012, redecastorphoto em: “Partidos não comunistas na China: há OITO!”.
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Gamal Gorkeh Nkrumah*, jornalista ganense, nasceu em 1959 em Accra, é panafricanista e editor do jornal Al Ahram Weekly. Filho mais velho do primeiro Presidente de Gana, Kwame Nkrumah,  casado com uma egípcia, Fathia Nkrumah. Recebeu seu doutorado em Ciência Política na School of Oriental and African Studies em Londres. Trabalhou como jornalista político no Al-Ahram Weekly no Cairo por cerca de 15 anos antes de assumir a Editoria da Seção Assuntos Internacionais do jornal.