sexta-feira, 22 de março de 2013

Vladimir Putin: “Os BRICS são grupo de integração, não de concorrência”


22/3/2013, Vladimir Putin – Presidente da Rússia - Ag. ITAR-TASS
Entrevista traduzida pelo pessoal da Vila Vudu


“A proposta de Putin tem potência para reorientar a base dos BRICS. A palavra chave é “mecanismo para estratégias de ampla escala”, que “buscará soluções para as questões globais chaves, em vez de apenas coordenar seletivamente suas posições em algumas poucas questões de momento”. Putin destacou que não vê os BRICS como “concorrente geopolítico” em oposição ao ocidente”.
(MK Bhadrakumar, 22/3/2013, Indian Punchline em: “Putin sees BRICS as global troubleshooter”)


Vladimir Putin
Ag. ITAR-TASS: O fenômeno relativamente recente dos BRICS atrai cada vez maior atenção global, em função das previsões otimistas para o crescimento desses países, sobretudo se se consideram os desdobramentos da crise na economia mundial. O que significa o grupo BRICS para a Rússia, imediatamente e no longo prazo? Esse formato é adequado para que se desenvolvam melhores relações entre esses países?

PRESIDENTE VLADIMIR PUTIN: á inúmeros fatores de longo prazo que operam a favor do sucesso dos BRICS. Por vinte anos as economias de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul aparecem na dianteira do crescimento econômico global. Em 2012, o crescimento médio do PIB no grupo chegou a 4%; para o G7 [1] a-se crescimento de 0,7%. Além disso, o PIB dos países BRICS tem a ver com a paridade do poder de compra das respectivas moedas nacionais, atualmente acima de 27% do PIB global, e a fatia dos BRICS continua a aumentar.

O grupo BRICS é elemento chave de um mundo multipolar que está emergindo; o grupo tem afirmado repetidas vezes seu compromisso com os princípios fundamentais da lei internacional e contribuído para reforçar o papel central da ONU. Nossos países não aceitam políticas de força nem violações à soberania das nações. Partilhamos também de visão semelhante nas mais graves questões internacionais, inclusive na crise síria, na situação criada em torno do Irã e no Oriente Médio.

A credibilidade e influência dos BRICS no mundo traduzem-se em contribuição crescente nos esforços para estimular o crescimento global. Esse é um dos importantes temas a ser discutidos no Fórum e Diálogo dos Presidentes dos BRICS-África, que acontecerá durante a reunião de cúpula de Durban. [2]

Os países BRICS advogam a constituição de um sistema mais equilibrado e mais justo de relações econômicas globais. Os mercados emergentes têm interesse em crescimento econômico mundial sustentável, duradouro; e querem reformas na arquitetura financeira e econômica, para que seja mais eficiente. Resultado disso é a decisão conjunta, tomada no ano passado, de os BRICS contribuírem com $75 bilhões de dólares para o programa de empréstimo do FMI, que implica aumento da participação no capital do Fundo, das economias que mais crescem.

A Rússia, como iniciadora do formato BRICS e presidente da primeira reunião em Yekaterinburg em 2009, vê o trabalho dentro desse grupo como uma de suas prioridades de política externa. Esse ano, aprovei o Conceito da Participação da Federação Russa no grupo BRICS, que propõe quatro metas estratégicas que visamos a alcançar mediante a interação com nossos parceiros Brasil, China, Índia e África do Sul.

Essa cooperação em questões internacionais, comércio, câmbio e na esfera humanitária facilita a criação do ambiente mais favorável para o crescimento da economia russa, melhoria do clima para investimentos, qualidade de vida e bem-estar de nossos cidadãos.

Nossa participação nessa associação ajuda a promover relações bilaterais privilegiadas entre as nações BRICS, baseadas nos princípios de boa vizinhança e cooperação mutuamente proveitosa. Entendemos que é crucial ampliar a presença linguística, cultural e de informação da Rússia nos países BRICS, assim como nos interessa expandir o intercâmbio educacional e os contatos interpessoais.

Ag. ITAR-TASS: Quais são os objetivos de curto prazo do grupo? E como o senhor vê as diretivas estratégicas para o desenvolvimento econômico dos BRICS?

VLADIMIR PUTIN: Os BRICS identificam-se quanto ao que se deve fazer, conforme os planos de ação adotados nas reuniões anuais. Ano passado, o Plano de Ação de Delhi demarcou 17 áreas de cooperação, inclusive reuniões dos ministros de Relações Exteriores, a serem realizadas simultaneamente com a sessão da Assembleia Geral da ONU; reuniões dos ministros de Finanças e presidentes dos Bancos Centrais, paralelas às reuniões do G20; reuniões com o Banco Mundial e o FMI, além de contato entre outras agências dos países BRICS.

Nesse momento, estamos construindo um novo plano, a ser discutido na reunião em Durban. Tenho confiança que nos ajudará a aprofundar a parceira. Esperamos conseguir aprofundar a coordenação entre as abordagens nacionais, nas questões chaves da agenda da próxima reunião do G20 em São Petersburgo, aumentar nossa cooperação na luta contra a produção e o tráfico de drogas e nossos esforços para conter ameaças criminosas em geral, terroristas, militares e no ciberespaço.

É extremamente importante para a Rússia ampliar a cooperação de comércio e investimentos com os parceiros BRICS e lançar projetos de negócios multilaterais envolvendo parcerias empresariais. Em Durban, esperamos já poder anunciar a criação formal do Conselho de Negócios dos BRICS, criado para apoiar essa atividade comercial. Antes da reunião de cúpula, haverá o Fórum de Negócios dos BRICS, que reunirá representantes de mais de 900 empresas de nossos países.

Ag. ITAR-TASS: O potencial das economias BRICS leva à questão da coordenação entre políticas econômicas, mas leva também à questão de interação geopolítica mais estreita. Qual o papel e a missão geopolítica dos BRICS no mundo contemporâneo? Ultrapassa a agenda simplesmente comercial e econômica? Caberá aos países BRICS o dever de aceitar maior responsabilidade nos processos geopolíticos? Qual a política dos BRICS em relação ao resto do mundo, inclusive em relação aos grandes atores, como EUA, União Europeia, Japão... Que futuro o senhor antevê para o bloco, nesse quadro?

VLADIMIR PUTIN: Em primeiro lugar e sobretudo, os países BRICS buscam ajudar a economia mundial a alcançar crescimento estável e autossustentado e a reformar a arquitetura financeira e econômica internacional. Nossa principal tarefa é encontrar modos para acelerar o desenvolvimento global, encorajar o fluxo de capitais da economia real e criar empregos. São objetivos particularmente importantes em contexto de baixo crescimento econômico em todo o mundo, e de desemprego inadmissivelmente muito alto. Embora esse seja o quadro que se vê em muitos países ocidentais, todos os BRICS são também afetados negativamente; os mercados de exportação estão encolhendo, falta estabilidade nas finanças globais e até nossas taxas internas de crescimento estão mais lentas.

Ao mesmo tempo, convidamos nossos parceiros a, gradualmente, transformarem os BRICS, de um fórum que coordena abordagens em número limitado de questões, em mecanismo de cooperação estratégica em larga escala, o que nos permitirá buscar, juntos, soluções para as questões chaves da política global.

Tradicionalmente, os países BRICS manifestam abordagens assemelhadas para a solução de todos os conflitos internacionais, prestigiando sempre os meios políticos e diplomáticos. Para a cúpula de Durban, estamos trabalhando numa declaração conjunta que manifeste nossas ideias fundamentais sobre as mais prementes questões internacionais – a saber: as crises na Síria, no Afeganistão, no Irã e no Oriente Médio.

Não vemos o bloco BRICS como concorrente geopolítico em oposição aos países ocidentais ou suas organizações. Bem o contrário disso: estamos abertos a discussão com qualquer país ou organização disposta a discutir sob os parâmetros de uma nova ordem mundial, comum e multipolar.

Ag. ITAR-TASS: Rússia e China são importantes parceiros estratégicos e históricos. Como o senhor vê o significado dessa parceria, não só para o desenvolvimento dos dois países, mas também para todo o sistema de relações internacionais e a economia mundial?

VLADIMIR PUTIN: Rússia e China são dois membros influentes na comunidade internacional, são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e estão entre as maiores economias do mundo. Por tudo isso, a parceria estratégica entre nossos países tem tanta importância, simultaneamente em escala bilateral e em escala global.

Hoje, as relações sino-russas passam por excelente momento, o melhor numa história de vários séculos. São relações caracterizadas por alto grau de confiança mútua, respeito pelos interesses dos dois lados, apoio nas questões vitais. É verdadeira parceria, genuinamente aberta e abrangente.

Hoje, o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, está em visita oficial à Rússia. A evidência de que o novo presidente da China tanto tenha nos honrado, escolhendo a Rússia para sua primeira viagem oficial como presidente, confirma a natureza especial da parceria estratégica que construímos entre Rússia e China.

Só nos últimos cinco anos, o volume de comércio bilateral mais que dobrou. A China assumiu solidamente o primeiro lugar dentre nossos parceiros comerciais. Em 2012, o volume de comércio russo-chinês aumentou 5,2%, já alcançando hoje $87,5 bilhões (em 2007, estava em $40 bilhões).

A correspondência e a proximidade de nossas abordagens nas questões mais cruciais da ordem mundial e nos problemas internacionais chaves é importante fator de estabilização, hoje, na política mundial. No quadro da ONU, do G20, dos BRICS, da Organização de Cooperação de Xangai, da Organização dos Países Produtores de Petróleo e de outros formatos multilaterais, estamos trabalhando lado a lado, ajudando a modelar uma nova ordem mundial, mais justa; a promover paz e segurança; a defender intransigentemente os princípios básicos da lei internacional. É nossa contribuição comum, fortalecer o desenvolvimento global sustentável.

Rússia e China são hoje exemplo de abordagem pragmática e equilibrada com vistas a superar as questões mais críticas que abalam o mundo hoje, como a situação no Oriente Médio e Norte da África, o problema nuclear na Península Coreana e a discussão mundial sobre o programa nuclear do Irã.

****** FIM DA ENTREVISTA ******



Notas dos tradutores

[1] G7 -Grupo no qual se reúnem os ministros das Finanças das sete nações mais industrializadas: EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Canadá e Japão.

[2] Sobre relações Rússia e África do Sul, sem interesse imediato no nosso fórum, os interessados podem ler em: Russian-South Africa Talks

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