quarta-feira, 30 de junho de 2010

A FALSA HISTÓRIA NAS ESCOLAS MILITARES (III)


Publicada em:30/06/2010

Recife (PE) - Eu já me havia prometido não mais voltar ao assunto. Melhor dizendo, volver, nunca mais. Mas prometo que esta será a última vez, ainda que o assunto não se esgote aqui.


E por que volto? Meia-volta faço porque nesta semana fui honrado pelo senhor Hiram Reis, coronel e professor do Colégio Militar de Porto Alegre, que escreveu uma catilinária em que divulga até o meu email, para melhor chamamento à ordem do colunista. Na parte de interesse público, depois de chamar este autor de alienado, idiotizado, o professor toca em questões mais graves, como estas:


“Atualmente, o Colégio Militar de Porto Alegre é a única escola de educação básica do País a possuir um observatório astronômico (Observatório Capitão Parobé) dotado de um telescópio robótico de última geração...

Seus formandos têm o mais alto índice percentual de aprovação no vestibular da UFRGS entre as escolas gaúchas (42% em 2005, 44% em 2006, 44,79% em 2007, 61,11% em 2008, 48,70% em 2009 e 57,45% em 2010)...


Do ‘Colégio dos Presidentes’ saíram as únicas duas gaúchas selecionadas para integrar as respectivas turmas pioneiras de mulheres da Aeronáutica..”


E por aí segue. Entenderam? A uma crítica dirigida ao nível da História ensinada aos alunos militares, o professor coronel responde com as glórias do Colégio Militar em outros campos, que em nenhum momento entraram em discussão. Para concluir, muitos parágrafos depois:


“Desafio o Sr. Urariano Mota a apresentar outra Escola Pública que apresente resultados similares aos do nosso querido ‘Casarão’, que jamais tenha desencadeado qualquer tipo de movimento ‘grevista’, que no dia do seu aniversário seja capaz de fazer que seus ex-alunos, jovens e sexagenários, civis e militares, desfilem emocionados e saudosos”


Meu Deus, o sentimento de casta expresso acima é constrangedor. O coronel professor quer um
ranking, uma guerra entre escolas públicas, para saber qual a melhor. Todos amam a escola de juventude, coronel. Eu mesmo passei pelo glorioso Alfredo Freyre, de um subúrbio recifense, onde jamais tivemos observatórios, com exceção dos olhares que dirigíamos às pernas da professora Janita. Nesse colégio tivemos um mestre insuperável, um formador de consciências, o professor Arlindo Albuquerque, espancado e preso pelos militares no primeiro de abril de 1964. Que feito indelével, histórico, existe maior que esse? Que coisa bela era o mestre a declamar "Sur la liberté de la conscience".


O professor Arlindo não entra aqui por acaso. Ele faz parte da história que é oculta, filtrada e corrigida dos alunos das escolas militares. Ele vem ainda porque nos ensinou que a nossa pátria não é a maior nem a melhor nem a mais perfeita. A nossa pátria é apenas o lugar onde nascemos e sentimos o gosto de feijão e do primeiro beijo. Que a nossa pátria, assim, é a própria humanidade, aquela que passa por Rousseau, o escritor que o mestre Arlindo nos lia em voz alta e flamejante a nos ensinar que todos os homens são iguais na terra.


O espaço está no fim e quase encerro sem dizer que esta semana, por dever de ofício, me vi obrigado a ler três livros da Biblioteca do Exército: "O revisionismo histórico brasileiro", de Maya Pedrosa; "A chama da nacionalidade", de Marco Antonio Cunha; e.... "Não somos racistas", do filósofo Ali Kamel. Sim, o livro do pensador da Globo. Iria ler, da Biblioteca do Exército ainda, o "Poderosos e Humildes", do simpático Vernon Walters, que recebe esta apresentação:


“O autor, bastante conhecido no Brasil, é pessoa da absoluta confiança de vários presidentes dos Estados Unidos, dos quais recebeu uma série de missões de salvamento no plano internacional. Esta é a obra de um hábil contador de histórias, com qualidades de analista, desenvolvidas nos serviços de inteligência americanos, no exército e no serviço diplomático”.


Não seria mais simples apresentá-lo como o homem da CIA no Brasil, no golpe de 1964? Melhor terminar com um questionamento do historiador J. F. Maya Pedrosa, extraída do Revisionismo histórico brasileiro:


“É conveniente ao processo de educação a doutrinação política, a interpretação da história com finalidade de indução ideológica ou partidária?”


Entenderam? Como isso é irônico. O historiador faz essa pergunta contra a falsa história nas escolas civis! Mas não deixa de ser curioso. Entre aspas e acima está o novo gênero de pergunta que é uma arma - puro bumerangue.




colhido no Direto da Redação

Sobre Michael Hastings e o jornalismo nos EUA

23/6/2010, Barrett Brown, Vanity Fair – Traduzido por Caia Fittipaldi


Barrett Brown, do movimento de reforma da mídia “Projeto MP”,

recebe e-mails em barriticus@gmail.com

Michael Hastings é jornalista.


Ante a matéria jornalística que talvez venha a ser considerada a mais importante do ano, em termos das revelações que faz e dos efeitos que essas revelações venham a ter, o editor da revista National Review [1], Rich Lowry, abre seu comentário com o seguinte “ponto”, palavra dele:


“1) Rolling Stone? Rolling Stone???”


Sim, Rich; a matéria publicada mais carregada de impactos do ano, a matéria na qual o general Stanley McChrystal, comandante das forças dos EUA no Afeganistão e seus auxiliares diretos disseram horrores sobre o presidente Barack Obama e membros de seu governo, foi publicada em Rolling Stone, não na sua National Review.


E foi escrita por espécime perfeito da nova safra de jornalistas-comentaristas independentes que, esperemos, começa a substituir a safra velha, e que começa a ultrapassar a velha guarda sob qualquer dos critérios que importam – por exemplo, não errar (ou mentir) sempre em campos cruciais da vida pessoal e social dos EUA.


Devo observar – não só em nome da exigência de transparência total, mas também porque é relevante nesse contexto – que sou amigo e admirador de Michael Hastings, jornalista autor da matéria em questão, publicada em Rolling Stone. Michel teve a gentileza de elogiar meu próximo livro, sobre os fracassos do jornalismo norte-americano, só de opinionismo e diz-que-diz (e, a propósito, planeja escrever romance sobre o mesmo tópico); Michel partilha minhas opiniões sobre o estado do jornalismo e da opinião nos EUA. E alistou-se no Projeto PM [2] – minha talvez quixotesca tentativa de fazer uma pequena parte do trabalho de melhorar essa mídia, cujas publicações enviesadas, sobre assuntos de guerra e paz, já conseguiu matar a república norte-americana e reduzir a centenas de milhares de mortos e feridos a capacidade de os cidadãos norte-americanos operarem racionalmente, seja em casa seja no exterior.


Defendi Hastings antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, o que implica que minha opinião sobre ele não se baseia em nossa associação. É o contrário: minha associação com ele baseia-se em minha opinião sobre ele e o que faz. E minha opinião sobre ele é resultado de valorosa e infelizmente hoje pouco comentada grande competência de Hasting e do que o vi fazer e dizer ao longo de uma carreira ainda relativamente curta.


Todos quantos se sintam autorizados a questionar os motivos pelos quais Hastings escreveu aquele artigo precisam conhecê-lo um pouco mais, antes de se pronunciarem sobre o caráter do homem. Infelizmente, sei que continuarão a fazê-lo, porque quanto mais souberem sobre o homem, mais motivos terão para caluniá-lo, porque disso vivem muitos jornalistas cuja profissão é distribuir calúnias sobre pessoas que mal conhecem.


Hastings foi correspondente da revista Newsweek em Bagdá. Em 2008, aquela empresa medíocre, que publica revista ainda mais medíocre, contratou-o para cobrir a recente e muito ridícula campanha eleitoral que vimos nos EUA. Nesse trabalho, Hasting teve ocasião de conhecer por dentro o modo terrivelmente destrutivo pelo qual a imprensa dos EUA cobre eleições, único momento no qual os cidadãos manifestam-se diretamente, na mais crucial das escolhas.


Esse sentimento não é raro entre bons jornalistas, os quais, contudo raramente tomam qualquer atitude, sempre mais preocupados com o futuro de suas carreiras. Hastings fez diferente. Demitiu-se da Newsweek e escreveu relatório demolidor sobre o que vira e conhecera, por dentro, durante aqueles meses de calvário [3]. Em momento no qual muitos jornalistas praticamente só pensam em garantir a própria segurança, Hastings agiu de modo a nunca mais ser considerado confiável para todo o establishment da mídia nos EUA.


Hoje, Hastings está em Candahar ativo em sua luta contra o status quo do jornalismo nos EUA e não pode defender-se contra os que são responsáveis pelos problemas que ele trabalhou para denunciar e trazer à luz. Colho, portanto, a oportunidade de defendê-lo.


Com o que, voltamos a Rich Lowry, o qual, quando o deixamos, declamava versos que diziam que Rolling Stone não seria tão respeitável quanto National Review e que, depois daquele dia, escreveu mais, e pior:


O artigo de Michel Hastings para Rolling Stone tem boas cores sobre a interação entre McChrystal e os soldados, mas são só combustível de foguete para dar mais poder explosivo às citações controversas. No mais, é pedestre e muito antiguerra. Há momentos hilários, de excesso de palavras e pretensão, ao falar sobre McChrystal: “Tem olhos claros-frios, que parecem cavar um buraco quando grudam em você. Se você o desapontou ou fez algo que o tenha deixado furioso, são olhos capazes de destruir sua alma, sem que ele abra a boca.” Destruir sua alma?


É preciso um tipo especial de falta de vergonha, para acusar alguém de “excesso de palavras e pretensão”, imediatamente depois de ter escrito sobre adicionar “combustível de foguete” às falas do general. Mas Rich é jornalista absolutamente sem vergonha, muito conhecido pela passagem seguinte, que se pode classificar como o mais inacreditável parágrafo de comentário jornalístico, sobre o mesmo ciclo eleitoral que tanto enojou Hastings:


Palin como que salta da tela, o que é uma loucura. Tenho certeza de que não sou o único macho nos EUA que, à primeira piscadela de Palin, mexeu-se na cadeira e disse, “Hey, acho que ela piscou pra mim.” E o sorriso! No fim, quando ela já sabia que se tinha saído muito bem, o fascínio dela quase me hipnotizava. Enviava estrelinhas pela tela, que ricocheteavam pelas paredes de todos os lares da América. Esse é talento que não se aprende nem se ensina; é coisa que se tem ou não se tem. E, oh man, Palin tem.”


Vale lembrar que esse surto de anti-macho-alfa apareceu na conclusão de vários anos de críticas de Lowry contra Obama e seus apoiadores (que os fãs de Obama estariam “obnubilados”) e depois de Lowry haver demolido, por ser “anti-guerra”, um importante manifesto de Obama.


Espero ansioso pelo dia em que a National Review, que continua a ser revista católica fundamentalista, descubra que o Papa também é “anti-guerra” nesse e noutros contextos e conclua, então, que todos naquela empresa vivem em pecado, por caluniar gente que, em matéria de paz, pensa como aquele reverenciado representante de Deus na Terra. Espero também que um dia seja eu, coroado Papa. Sou otimista demais, para alguém criado no anoitecer da competência e do talento norte-americanos. Mas já estou escrevendo demais, motivo pelo qual espero que Lowry me perdoe, ele, que é sensível a estrelinhas que Palin enviaria e ricocheteariam e coisa-e-tal.


Mas já, imediatamente, suspendo o pedido de perdão, ante o que Lowry escreveu, depois de ler a matéria publicada pela revista “pedestre” que furou a revista dele:


Acabo de ler a matéria a qual – como se podia esperar – é muito derrotista.


É claro que qualquer matéria que exponha fatos sobre o que está acontecendo numa guerra que a National Review e muitos outros jornalões liberais declararam que acabara em vitória há sete anos soe “derrotista” aos ouvidos deles mesmos, gente que, sem parar, erra e erra e erra, sem pausa, exatamente sobre aquela mesma guerra. A matéria soa “derrotista”, porque mostra uma situação que se converteu em derrota lenta e quase inevitável, pelos mesmos padrões das mesmas pessoas que exigiram guerra. (...)


Sou assinante de National Review e, volta e meia, sou desviado da leitura pelos anúncios, muitos dos quais escritos para parecer matéria jornalística e que, invariavelmente, cantam loas a grandes financeiras globais, dedicadas a convencer os leitores a comprar coisas em prestações de modo que, se comprarem em muitas prestações, receberão um seguro grátis. Os anunciantes conhecem o próprio público, naturalmente. Mas permitam-me refutar duas outras “críticas” de Lowry à matéria de Hastings:


Hastings fala da “fracassada ofensiva em Marja,” o que faz crer que os Talibãs nos expulsaram, quando a verdade é que nós tomamos a cidade (embora ainda haja alguns ataques dos Talibãs).


Hastings pode ter escolhido o termo “fracassada” porque o ataque levou a uma ocupação problemática, que o próprio McChrystal descreve como “uma úlcera”, porque não deu o resultado que se esperava que desse. (Lowry, se quiser, que lance seus próprios foguetes na direção de Candahar, e confirme pessoalmente, com Hastings.)


Adiante, imediatamente depois de citar Max Boot, analista militar cujas predições são tão certeiras quanto um lance de dados, Lowry escreve:


Boot também observou que todos os especialistas citados por Hastings são anti-guerra.


Exceto, claro, o próprio general McChrysal e seus assessores que Hastings entrevistou durante um mês antes de citá-los devidamente várias vezes no artigo.


Tudo isso comprova o erro que foi dar pleno acesso a esse sujeito.


Aqui, afinal, Lowry acerta em cheio. McChrystal & Co. mostrariam muito mais esperteza se tivessem analisado a carreira e o trabalho de Hastings. Teriam chegado à conclusão óbvia que jornalista como ele nada tem a perder ao reportar fatos comprováveis.


Diferente disso, da maioria dos colunistas que trabalham nos EUA, Hastings não desperdiçou a melhor parte de uma década repetindo lugares comuns sobre o sucesso sem precedentes dos EUA, em duas guerras que já se sabem que não passam de fracassos abjetos. Portanto, não precisa repetir o que diga um ou outro governo confuso, sobre como as coisas vão bem e estão sob controle, ou sobre como tudo ficará bem e sob controle, bastando só um pouco mais de desperdício de sangue e dinheiro.


McChrystal deveria, isso sim, ter dito tudo o que disse, mas a Thomas Friedman [colunista do New York Times], tão perfeito idiota que, em 2001, declarou que Vladimir Putin seria uma força do bem e que o contato entre EUA e Putin deveria ser “rootin’” (termo que cunhou, para rimar com Putin).


Ou, então, McChrystal deveria ter conversado com Charles Krauthammer [colunista do Washington Post], há muito tempo o mais respeitado colunista conservador, apesar da evidência de que erra sempre em tudo que escreve sobre ações militares dos EUA há 12 anos, além de outros erros; Krauthammer teria voltado da entrevista com McChrystal com vários cadernos de boas novas e, assim, a presepada seria completa. Nem o colunista do NYT nem o colunista do WP são derrotistas: os dois declararam vitória no Afeganistão, há anos! Os dois ganharam Prêmio Pulitzer de colunismo jornalístico. Friedman, até, faz parte do comitê do Pulitzer.


Por isso mesmo, Hastings e outros como ele jamais ganharam ou ganharão prêmios Pulitzer, por mais que o jornalismo deles mude o curso da história.


Agora, cá entre nós, podendo, não deixem de dar uma espiada nos anúncios da National Review.


Notas de Tradução


[1] A National Review é uma espécie de revista (não)Veja, porta-voz do que de mais reacionário há nos EUA.


[2] “Os principais objetivos do Projeto PM [Public Midia] são (a) reduzir a influência negativa de jornalistas incompetentes, mas considerados competentíssimos como Thomas Friedman e Charles Krauthammer; e (b) aumentar a influência positiva de segmentos mais competentes da blogosfera. Para alcançar esses dois objetivos, trabalharemos para deliberadamente gerar massa crítica entre os blogueiros, de ta l maneira que segmentos da mídia tradicional venham a ser levados ou forçados a tomar conhecimento de questões relevantes, por ação de um coletivo de blogueiros, os mais eruditos, mais bem informados, mais confiáveis que haja. Um terceiro objetivo não exige massa crítica nem controle temporário sobre a infraestrutura da mídia tradicional e implica desenvolver um esquema comunicacional superior ao que existe hoje, em termos de oferecer aos blogueiros informação de primeira mão de melhor qualidade, a partir da qual gerar conteúdo, além, também de melhores métodos pelos quais os leitores tenham acesso ao melhor desse novo conteúdo, sem que todos os jornais e jornalistas continuem, como fazem hoje, apenas repetindo informação de má qualidade. É o mesmo que dizer que trabalharemos sem recorrer a declarações de autoridades, releases corporativos e outras fontes desse que se usam hoje (adiante, elaboro sobre meio s pelos quais esses objetivos podem ser buscados). Para implantar esse Projeto PM, criaremos uma rede de software de código aberto, que está sendo desenvolvido por um camarada nosso, brilhante especialista em implementar novas tecnologias de informação (do pré-manifesto do Projeto PM, de Barett Brown).


[3] “Hack: Confessions of a Presidential Campaign Reporter” , GQ, Michael Hastings, out.-2008.


O artigo original, em ingles, pode ser lido em: Why the Hacks Hate Michael Hastings

Unidos contra nós, divididos entre si: Toronto e o assalto europeu aos padrões de vida

por Ben Hillier [*]

Martin Wolf descreveu como "um banho de sangue" . O editorial do Financial Times considerou que era uma "leitura gélida" . O orçamento da Grã-Bretanha é de austeridade, tal como nunca se vira ao longo de gerações. Um corte de 25 por cento na despesa pública, 250 mil ou mais empregos no sector público a serem eliminados. Isso é só o começo.

Já há apelos para que o próximo orçamento vá ainda mais longe. Num país em que – mesmo antes de a crise o atingir – mais de um quarto da população era considerada
"pobre para a fila do pão" , o establishment está a gritar: "toda a gente tem demasiado do bom!" É um apelo que ecoa nos corredores do poder do mundo todo.

Irlanda, Grécia, Grã-Bretanha, Itália, França e Alemanha, para não mencionar a Europa do Leste, estão no comboio neoliberal – em grande estilo. Mas a Irlanda e a Grécia estão a mostrar que é improvável que a austeridade resolva os problemas. Quando falha o crescimento económico, as receitas do estado falham também; se a deflação principiar – uma possibilidade muito real – o fardo da dívida aumentará. Um ou dois incumprimentos parece certo que ocorram.

Mas as classes dominantes não estão perturbadas. O seu objectivo principal não é simplesmente administrar as consequências da crise financeira. Elas têm um plano a longo prazo para esmagar totalmente a classe trabalhadora, deitar abaixo o consumo e remodelar as expectativas de como o ser humano tem direito de viver. Como mencionou um responsável do Tesouro Britânico ao
Financial Times ainda antes de o orçamento confirmar:

Qualquer pessoa que pense que a revisão da despesa é apenas para poupar dinheiro está a errar o alvo... Isto é uma oportunidade que só ocorre uma vez numa geração de transformar o modo como o governo funciona.

Ou seja, o governo não deveria funcionar. Não para os pobres, pelo menos. Outrora dizia-se que o capitalismo podia sobreviver a qualquer crise desde que os trabalhadores pudessem arcar com o peso da mesma. Talvez. O problema para os ricos e poderosos, contudo, é que esta crise é estrutural. Os trabalhadores e os pobres não a provocaram. Atacá-los – mesmo que isto signifique remover todos os ganhos social-democratas dos últimos 60 anos – não a resolverá. Os ricos também precisam empurrar o fardo dos pagamentos para os ombros uns dos outros.

Este é o contexto no qual foi efectuada a cimeira do G20 em Toronto. Há um fosso aparente revelado na reunião; é difícil dizer quão profundo é ele, mas é significativo. De um lado estão os europeus e o Japão, que estão a aplicar austeridade; do outro estão os Estados Unidos, os quais estão a advertir que neste ponto a política de contracção podia ser desastrosa.

Paul Krugman
queixou-se de que a viragem para o endurecimento fiscal na Europa representa "a vitória de uma ortodoxia que tem pouco a ver com a análise racional..."

Se se tratasse simplesmente de ideologia então isto seria verdade (e pareceria representar uma mutação histórica – os americanos a argumentarem por mais despesa do estado e os europeus a apelarem por cortes de benefícios). Mas os ricos e poderosos são um grupo pragmático e não estão de todo interessados em teoria. A sua viragem para a austeridade faz parte de uma estratégia calculada de "empobrece o teu vizinho". Colectivamente ela pode ser auto-destrutiva, mas a um nível de país individual ela não é nem ligeiramente irracional.

Para entender o que está a acontecer precisamos primeiro reconhecer que as únicas coisas que importam no pretenso "consenso G20" mundial são o que fazem as grandes economias. Como com todas as coisas internacionais, os acordos são mantidos de pé pelo poder, não pelo consenso. Isto é verdadeiro tanto para a "coligação de vontades" no Iraque como para os comunicados do G20.

A cimeira de Toronto foi acerca da Alemanha, dos EUA e da China. Em menor medida foi acerca do Japão, da França e da Grã-Bretanha. Estavam todos ali para compor os números, dar apoio político – ou terem os seus rabos chutados.

A declaração da cimeira contém duas propostas significativas a que as economias avançadas estão a seguir. Primeiramente há um compromisso para activar "planos fiscais para reduzir em 2013 reduzir défices pelo menos à metade e estabilizar ou reduzir rácios dívida-PIB em 2016". Esta é a austeridade que está a ser desencadeada de modo tão gélido na Europa. Ela representa o maior ataque à classe trabalhadora no período do pós-guerra.

A segunda directiva do G20 é que "as economias excedentárias empreenderão reformas para reduzirem a sua dependência da procura externa e centrarem-se mais em fontes internas de crescimento". Isto é destinado directamente à Alemanha e à China. Durante a última década, os EUA desempenharam o papel de "consumidor de último recurso"; a contracção de empréstimos que efectuaram durante a última década foi para impulsionar o crescimento global e agora consideram que é tempo de os alemães e os chineses pagarem o favor.

O pacote de austeridade alemão mostra que o capital germânico não está a fazer nada disto. Nem o de qualquer país da Europa. E a China está a mover-se para o crescimento moderado. De facto, quase todos os outros governos decidiram começar, ou continuar, a poupar. Isto significará despesas de consumo mais baixas e, muito possivelmente, menos crescimento do investimento. As importações são muito mais prováveis que sejam mais baixas do que o seriam de outra forma.

Quanto a isto, os desejos europeus de divisas desvalorizadas, cortes nas despesas internas, cortes salariais e exportações relançadas estão em conflito com os planos da classe dominante dos EUA. (Note-se no entanto que a Europa está longe de unificada – a Grécia e a Irlanda, por exemplo, foram postas na linha pelo establishment alemão.)

Os chineses estão a fazer movimentos para "reequilibrar" – a antever acontecimentos fatais quanto à sua capacidade para continuar exportações em massa para uma eurozona que está a esmagar o consumo, e uns EUA cuja perspectiva futura parece nada segura – mas eles não têm a capacidade para absorverem exportações europeias e estado-unidenses.

Com a sua economia ainda em crescimento, continuarão a importar equipamento industrial pesado e maquinaria da Alemanha, Japão e EUA. Mas com os seus próprios mercados de exportação deprimidos, lutarão a médio prazo: é improvável que sejam capazes de absorver a sua própria produção, muito menos compensar a lacuna do resto do mundo.

Com toda a gente a poupar, os EUA ficam sob pressão para fazer o mesmo. Os conservadores nos EUA a bloquearem a oferta a governos estaduais e locais não são ideologicamente dogmáticos a este respeito. Isto é capital a tentar "manter-se real". Mas por enquanto a administração não pode ir para a austeridade completa. A economia dos EUA está a crescer mais depressa do que a da eurozona, mas os dados do emprego e da habitação indicam que a recuperação é frágil. O governo está hesitante em privar-se das despesas.

Quando finalmente o fizer, a realidade de que não podem ser todos exportadores e incidirem em excedentes comerciais pesará sobre o mundo. Alguém tem de ser um comprador e tomador de empréstimos. A tornar as coisas piores para o capital americano, a divisa dos EUA tem-se apreciado contra o Euro e está super-valorizada contra o Yuan, apesar da recente apreciação deste último. Tudo isto torna a exportação muito mais difícil.

Além disso, os problemas a mais longo prazo nas economias avançadas – tendência a declínio das taxas de crescimento e de investimento, com base em retornos estagnantes em relação ao investimento – que foram mascaradas pela acumulação de dívida ficaram expostos.

A partir da década de 1980 uma proporção apreciável dos lucros totais na economia foi alimentar o sector financeiro em busca de taxas de lucro mais elevadas. O resultado foi a expansão significativa do sector financeiro global e a transmutação das corporações produtivas e industriais em alguma coisa a assemelhar-se a "dispositivos financeiros".

Ao longo da última década e meia, em particular, o consumo pessoal foi mantido artificialmente alto para compensar o consumo produtivo mais baixo. As companhias, uma atrás das outras, estavam a cozinhar os livros contabilísticos a fim de impelir mais para o alto os preços das acções.

Em 2005, a cada quatro dias os mercados financeiros estavam a comerciar o equivalente ao valor total anual das exportações globais. Mas apesar de os retornos serem muito bons nesta esfera, eles foram conseguidos ao custo de uma série de bolhas especulativas e crises de dívida: as crises de dívida do Terceiro Mundo da década de 1980; o colapso do mercado de acções dos EUA de 1987; o colapso parcial da indústria de caixas económicas nos EUA de 1989; o crash dos preços da propriedade imobiliária e das acções de 1990 no Japão; a crise financeira do Extremo Oriente; o colapso do mercado de acções das dot.com; e o recente colapso imobiliário nos EUA e na Europa Ocidental.

A guerra do capital contra o trabalho travada através da política governamental já se intensificou na Europa num grau nunca visto desde a depressão da década de 1930. Os EUA começaram a seguir o exemplo. Despedimentos em massa e salários deitados abaixo não têm sido suficientes para ressuscitar economias. A austeridade tão pouco fará isso; ela provavelmente tornará todas as coisas piores

Dizer que tudo agora está pendurado por fio pode ser exagerado. Mas quando a actual recuperação parar – como é quase certo acontecer – as divisões entre as classes dominantes dos diferentes países serão expostas mais uma vez. Elas pressionarão mais duramente umas contra as outras para comutar o fardo da responsabilidade.

As queixas quanto a divisas e desacordos fiscais de hoje estão destinadas a ficarem muito mais desagradáveis; os ataques governamentais a ficarem muito piores.

[*] Colaborador de Socialist Alternative .

O artigo original, em inglês, encontra-se em: United against Us, Divided among Themselves: Toronto and European Assault on Living Standards

Este artigo encontra-se em Resistir Info. .

Oliver Stone contesta crítica do NYT a "Ao Sul da Fronteira"

30 de Junho de 2010 - 12h53

Uma semana após ser lançado em Nova Iorque, o último documentário do cineasta Oliver Stone, Ao Sul da Fronteira, é alvo de polêmica, provocando um debate entre o diretor e o jornalista Larry Rohter, ex-correspondente do jornal New York Times no Brasil.

Em texto publicado na sexta-feira (25), Rohter apontou várias imprecisões ou erros no filme, acusando-o de apresentar uma visão deturpada sobre a “guinada à esquerda” dos governos latino-americanos, principalmente, do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Em resposta, Stone e os co-roteiristas Tariq Ali e Mark Weisbrot escreveram, nesta segunda (28), uma carta aberta ao NYT rebatendo as críticas.

No texto, Larry Rohter afirma que os 78 minutos de documentário de Stone não contêm apenas “erros e distorções, mas também detalhes que faltam, prejudicando o retrato de Chávez”. Nos 11 parágrafos seguintes, o ex-correspondente insiste que não foi apenas Stone que cometeu erros, mas também Tariq Ali.

No dia seguinte, Stone, Ali e o economista Mark Weisbrot escreveram a carta que responde cada acusação de Rohter. A réplica foi publicada no site oficial do filme, traduzida pelo Opera Mundi e publicada a abaixo.

Um dos argumentos usados por Rohter para desqualificar o documentário é o ponto de vista adotado pela narrativa para tratar das eleições de 1998, que levaram Chávez ao poder. Segundo ele, é um equivoco afirmar que a ex-miss universo Irene Saéz, então candidata à presidência, era a principal adversária do coronel, já que ela ficou em terceiro lugar, com 3% dos votos, e não o ex-governador Enrique Salas Romer, que teve 40%. Para os produtores do documentário, bastava ter feito uma análise mais abrangente do período eleitoral para entender o papel de Irene na campanha de 1998.

Detalhes

Sobre a escolha de ter mostrado imagens do documentário irlandês A Revolução Não Será Televisionada, que conta a história do golpe fracassado contra Chávez em 2002, Rohter afirma que Stone e Ali escolheram apenas uma das versões da história. Para o jornalista, o filme eliminou detalhes ao contar o processo da Revolução Bolivariana.

Respondendo aos comentários, Stone, Weisbrot e Ali alegam que as afirmações do jornalista são “falsas”, e que, "ironicamente, é Rohter quem abraça teorias conspiratórias".

"A mídia é tendenciosa e distorce as informações sobre a América Latina, o tema principal do documentário”, afirmam na carta, explicando que a tentativa de “desacreditar” o filme se deve a isso e ao fato de o jornalista, segundo os produtores, estar empenhando numa “campanha anti-Chávez".

Para Stone, os comentários do jornalista são enganosos e o NYT “deve desculpar-se por ter publicado aquele texto”.

Erros de Rohter

O jornalista norte-americano é conhecido por uma polêmica envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, quando era correspondente no Rio de Janeiro. Na época, fez uma reportagem com o título "Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional", na qual descrevia supostos excessos alcoólicos do presidente.

O texto era acompanhado por uma foto de Lula bebendo cerveja na Oktoberfest no ano anterior. Em seguida, cometeu um erro em uma matéria sobre índice de obesidade na população brasileira, identificando em uma foto duas moças na praia como brasileiras mas, na verdade eram tchecas. O visto de jornalista de Rohter chegou a ser suspenso pelo Itamaraty, mas depois foi renovado.

Oliver Stone tem parte de sua produção focada na América Latina. O cineasta, vencedor do Oscar de melhor diretor por JFK – a pergunta que não quer calar (1991) e Nascido em 4 de Julho (1989), tem seis documentários sobre a região. Stone está produzindo atualmente um documentário sobre Fidel Castro e um filme com atores sobre o traficante de drogas colombiano Pablo Escobar.

Leia abaixo a carta aberta em resposta ao New York Times

Carta ao New York Times

Oliver Stone, Mark Weisbrot e Tariq Ali


Larry Rohter ataca nosso filme, Ao Sul da Fronteira, por “erros, afirmações incorretas e ausência de detalhes”. Mas um exame cuidadoso revela que os erros, afirmações incorretas e ausência de detalhes são dele, e que o filme é uma obra caprichada do ponto de vista factual.


Vamos documentar isto para cada um dos seus ataques. Vamos então mostrar que há provas de má-fé e conflito de interesses, em sua tentativa de desqualificar o filme.


Finalmente, pediremos a vocês que considerem os inúmeros erros factuais nos ataques de Rohter, registrados abaixo, e as claras evidências de má-fé e conflito de interesses em sua tentativa desqualificar o filme, e então pedimos ao New York Times que publique uma correção completa para esses erros.


1) Ao acusar o filme de “mal informado”, Rohter escreve que “um voo de Caracas a La Paz, Bolívia, cruza principalmente a Amazônia, e não os Andes”. Mas a nossa narração não diz que o voo cruza “principalmente” a Amozônia, e sim que ele voa sobre os Andes, o que é correto (fonte: Google Earth).


2) Também na categoria de “má informação”, Rohter escreve que “os Estados Unidos não importam mais petróleo da Venezuela do que de qualquer outra nação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)”, e que a posição “pertenceu à Arábia Saudita no período de 2004-10”.


A frase citada por Rohter aqui foi dita no filme por um analista da indústria do petróleo, Phil Flynn, que aparece por cerca de 30 segundos em um clipe de programas de TV exibidos nos Estados Unidos. O que ocorre é que Rohter está errado, e Flynn, correto. Flynn fala em abril de 2002 (o que está claro no filme), portanto Rohter está errado ao citar a data de 2004-2010.


Se olharmos o período de 1997 a 2001, que é relevante para a afirmação de Flynn, ele está correto. Venezuela está à frente de todos os países da OPEP, incluindo Arábia Saudita, para o petróleo importado pelos Estados Unidos durante todo esse período. (fonte: Agência de Informações sobre Energia dos EUA, para a Venezuela e Arábia Saudita)


3) Rohter tenta desqualificar o filme por conta da breve descrição da corrida presidencial de 1998 na Venezuela:


“Segundo Ao Sul da Fronteira, a principal oponente de Chávez na corrida inicial pela presidência em 1998 era uma loira de 1,85 m, a ex-miss Universo Irene Sáez, e então a eleição ficou conhecida como a disputa entre a Bela e a Fera. Mas o principal oponente de Chávez não era a senhora Sáez, que terminou em terceiro lugar com menos de 3 porcento dos votos. Era Henrique Salas Romer, um agradável ex-governador que venceu com 40% dos votos”.


A crítica de Rohter está mal direcionada. A descrição da corrida presidencial no filme, citada por Rohter, é de Bart Jones, que cobria a Venezuela para a Associated Press, a partir de Caracas, nesta época. A descrição é acurada, apesar do resultado final da eleição. Para a maior parte da disputa, que começou em 1997, Irene Sáez era sim a principal oponente de Chávez, e a disputa foi reportada como a escolha entre “a Bela e a Fera”.


Nos seis meses que antecederam a eleição, ela começou a cair enquanto Salas Romer ganhava apoio; seus 40% expressam fortemente o resultado de uma decisão dos dois grandes partidos políticos venezuelanos da época, COPEI e AD, que comandaram o país por décadas, de apoiá-lo. (Veja, por exemplo, este artigo de 2008 da BBC, que descreve a corrida presidencial como faz o filme, e nem mesmo menciona Salas Romer).


A descrição de Rohter faz parecer que Saéz era uma candidata menor, o que é absurdo.


4) Rohter tenta enquadrar o tratamento dado pelo filme ao golpe de 2002 na Venezuela como uma “teoria da conspiração”. Ele escreve:


“Como o sr. Stone fez com o assassinato de Kennedy, esta parte de Ao Sul da Fronteira depende da identidade de um ou mais atiradores que podem ou não fazer parte de uma conspiração maior”.


A descrição é completamente falsa. O filme não faz afirmações sobre a identidade dos atiradores nem apresenta nenhuma teoria de uma “conspiração maior” de qualquer atirador.


Diferentemente, o filme registra duas questões sobre o golpe: (1) que a mídia venezuelana (e isso foi repetido pela mídia norte-americana e pela mídia internacional) manipulou imagens para fazer parecer que um grupo de apoiadores de Chávez estava armado e que atirou em 19 pessoas, que foram mortas no dia do golpe. Esta manipulação da filmagem foi demonstrada de forma muito clara no filme, e, portanto, não é colocada “apenas na conta de Gregory Wilpert”, como Rohter também falsamente alega. A gravação fala por si só. (2) que o governo dos Estados Unidos estava envolvido no golpe (veja Ao Sul da Fronteira o Golpe na Venezuela e abaixo).


Ironicamente, é Rohter quem abraça teorias conspiratórias, citando versões discutíveis que, para ele, devíamos ter incluído no filme.


5) Rohter nos acusa de “juntar fatos e omitir informações” sobre a Argentina, permitindo a Néstor Kirchner e sua sucessora, Cristina Kirchner, declararar que “começaram antes uma política diferente”.


“Na realidade, o predecessor de Kirchner, Eduardo Duhalde, e seu ministro das Finanças, Roberto Lavagna, foram os arquitetos de uma mudança política e da subsequente recuperação econômica, que começou quando o sr. Kirchner era ainda um obscuro governador da pequena província da Patagônia”, escreve ele.


Esta crítica é em alguma medida obscura e, talvez, ridícula. Os Kirchners estiveram na presidência por cinco dos seis anos da destacada recuperação econômica argentina, em que o país cresceu 63%. Algumas das políticas que permitiram este crescimento começaram em 2002, e outras começaram em 2003, ou até depois. Onde exatamente estão “juntados” os fatos e “omitidas” as informações aqui?


6) Rohter tenta criar uma questão sobre o fato de que o logo da ONG Human Rights Watch aparece por dois segundos na tela durante a discussão dos "dois pesos, duas medidas" de Washington sobre direitos humanos. O filme não diz nem insinua nada sobre a HRW.


Mais importante que isso, em sua entrevista a Rohter, o diretor da HRW para as Américas, José Miguel Vivanco, confirma exatamente o que o filme diz: que há dois pesos e duas medidas nos EUA para enquadrar as denúncias de abusos de direitos humanos na Venezuela enquanto se ignora ou desmerece as muito mais numerosas e mais embasadas denúncias de abusos de direitos humanos na Colômbia.


"É verdade que vários dos mais ferozes críticos de Chávez em Washington fizeram vista grossa para o currículo impressionante de direitos humanos na Colômbia", diz Vivanco.


7) Rohter ataca o co-roteirista Tariq Ali por dizer que "O governo [da Bolívia] decidiu vender o fornecimento de água de Cochabamba para a Bechtel, uma empresa dos EUA". Rohter escreve: "Na verdade, o governo não vendeu o fornecimento de água: concedeu a um consórcio que incluía a Bechtel um contrato de concessão de 40 anos".


Rohter realmente força a barra neste ponto. "Vender o fornecimento de água" para mãos privadas é uma descrição honesta do que aconteceu, tão correta em termos práticos quanto "atribuir uma concessão de 40 anos". As empresas ganharam controle sobre o fornecimento de água da cidade e a renda que pode ser obtida de sua venda.


A má-fé e o conflito de interesses de Rohter: demos a Rohter uma quantidade gigantesca de informação factual para embasar os principais argumentos no filme. Ele não apenas os ignorou, mas, nas citações que escolheu para a matéria, escolheu apenas aquelas que não tinham relações com fatos que poderiam ser usados para ilustrar o que considerava ser o viés do diretor e do co-autor. Isto não é jornalismo ético; de fato, é questionável se isso é jornalismo em absoluto.


Por exemplo, Rohter recebeu evidência detalhada e documental do envolvimento dos EUA no golpe de 2002 (ver Ao Sul da Fronteira - O Golpe na Venezuela). Este é um dos principais argumentos no filme, e foi embasado no filme pelo testemunho do então editor de internacional do Washington Post, Scott Wilson, que cobriu o golpe em Caracas. Em nossas conversas com Rohter, ele simplesmente descartou todas essas provas, e não aparece nada sobre isso na matéria.


Rohter deveria ter revelado seu próprio conflito de interesses nessa crítica. O filme critica o New York Times pelo respaldo de seu conselho editorial ao golpe militar de 11 de abril de 2002 contra o governo democraticamente eleito da Venezuela, o que foi constrangedor para o NYT. Além disso, o próprio Rohter escreveu uma matéria em 12 de abril que foi mais longe que o apoio do jornal ao golpe:


"Nem a derrubada de Chávez, um ex-coronel do exército, nem a de Mahuad, dois anos atrás, podem ser classificadas como um golpe militar latino-americano convencional. As forças armadas não tomaram o poder de fato na quinta-feira. Foram os apoiadores do presidente deposto que parecem ter sido responsáveis pelas mortes que não passaram de 12, em vez de centenas ou milhares, e os direitos políticos e garantias foram restaurados em vez de suspensos" - Larry Rohter, New York Times, 12 de abril de 2002.


Essas alegações de que "o golpe não foi um golpe" - não apenas por Rohter - provocou um desmentido por um colega de Rohter no New York Times, Tim Weiner, que escreveu uma matéria dominical dois dias depois, sob o título de “Um Golpe com Outro Nome” (New York Times, 14 de abril de 2002).


Ao contrário do conselho editorial do NYT, que publicou uma revisão rancorosa de sua posição pró-golpe de dias antes (incluída em nosso filme), Rohter parece ter-se apegado às fantasias direitistas sobre o golpe. Não surpreende que alguém que apoia a derrubada militar de um governo eleito democraticamente não iria gostar de um documentário como este, que comemora os triunfos da democracia eleitoral na América do Sul ao longo da última década.


Mas ele deveria ter pelo menos informado aos seus leitores que o New York Times estava sob ataque neste documentário, e também sobre seu próprio trabalho como repórter: em 1999 e 2000, ele cobriu a Venezuela para o NYT, escrevendo inúmeras matérias anti-Chávez. A representação enviesada e distorcida da Venezuela na América Latina é um dos grandes temas do documentário, o qual Rohter convenientemente ignora em sua tentativa de desqualificar o filme em 1.665 palavras.


Passamos horas com Rohter ao longo de dois dia e demos a ele toda a informação que ele pediu, ainda que sua hostilidade estivesse clara desde o início. Mas ele estava determinado a apresentar sua narrativa de repórter intrépido que revelaria uma direção desleixada. O resultado é uma tentativa muito desonesta de desqualificar o filme ao retratá-lo como factualmente impreciso - usando declarações falsas e enganosas, fora de contexto, citações seletivas de entrevistas com o diretor e escritores, e ataques pessoas.


O Times deveria pedir desculpas por ter publicado o texto.


Sinceramente,


Oliver Stone

Mark Weisbrot

Tariq Ali


Artigo original no Vermelho - enviado por André Lux (Tudo em Cima)

Rejeição dos produtores do Brasil faz Bayer adiar planos de lançar arroz transgênico no país

Brasil | 30.06.2010
Resistência é grande a arroz transgênico
Resistência é grande a arroz transgênico

Empresa alemã, que vende no Brasil soja e milho geneticamente modificados, desiste temporariamente de obter licença para arroz transgênico. Brasileiros não querem ser os primeiros do mundo a oferecer esse tipo de grão.

A reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que debateu aprovações comerciais de novos produtos geneticamente modificados no mercado brasileiro em 23 de junho último, era para ter sido sem surpresas.

Mas não foi: a aprovação dada como "certa" do arroz LibertyLink (semente tolerante ao herbicida glufosinato de amônio), da Bayer, não chegou sequer a ser discutida pelos membros da comissão. Por iniciativa da própria empresa alemã, o processo foi retirado temporariamente da pauta de decisões técnicas.

A Bayer, que já comercializa no Brasil sementes transgênicas de algodão, milho e soja, divulgou uma nota no mesmo dia, justificando que é preciso ampliar o diálogo com os principais integrantes da cadeia de produção de arroz no Brasil.

"O objetivo do diálogo será tratar das medidas necessárias para trazer ao mercado a tecnologia LibertyLink para a cultura do arroz. Esta decisão está em linha com nossa abordagem responsável no lançamento de produtos e representa nosso compromisso com as necessidades dos nossos clientes", diz a nota.

Mas Marijane Lisboa, pesquisadora brasileira e participante de uma rede de cientistas que acompanha o debate de transgênicos na CTNBio, conhece os bastidores da discussão: "Os produtores de arroz do Rio Grande do Sul temem que o Brasil, sendo o primeiro país a plantar arroz transgênico em escala comercial, possa sofrer uma rejeição por parte de países que são, atualmente, importadores do arroz brasileiro, particularmente a União Europeia."

Matriz da Bayer, na cidade alemã de Leverkusen
Matriz da Bayer, na cidade alemã de Leverkusen

Diálogo com o mercado

Questionada pela Deutsche Welle se a essa decisão estaria ligada a possíveis prejuízos comerciais que os produtores sofreriam em exportar o arroz transgênico, a Bayer respondeu que "ficou claro que é preciso mais tempo para que todas as partes da cadeia produtiva do arroz possam compreender os passos necessários para o potencial uso de biotecnologia também na produção de arroz".

O estado do Rio Grande do Sul é o maior produtor brasileiro do grão. Pouco antes da reunião da CNTBio de 23 de junho, o setor reafirmou por escrito sua posição, que já havia sido tomada numa audiência pública da CTNBio em Brasília no ano passado. Neste documento, disponível no site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, fica clara a preocupação dos produtores de colocar em risco os mercados interno e externo e comprometer a rentabilidade.

O setor produtivo gaúcho se diz favorável ao uso de tecnologias no campo, mas ressalta que foram levados em consideração dois fatos principais para a oposição ao LibertyLink: ainda não existe consumo corrente para o arroz transgênico no mercado global e as exportações são vitais para a sustentabilidade econômica do setor produtivo nacional.

O documento diz ainda que os produtores nortearam a decisão após seguidas consultas a agentes de mercado que atuam nas exportações e importações, além do diálogo mantido com pesquisadores, estudiosos e técnicos. Ficou comprovado que a maioria dos importadores exige o certificado de arroz não transgênico.

Marijane Lisboa ressalta o ineditismo da situação: "Pela primeira vez, nós temos no Brasil setores comerciais importantes se manifestando contra. O que não aconteceu nem no caso da soja nem do caso do milho".

A pesquisadora diz ainda que a decisão contrária, no entanto, é ligada exclusivamente a fatores comerciais. "Nunca tivemos restrições de ordem ambiental, as preocupações não se dirigem a esse aspecto. Quem levanta as preocupações de ordem ambiental, de saúde etc. são os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, também o de Desenvolvimento Agrário. Já as decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança se restringem apenas a questões genéticas."

Experiência americana teve incidentes
Experiência americana teve incidentes

Caso à parte

A Bayer informou que a semente LibertyLink já está aprovada na Austrália, nos Estados Unidos, na Rússia, no México, no Canadá e na Colômbia. "Mas, por sua própria decisão, a empresa não disponibilizou a tecnologia para o uso comercial em nenhum país porque busca a homologação do produto no maior número possível de países envolvidos com o comércio internacional do arroz."

Em abril último, a Justiça norte-americana decidiu que a Bayer terá que pagar 1,5 milhão de dólares a produtores do estado do Mississipi que tiveram as lavouras de arroz contaminadas pelas sementes geneticamente modificadas LibertyLink.

O arroz transgênico estava em teste nos Estados Unidos e os primeiros vestígios de que o grão teria infiltrado lavouras convencionais foram detectados em 2006. Os produtores alegaram perdas econômicas e processaram a Bayer, que em dezembro do ano passado já havia sido condenada a pagamento de multa numa primeira sentença. Há ainda outros três casos para serem julgados.

A direção alemã da empresa informou à Deutsche Welle que esse incidente não influenciou a retirada do processo junto à comissão brasileira que autoriza a comercialização, e que a Bayer sempre agiu com responsabilidade e de forma apropriada.

Mas o incidente norte-americano também ajudou os produtores do Brasil a tomar a decisão contrária à LiberyLink. Eles citam a retaliação da União Europeia e das Filipinas ao arroz dos EUA após a contaminação da produção com arroz transgênico.

"Mesmo assim, o produto foi exportado para um país da Europa, e por causa deste negócio os EUA perderam todo seu mercado, fato que provocou milhões de dólares de prejuízos nos mercados interno e externo. Prejuízo que os americanos tentam recuperar até os dias de hoje, gastando fortunas para controlar e garantir a produção livre de transgênico em todas as etapas do processo produtivo e industrial", diz o documento elaborado pelo presidente da Câmara Nacional do Arroz, Francisco Schardong.

Os brasileiros citam o alinhamento dos países do Mercosul, que também são exportadores e protegem a produção para que esta permaneça livre de transgênicos.

Chineses são os maiores produtores
Chineses são os maiores produtores

O mercado de arroz

A previsão para a safra brasileira de 2009/2010 é de 11,3 milhões de toneladas. O país deve ainda importar 950 mil toneladas e vender para o mercado externo 300 mil toneladas. Desde a criação do Mercosul, em 1991, os produtores brasileiros passaram a sofrer o impacto provocado pela importação de arroz dos países do bloco, que produzem menos, mas cujo produto chega mais barato ao mercado brasileiro.

Atualmente, a produção brasileira corresponde a apenas 1,8% da produção mundial – a China é a maior produtora do mundo, com a fatia de 29% do total, seguida pela Índia, com 21,5%.

Dois terços do arroz consumido na União Europeia são produzidos na própria região: Itália e Espanha são as maiores produtoras, seguidas por Bulgária, França, Grécia, Hungria e Portugal que, juntos, somam 2,5 milhões de toneladas anuais. O bloco importa principalmente da Tailândia, Índia e Paquistão.

Autora: Nádia Pontes

Revisão: Roselaine Wandscheer

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