quinta-feira, 24 de junho de 2010

PT tira com uma mão e devolve com outra

Do Valor

Maria Inês Nassif
24/06/2010

A formação de alianças nos Estados que obedeçam a lógica da disputa federal para a Presidência da República é um tropeço, mesmo para partidos como o PT, onde a última palavra tradicionalmente é a do colegiado nacional. Aliás, principalmente para o PT. E aliás, especialmente em Estados com péssima distribuição de renda; em locais com elites resistentes à modernização econômica e política e pouco propensas a reduzir a prática de lucrar com a pobreza, política e financeiramente, e abrir mão do que ganham com o domínio da máquina de governo local. Por isso o caso da aliança entre PT e PMDB no Maranhão foi tão injustamente desfavorável aos anti-sarneyzistas.

Conflito resolvido a meia-boca, a aliança entre o PT e o PMDB do Maranhão, para apoio à reeleição da governadora Roseana Sarney, é apenas a metade da missa. Rezada por inteiro, até o desfecho "ide em paz e o senhor vos acompanhe", a imposição é a reprodução, internamente, de um conflito com poderosos que no Maranhão data de sempre e desde os anos 50 tem um perdedor certo: quem está do lado oposto à família ao do atual presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). São vitórias eleitorais cujos ingredientes são a manipulação do eleitor pobre, a interdição de movimentos populares e uma inacreditável manutenção da miséria como exército de reserva eterno, imutável, que mantém o Maranhão como Estado pobre cujo produto de exportação mais importante é mão de obra não qualificada para o Pará, Estado que está longe de ser desenvolvido.

Para entender a dramaticidade dessa situação - que é o retrato da política tradicional dos rincões do país -, é preciso repassar a história da própria formação do PT nessas regiões. Na regiões Norte e Nordeste, a base petista foi, antes de tudo, formada nas comissões de base da Igreja católica progressista; nas pastorais que, durante a ditadura, davam algum abrigo à ameaçada mobilização sindical ou por reforma agrária; e pelos movimentos sociais. Essa é uma regra no país inteiro, mas o fato é que, quando mais pobre o Estado, menos chances de autonomia da luta política desses contingentes na política, na vida sindical e em movimentos sociais. Os abrigos naturais são os movimentos sociais e as bases da Igreja. Isto está longe, contudo, de ser uma realidade em que bolsões de miséria, munidos de consciência política e abrigados pela Igreja e por movimentos mais aguerridos, como o MST, lutam heroicamente contra coronéis e seus prepostos. Essa é uma realidade onde a elite manipula, persegue e controla boa parte da população - e ganha eleição com esse voto - e grupos de oposição, vinculados a bolsões de resistência popular, tentam vencer a barreira do domínio político pela exploração da fome e da miséria por essas elites.

A luta institucional, via PT, ainda exerce alguma proteção contra uma política tradicional que manipula Executivo, Legislativo e o Judiciário. Quando a orientação política da direção nacional era a de evitar alianças com os setores locais dominantes - o partido sempre se aliou a pequenos partidos de esquerda -, foram dos movimentos sociais e das bases da igreja progressista que emergiram candidatos para as listas partidárias do PT; e foram de lá que se elegeram representantes dos quais se exige estrita vinculação às sérias exigências de políticos protegidos pelo mandato para representar uma população que não está protegida - nem de governantes, nem de jagunços, nem de grileiros.

Nos Estados do Norte e do Nordeste, a "institucionalização" do PT, isto é, o grau de autonomia que seus representantes ganharam em relação a essas bases muito pobres, varia de acordo com o progresso de cada um desses Estados. O partido não foi de todo institucionalizado em comunidades muito pobres. Mas, mesmo nos lugares onde prevaleceu o poder tradicional, tipo o da família Sarney, ao longo da última década, os avanços conseguidos em função do Bolsa Família reduziu estupidamente a influência dos políticos tradicionais sobre as famílias pobres. O favor político foi substituído pelo cartão do Bolsa Família, que o banco resolve, sem a intermediação do dono da política local.

As exigências da direção nacional do PT, de coligação com o PMDB em Estados que ainda amargam condições de extrema pobreza, baixa escolaridade, economias altamente dependentes de donos do poder etc, bagunçam essa lógica. Se a desintermediação é feita via programas sociais de transferência de renda, e tira com uma mão o poder que o coronel tem via máquina de governo, devolve com a outra mão, quando, se não tira totalmente a autonomia desses setores contra os chefes locais, neutraliza o poder de ofensiva deles, ao dar apoio, no Estado, ao candidato que representa a elite que mantém a miséria.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras