17/6/2010, Ismael Hossein-zadeh, Asia Times Online – Traduzido por
Ismael Hossein-zadeh, autor de The Political Economy of US Militarism (Palgrave-Macmillan 2007), é professor de Economia na Drake University, Des Moines, Iowa.
Um ano depois de eleito em eleições furiosamente contestadas, o presidente Mahmud Ahmadinejad do Irã pisa hoje terreno político mais firme do que jamais antes, em todo seu mandato. Depois de enfrentar e derrotar incansáveis tentativas de golpes para desestabilizá-lo, coordenados de dentro e de fora do Irã, o governo de Ahmadinejad é hoje mais confiante em casa e muito mais respeitado além fronteiras.
Em escala mais ampla, a República Islâmica do Irã é hoje muito mais forte e mais estável – apesar da infatigável campanha de demonização contra Ahmadinejad e o Irã, pelas forças da dominação global e seus frustrados aliados.
Até no plano econômico, com todas as pressões por sanções, sabotagem política e guerra psicológica, o Irã parece ter sobrevivido à procela muito mais facilmente do que esperavam muitos. No Relatório de maio-2010 sobre o Irã, o FMI registra que o desemprego e a inflação, embora ainda altos, já entraram em curva de arrefecimento.
O relatório anota que “Nos dois últimos anos (...) a inflação manteve-se em 25,4 e 10,3% respectivamente; mas em 2010, pela primeira vez, a inflação não ultrapassará os 8,5%.” O FMI prevê também que as reservas iranianas em moeda estrangeira aumentarão em US$5 bi e “em 2010 alcançarão 88,5 bilhões de dólares”. A saudável acumulação de moeda estrangeira aparece em espantoso contraste com os cofres vazios e as dívidas internas gigantescas de vários países, em todo o mundo.
O Irã é exemplo excepcionalmente bem sucedido de programas para estender ao interior do país as redes de transporte, comunicação e energia elétrica; para assegurar saúde e educação gratuitos e universais para os mais pobres; e para efetivamente reduzir a pobreza e a desigualdade. Como já destaquei em outro artigo:
O Irã acumulou consideráveis progressos na pesquisa científica e em produção de know-how tecnológico. Nem as opressivas sanções econômicas impostas pelo imperialismo norte-americano e seus aliados impediram o Irã de dar andamento aos seus projetos de desenvolvimento e industrialização. De fato, as sanções e boicotes econômicos do imperialismo foram como bênçãos disfarçadas: exatamente porque houve sanções e boicotes, o país teve de tornar-se autossuficiente em várias áreas de tecnologia de ponta.
Por exemplo, o Irã é autossuficiente na produção de eletrodomésticos em geral (aparelhos de TV, lavadoras e secadoras, refrigeradores, máquinas de lavar louça e outros itens desse tipo), tecidos, produtos de couro, produtos farmacêuticos e agrícolas, alimentos processados, refrigerantes (também na produção de açúcar refinado e óleo vegetal). O país também avançou muito na produção de aço, produtos de cobre, papel, produtos de borracha, equipamentos de telecomunicações, cimento e maquinaria industrial. O Irã tem hoje o maior estoque de robôs para operação industrial de todo o Oeste da Ásia.
Particularmente impressionante é o progresso que o Irã obteve na produção de automóveis e veículos motorizados. Hoje, o Irã exporta veículos motorizados, inclusive tratores e máquinas agrícolas. (...) Outro campo em que se pode ver o avanço da produção tecnológica iraniana é a produção de inúmeros tipos de armas. A indústria de defesa do Irã deu passos gigantescos nos últimos 25 anos. Desde
Na arena internacional dos desafios geopolíticos e diplomáticos, também, o Irã marcou recentemente vários tentos importantes e ganhou importantes novos aliados. O recente acordo Irã-Brasil-Turquia sobre troca de combustível nuclear provou a boa intenção do Irã, que também aspira a reduzir as tensões internacionais; e também ajudou a demonstrar que os EUA e seus aliados não buscam qualquer via pacífica, o que ficou bem claro quando aqueles países ignoraram aquele importante acordo.
Assim também, a oposição dos EUA ao clamor internacional, que exige que Israel seja acusado e processado pelos crimes cometidos contra a Flotilha da Liberdade, expõe ainda mais claramente a atitude arrogante e unilateralista das políticas externas dos EUA e seus aliados. Essa exposição dá ainda mais legitimidade e credibilidade aos argumentos do Irã contra as provocações dos EUA. O Irã talvez seja o único país no Oriente Médio que comanda e determina suas políticas econômicas e militares, além dos encaminhamentos propriamente políticos, sem depender de conselheiros, ‘orientações’ e ordens de outras potências estrangeiras. Aí está uma independência que muitos povos e outros países da região (e em todo o mundo) aspiram a ter, sem ter ainda alcançado.
Ao mesmo tempo em que o prestígio político de Ahmadinejad, e o status geopolítico e econômico do Irã, parecem ter aumentado muito desde a reeleição em junho de
Mousavi, principal opositor de Ahmadinejad, também está marginalizado e viu evaporar-se a influência que tinha há um ano. As declarações políticas que vez ou outra aparecem em seu website, Kalemeh [2], são ridicularizadas, por banais ou ocas, e não só pelos que apoiam o governo ou o presidente Ahmadinejad, mas também por ex-apoiadores.
A desintegração do movimento “Verde” e o declínio do prestígio político daquelas figuras têm sido atribuídos à intervenção do governo, a qual, embora tenha acontecido várias vezes, não é o principal fator do processo que se vê hoje.
Para começar, o movimento “Verde” fez campanha presidencial desonesta, nada ética. O candidato, Mousavi, concorreu à presidência, mas recusou-se a submeter-se à vontade da maioria depois de conhecidos os resultados. Muitos analistas viram, naquela campanha, mais uma tentativa de golpe do que campanha eleitoral; ou, em termos mais precisos, uma tentativa de golpe por golpistas “midiáticos” e “internéticos” civis - que só por esse traço difere dos tradicionais golpes militares – muito mais do que campanha eleitoral democrática legítima.
Isso explica por que Mousavi declarou vitória antes mesmo de as eleições estarem encerradas. Também explica por que disse que as eleições teriam sido fraudadas, no momento em que teve certeza de que havia perdido nas urnas eleitorais.
Inicialmente, muitos iranianos acreditaram que Mousavi teria provas a apresentar de alguma fraude eleitoral, que justificariam suas declarações. Por isso, nos dias imediatamente depois das eleições, seguiram o comando de Mousavi e ocuparam as ruas, indignados. Adiante, quando se demonstrou que as notícias de fraude eleitoral eram notícias plantadas, muitos deixaram o barco de Mousavi, inclusive seus apoiadores de mais peso político. E o movimento “Verde” esvaziou-se.
O professor Mohammad Marandi da Universidade de Teerã destaca que quando Mousavi “efetivamente aceitou o apoio da mídia em idioma persa controlada pela oposição, apoiada pelo ocidente, muitos mais iranianos decepcionaram-se. Muitos até sentiram-se ofendidos. (...) Não há dúvida de que hoje há muita gente definitivamente zangada com o movimento “Verde” e com o papel que, naquela campanha, desempenharam vários governos ocidentais, que ofereceram apoio financeiro e outras modalidades de apoio. (...) Nenhum dos meus colegas de universidade que votaram em Mousavi voltariam a votar nele, depois do que já se sabe que ele fez depois das eleições. Não estou dizendo que tenham passado a apoiar o presidente Ahmadinejad, nem que Mousavi não tenha seguidores, mas só lhe restou, como base de apoio, uma pequena minoria.”[3]
Mousavi poderia ter salvado alguma dignidade se tivesse desculpado. Em vez disso, insistiu em desmentir todas as provas, e continuou a repetir que houvera fraude nas eleições, sem jamais provar coisa alguma. A favor da validade das eleições, houve relatório detalhado dos resultados eleitorais, e avaliações feitas e divulgadas por prestigiosas organizações de pesquisa, várias delas empresas norte-americanas, que comprovaram a autenticidade dos relatórios eleitorais oficiais.[4]
Mais do que ter conduzido campanha desonesta e de calúnias, Mousavi culpou o presidente Ahmadinejad por várias das dificuldades econômicas que o país enfrentava e por relações diplomáticas que seriam “caóticas”. Com isso, agiu como se não visse, ou como se lhe interessasse ocultar, as pressões terríveis que o Irã enfrenta – pressões econômicas, políticas e militares – impostas ao país pelos EUA e seus aliados, e que não começaram com o governo de Ahmadinejad, mas imediatamente depois da revolução de 1979, revolução que arrancou do poder o regime do Xá, protegido pelos EUA.
Mousavi chamou a diplomacia de Ahmadinejad de “aventurosa” e “confrontacional”[5]. Mousavi e seus assessores de campanha eleitoral culparam o governo de Ahmadinejad e o presidente, pessoalmente, por todas as pressões hostis, militares e econômicas que, de fato, sempre vieram de fora, muito mais do que de dentro, do Irã. Por isso, pregavam “compreensão” e “acomodação” com os EUA e seus aliados... Presumivelmente também com Israel, na esperança de que, por essa via, o Irã alcançaria estabilidade política e econômica.
Contudo, como já observei em artigo já citado aqui,
O imperialismo dos EUA mostrou sua mais violenta hostilidade contra o Irã durante a presidência de Muhammad Khatami (1997-2005) – o qual, sim, buscou vigorosamente uma via de amizade com os EUA. Enquanto Khatami promovia seu “diálogo de civilizações” e dava passos conciliatórios na direção dos EUA, inclusive plena cooperação para derrubar o regime dos Talibã no vizinhos Afeganistão... George W Bush inventou seu “eixo do mal” e lá meteu o Irã! Essa demonização ultrajante foi a partir dali usada como instrumento de propaganda para justificar o que já se chamava “mudança de regime” no Irã.[6]
Em face dos gestos conciliatórios de Khatami
De início, a campanha de Mousavi beneficiou-se da impressão de que promovia valores democráticos e liberdades individuais. Contudo, a alardeada defesa da democracia rapidamente mostrou-se falsa, ou sem substrato consistente, na exata medida em que Mousavi, acintosamente, desconsiderava o resultado de eleições em que a maioria dos eleitores já manifestara seu voto a favor de Ahmadinejad. Não bastasse isso, tornou-se muito evidente, também, que a agenda econômica neoliberal de Mousavi não passava de vagas declarações sobre liberdades individuais e direitos humanos que não incluíam qualquer atenção a direitos humanos básicos como comida e moradia, ou o direito a saúde e educação públicas de boa qualidade.
O discurso de Mousavi, sempre estreito, abstrato e muito visivelmente manipulado para finalidades de propaganda faz lembrar os dos líderes de outras revoluções ‘coloridas’ – por exemplo, o de Mikheil Saakashvili na Georgia e de Viktor Yushchenko na Ucrânia. Tivesse sido bem-sucedido em sua revolução “Verde”, as promessas de democracia, em pouco tempo, teriam sido desmascaradas, como a dos demais líderes ‘coloridos’ na Georgia e na Ucrânia – ambos derrubados do governo pelo povo georgiano e ucraniano.
Fator muito importante, que teve papel crucial no declínio do movimento “Verde”, foi seu caráter de classe, a incapacidade para atrair as massas médias e pobres e os trabalhadores em geral. Não é segredo para ninguém que os “Verdes” são majoritariamente, embora não exclusivamente, saídos dos círculos da elite rica e escolarizada da sociedade iraniana.
Mousavi obviamente sabe de tudo isso, quando fala da urgente necessidade de ampliar suas bases de apoio para além das classes média e alta. Mas interesses e alianças de classe não são coisas que se possam rearranjar facilmente, mediante simples manifestação de interesse ou rearranjo de palavras. De fato, essa ampliação não depende de Mousavi, pessoa. Os interesses reais e os traços de classe de seu movimento estão inscritos no caráter e na dinâmica de sua campanha e do movimento “Verde”.
Depois de viver 31 anos em atmosfera de revolução continuada, os iranianos nada têm de ingênuos e converteram-se em astutos analistas e observadores dos arranjos políticos. Não foi difícil para os iranianos reconhecer o tom de “amigo do mercado” e a natureza neoliberal da agenda econômica de Mousavi, a partir dos discursos da campanha eleitoral, quando Mousavi muito falava dos investimentos sociais em saúde e educação como “dispêndios” ou “gastos inúteis”, que descrevia como “desperdício de recursos para estimular a falta de empreendedorismo e a preguiça.”
A crítica que a sociedade iraniana construiu hoje contra Mousavi e outros arquitetos da revolução “Verde” não deve ser vista como defesa de Ahmadinejad, ou do governo iraniano em geral. Tampouco há aí qualquer resistência a considerar o contraditório e os discursos de oposição. De fato, a crítica que a sociedade iraniana construiu hoje – a partir do que aprendeu do movimento-golpe dos “Verdes” – é, isso sim, uma crítica contra todos os políticos oportunistas e mal-intencionados, de que os “Verdes” de Moussavi são bom exemplo; não é alguma crítica a uma determinada oposição, num certo momento.
É evidentemente verdade que criticar por princípios democráticos é indispensável ao progresso e ao aprimoramento da democracia. Também é óbvio que há muito o que criticar em Ahmadinejad e na República Islâmica,
Ao desrespeitar as urnas, e ao tentar a aventura ensandecida de tentar implantar como verdade a mentira de que as eleições haviam sido fraudadas, ao recorrer à violência e à provocação contra governo eleito, ao manter-se sempre distante dos movimentos de base iranianos, ao aceitar o apoio de políticos de reputação duvidosa e com interesses mais próximos dos EUA do que do Irã, e, principalmente, por ter tentado culpar Ahmadinejad pela violência da pressão imperialista-sionista contra o Irã, os “Verdes” perderam a credibilidade indispensável para quem quisesse vir a ser força de oposição construtiva. Sobretudo, é o currículo político, sem sabor ou brilho, que explica o fracasso do movimento “Verde”, no Irã.
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NOTAS
[1] Ismael Hossein-zadeh, "Reflecting on
[2] Ver, para conhecer, por exemplo, http://khordaad88.com/?p=1623, com matéria (em inglês) de 2/6/2010.
Interessante comparar a entrevista de Mousavi que lá se lê hoje, e a entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao jornal El País de Madrid, publicada no Brasil, traduzida, em Folha Online, 16/6/2010, em Nas duas entrevistas, o entrevistado fala como se tivesse algum tipo de direito "divino" ou de legitimidade "natural" – quando, de fato, nem votos têm! – para desqualificar governos e presidentes eleitos democraticamente.
Nos dois casos, há visível interesse em atacar a figura do presidente eleito: FHC e Moussavi não discutem propostas, ideias, projetos – que eles não têm; ambos atacam diretamente o presidente eleito.
Nos dois casos, vê-se o mesmo subjornalismo que desgraça os pobres de todo o planeta a fazer o sujo serviço de dar voz a esses discursos golpistas e de golpismos, de ex-presidentes ou candidatos já derrotados em eleições legítimas e, hoje, sem votos.
Quem precisa do ‘jornalismo’ dessa ‘mídia’ que, hoje, só existe para fazer campanha eleitoral antecipada e ilegal... disfarçada de jornalismo... e igualzinha, aliás, em todo o mundo?! (NT).
[3] Seyed Mohammad Marandi, “Green Movement Defeated” [Movimento Verde derrotado], inside IRAN.org, 15/2/2010.
[4] Para resultados desagregados, por estado, por cidade, por urna, ver dados do Ministério do Interior do Irã; para várias análises dos resultados eleitorais, ver, por exemplo: (1) "Analysis of Multiple Polls Finds Little Evidence Iranian Public Sees Government as Illegitimate," pesquisa extensiva cujo relatório foi publicado
[5] Mais um traço que aproxima, impressionantemente, os discursos dos golpistas “Verdes” de Mousavi em Teerã, ano passado e dos golpistas udenistas uspeanos sociólogos serristas... de São Paulo, em 2010! (NT).
[6] Ismael Hossein-zadeh, "Reflecting on