quarta-feira, 23 de junho de 2010

A FALSA HISTÓRIA NAS ESCOLAS MILITARES (II)



Publicada em: 23/06/2010

Recife (PE) - Mal refeito das ameaças de uma equilibrada senhora, que me desejou ver morto, enforcado e desempregado, de modo cumulativo e nessa ordem, me atrevi a escrever sobre a história ensinada nas Escolas Militares. Pra quê? Veio uma tempestade. E de tal forma, que melhor seria nem retornar ao assunto. Fazer-me de morto, já que assim me desejam. Mas não antecipemos a natureza. Em nome até da educação, devo responder aos oficiais ex-alunos que me escreveram. Neste pequeno espaço não cabem todas as suas mensagens, mas prometo me esforçar pra ser honesto e sereno.

O tom geral foi uma defesa fundamentalista, religiosa, como o deste email de um major do Exército, como se identificou. Copio um trecho:

“Graças ao bom Deus que ainda existe o ensino nos Colégios Militares, pois é por meio do mesmo que são formados os alunos que ainda pensam nas Universidades do Brasil. Os livros adotados nos Colégios Militares são os editados pela Biblioteca do Exército, pois os que circulam por aí, nas livrarias nacionais, tem um padrão abaixo do aceitável e estão completamente distorcidos quanto ao seu conteúdo. Muitos inclusive, trazem matérias onde, por incrível que pareça, dizem que os comunistas lutavam pela democracia no Brasil contra a ditadura militar...”.

Sem entrar no mérito de uma democracia que preserva a desigualdade entre os homens, notem que para o senhor oficial:

a) os jovens brasileiros que não se formaram no Colégio Militar não pensam;

b) a história vivida e produzida por intelectuais e doutores das universidades brasileiras não serve para o ensino militar. Não seria mais simples ele proclamar, como o general fascista na Espanha, morte à inteligência?

Outro escreveu:

“Quanta asneira escreveu esse senhor Uraniano Mota... Há um clamor cidadão sim, mas contra a desqualidade do ensino nos colégios públicos. Infelizmente nos estabelecimentos de ensino não exploram os atos terroristas praticados pelos \"justiceiros\" da VAR-Palmares, por exemplo, entre outros grupos terroristas daquele tempo”.

Melhor nem comentar. Asno não comenta.

Já este aqui levanta questões dignas de melhor exame. Mas sua mensagem é tão extensa, que me sinto obrigado a violentar seu corpo, de modo simbólico, bem diferente do que um dia fizeram com David Capistrano:

“Os bandeirantes adentraram nossos sertões com sacrifícios imensos de seus guias, índios, escravos, famílias bem intencionadas, capitães-do-mato mercenários, prostitutas, pestilentos, e foram arrastando as fronteiras para além das Tordesilhas, descobrindo riquezas e destruindo culturas e religiões... a Guerra do Paraguai reuniu milhares e milhares de brasileiros de todas, insisto: todas!, as regiões do país, criando um espírito de integração nacional...No Brasil dos anos 60 e 70, quantos foram mortos? Ninguém sabe, mas a ONG “Brasil Nunca Mais” imagina 144. Cidadão comuns, trabalhadores de Havana ou da Sibéria em busca de sua felicidade?”

Viva a sua franqueza e síntese, porque aí está o pensamento ensinado a nossos futuros oficiais. Esta é a história do expurgo da opressão e de crimes: o genocídio de índios apagado pelo sacrifício dos bandeirantes; a Guerra do Paraguai que integrava todos os brasileiros, enquanto destruía o povo paraguaio, e unia até os escravos nacionais, que morreram nas frentes com a promessa da liberdade; e, principalmente, os “apenas” 144 mortos da ditadura, que almejavam uma felicidade de bandidos. Será mesmo assim?

Sou testemunha da tentativa de apagar as imagens de Gregório Bezerra em Pernambuco. O seu brutal espancamento nas ruas, arrastado por cordas, sumiu. As fotos e filme dele moído a ferro na cabeça se escondem na TV Jornal do Commercio. Com acesso negado ao público. As provas do crime somem para vencer a versão de uma história sem dor, sem trauma e sem classes.

E assim se formam novos oficiais, como se fossem a encarnação do Fantasma das histórias em quadrinhos. De geração a geração com o mesmo caráter, com o mesmo papel, a cavalgar em um cavalo branco pelo vazio histórico. De 1964 a 2010, apesar de a guerra fria ter acabado, apesar de um índio ter subido à presidência da Bolívia, apesar de um operário ter se tornado o presidente do Brasil mais popular em todo o mundo, tudo continua como antes no quartel de Abrantes. Igual aos tempos de Castelo Branco, Médici e Lyndon Johnson.

Houve ainda, é claro, outras mensagens, como a do escritor Luiz de Almeida, que confortam a gente. Mas o tom geral foi o copiado entre aspas acima. E foram mensagens de um conteúdo tão agressivo, que não posso fechar o artigo sem a transcrição de uma publicada na web, em uma comunidade de nome Exército Brasileiro.

Ao se referir ao colunista, assim falou um bravo:

“Tem é que colocar esse “bizonho” pra pagar “CANGURU”. Até a morte...”.



subtraído do Direto da Redação