quarta-feira, 31 de julho de 2013

Pepe Escobar: “Manning, condenado; criminosos de guerra, à solta”

31/7/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times OnlineThe Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Julgamento de Bradley Manning
Em tribunal espetaculoso, julgamento-show com pitadinha de EUA, digno da Revolução Cultural da China nos anos 1960s, Bradley Manning foi declarado culpado, como já se previa, de inúmeras violações da Lei Antiespionagem [orig. Espionage Act].

Se, pelo menos, Walter Benjamin estivesse vivo para ver o Anjo da História, mais uma vez, lançar outro de seus raios marca-registrada de ironia: Manning foi declarado culpado em crime de espionagem – por juiza do Pentágono – na porta ao lado da Central de Espionagem, o quartel general da Agência Nacional de Segurança dos EUA, em Fort Meade, Maryland.

A promotoria, aplicando toda a vasta força do governo dos EUA, declarou Manning “traidor” – não soldado-sentinela tocador de apito [orig. whistleblower]. Manning de fato traiu a doutrina da Dominação de Pleno Espectro do Pentágono – ao detalhar para o mundo o modo como o complexo imperial-industrial-militar-de-vigilância assassina civis impunemente (como se vê no vídeo “Collateral Murder” logo abaixo); como as guerras imperiais no Afeganistão e no Iraque foram (mal)conduzidas; o que acontece dentro do Gulag em Guantánamo; e como o Departamento de Estado manda e desmanda nas satrapias dos EUA.



Manning traiu os Senhores Imperiais do Universo e, dado que não se trata de filme arrasa-quarteirões dos Clássicos Marvel, Manning teria de ser detonado.

A imprensa-empresa norte-americana excedeu todos os limites do razoável e do bom-senso são, enfatizando uma narrativa “equilibrada” – como benevolência imperial – porque Manning não foi declarado culpado de colaborar com o inimigo. Segundo a lógica circular do governo dos EUA, martelada sempre e sempre, sem parar, durante todo o tribunal-show, publicar informação sensível na Internet significa espionagem (e Manning foi declarado culpado nesse crime).

Bradley Manning 
Assim, se o inimigo encontra essa informação na internet... você ajudou o inimigo. Manning ter sido declarado inocente no crime de colaborar com o inimigo, mas ter sido declarado culpado de praticamente todos os demais crimes pensáveis e imagináveis implica uma mensagem apavorante, que se traduziu em décadas de prisão em cadeia militar, que avançará, provavelmente, até o século 22. Como se 11 meses de prisão em cela solitária – quase sempre nu e impedido de dormir – num espaço de 2m x 4m, sem janelas, em Quantico, Virginia, já não fosse suficiente tortura. Ah, sim... Os EUA não torturam.

Al-Qaeda vence em todos os fronts

O governo dos EUA não se deteve ante nenhum tipo de barreira ou impedimento, para provar que Manning ajudara a al-Qaeda. Mas a realidade – não fatos mentirosos de jornal – mostram que quem realmente ajudou e tornou possível a al-Qaeda foi o governo dos EUA.

Com “Choque e Pavor” e a invasão, com ocupação e destruição do tecido social do Iraque, George W Bush, Dick Cheney e mafiosos aliados entregaram uma nova base à al-Qaeda, numa bandeja (ensanguentada).

Abu Musab
al-Zarqawi
Primeiro, foi a al-Qaeda no Iraque, dirigida pelo psicopata-monstro Abu Musab al-Zarqawi. Depois, alguém teria de dar-lhes combate; foi a vez da “avançada” de Petraeus, constituída de malas e malas cheias de dinheiro para os xeiques tribais sunitas, os quais, até então, lutavam contra os norte-americanos. Os xeiques passaram a mão nas malas de dinheiro e deram tempo ao tempo: a al-Qaeda dissolveu-se e agora, já reagrupada, está de volta a pleno vapor.

E estamos hoje nesse ponto. Na 2ª-feira (29/7/2013), o Estado Islâmico do Iraque e do Levante – braço local da al-Qaeda – matou pelo menos 60 pessoas em 17 atentados à bomba em todo o Iraque. Os alvos “cuidadosamente selecionados” eram todos xiitas. Mais de 4 mil pessoas – a maioria das quais civis – foram assassinadas desde o início de 2013, mais de 900 só no mês de julho. O Ministério do Interior em Bagdá descreve corretamente os “eventos” como “guerra aberta” desencadeada por jihadistas sectários.

O ponto chave é por que o Império não pode condenar esse horror. Do ponto de vista dos interesses de Washington, um Iraque fraco, ensanguentado, dividido por linhas sectárias é tão útil quanto uma Síria fraca, ensanguentada, dividida por linha sectárias; o que abre o caminho para uma possível (dupla) balkanização – sonho molhado nada-secreto de facções imperiais desde o primeiro governo Bush.

Mesmo sem (ou antes) da balkanização, Washington não quer governo xiita em Bagdá; como tampouco quer governo liderado por alawitas em Damasco: tudo sempre reverte à suprema paranoia eterna de cortar todos os laços com Teerã. Assim sendo... por que não deixar que os jihadistas façam a maior parte do serviço sujo?

Abu Bakr
al-Baghdadi
Porta-voz jihadista chegou a dizer que a chamada ofensiva “Derrubar os muros”, lançada há um ano por Abu Bakr al-Baghdadi, líder do braço iraquiano, teria chegado ao fim, depois da grande fuga de prisioneiros em Abu Ghraib. Agora, seria a vez da “Colheita de Soldados” – com alistamento de número ainda maior de jihadis, para uma Guerra Santa contra Bagdá.

Obviamente, essa nova onda de fanáticos cruzará a (inexistente) fronteira do deserto, da atual Central Jihad na Síria, onde mercenários de pelo menos 60 países já obram para criar o inferno entre os civis sírios, via as [milícias] Jabhat al-Nusra e Ansar al-Khalifa na Síria ligadas à al-Qaeda.

A mais recente atividade deles aconteceu em Khan al-Assal, na província de Aleppo. Massacraram 150 pessoas, a maioria das quais civis – muitos executados com um tiro na cabeça e depois mutilados e incinerados. Em meados de junho, em Hatlah, na província de Deir al-Zour no leste, mataram mais de 60 aldeões, a maioria dos quais xiitas, entre os quais mulheres e crianças.

Exatamente como no Iraque, nenhum desses massacres foi condenado pelos EUA ou por aquele punhadinho de poodles conhecidos como “a comunidade internacional”. Além do mais, para a imprensa-empresa ocidental de repetição, tratar-se-ia de “rebeldes” em luta contra “um ditador do mal”, em nome da “democracia”. A Casa de Saud anda ocupadíssima promovendo “a democracia”, razão pela qual comprou pelo menos US$50 milhões em armamento pesado israelense, para entregar às suas próprias facções: mas jihadistas mais experientes com certeza logo porão as garras no tal armamento. E estão para chegar mais armas & armas (só para os rebeldes “do bem”), cortesia da CIA.

Em resumo: quem, afinal, está ajudando o inimigo? O governo dos EUA destruiu o Iraque e deu nova e longa vida à al-Qaeda. O governo dos EUA está reforçando e dando nova e longa vida à al-Qaeda na Síria. Manning talvez morra na cadeia. Enquanto isso, Dábliu [Bush], Cheney, Rummy, Wolfie – todos criminosos de guerra comprovados – permanecem à solta. Se o karma se aplica, talvez o Anjo da História consiga para eles alguma subencarnação em algum reino da sub-zoologia.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes The Real News Network TV e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros

terça-feira, 30 de julho de 2013

Bradley Manning pode pegar 136 anos de prisão

Embora inocentado da acusação de “colaborar com o inimigo”, o soldado que entregou ao WikiLeaks documentos secretos de crimes de guerra cometidos pelos EUA pode passar a vida inteira dentro de uma cela

Enviado por [*] Baby Siqueira Abrão – jornalista brasileira, correspondente para o Oriente Médio

Bradley Manning
O soldado Bradley Manning foi considerado inocente da acusação de “ajuda ao inimigo”, a mais séria do processo movido contra ele, por ter repassado ao WikiLeaks, em 2010 – Manning confessou isso em juízo – cerca de 470 mil documentos relacionados às guerras do Iraque e do Afeganistão, além de 250 mil mensagens diplomáticas e outros materiais do Departamento de Estado dos Estados Unidos, incluindo vários vídeos dos campos de batalha. Todos contêm provas de crimes de guerra e crimes contra a Lei Humanitária cometidos pelo exército estadunidense, e chocaram o mundo quando publicados.

Caso o tribunal o tivesse julgado colaborador de inimigos, Manning seria condenado à prisão perpétua. Mas a condenação pela violação de vários artigos da Lei de Espionagem dos Estados Unidos, que foi mantida, não muda muito a situação: pode levá-lo a uma sentença de 136 anos de prisão.

Denise Lind
O veredito foi anunciado hoje de manhã pela coronel Denise Lind, juíza do tribunal militar de Fort Mead. Ela também determinou que Manning deixe o confinamento em cela solitária, onde vem sendo mantido desde sua detenção. Olhar atento e fixo na juíza, Bradley Manning ouviu a sentença com resignação, enquanto fora do tribunal ativistas carregavam cartazes que pediam sua libertação.

A leitura do veredito espalhou revolta no mundo inteiro. As redes sociais encheram-se de reclamações de cidadãos indignados. No Twitter, o pessoal do WikiLeaks protestou, dizendo que o veredito reflete “um extremismo perigoso da parte do governo Obama”. Afirmou também que a condenação por infringir a Lei de Espionagem é “um precedente muito sério”, que pode ser usado contra aqueles que fornecem informações à mídia e aos que publicam as notícias. Todos podem ser enquadrados nos mesmos crimes, o que trará consequências graves à liberdade de expressão.

Widney Brown
Órgãos como Associação por Liberdades Civis (ACLU) e Centro por Direitos Constitucionais (CCR), dos Estados Unidos, e Anistia Internacional, condenaram a sentença. Widney Brown, diretor sênior de direito internacional da Anistia, foi direto ao ponto: “As prioridades do governo estão de ponta-cabeça. Recusou-se a investigar as alegações plausíveis de tortura e de outros crimes que violam o direito internacional, apesar das esmagadoras evidências. Em lugar disso, decidiu processar Manning, que pensava fazer a coisa certa: revelar provas do comportamento ilegal do governo”. Brown lembrou que os atos cometidos pelo exército dos Estados Unidos no Oriente Médio são proibidos também pela Constituição daquele país. Para ele, o processo contra Manning foi montado para enviar uma mensagem clara a adversários: “O governo dos Estados Unidos irá persegui-lo sem descanso se você pensar em revelar provas das operações ilegais que ele promove”.

Ben Wizner
Ben Wizner, diretor do Projeto Expressão, Privacidade e Tecnologia da ACLU declarou que há muito a entidade considera o vazamento de informações de interesse público um ato que não deve ser julgado com base na Lei de Espionagem. “Uma vez que Manning já foi penalizado pelo vazamento de informações – o que significa uma punição significativa – parece claro que o governo procura intimidar todos aqueles que possam pensar, no futuro, em revelar informação valiosa”, postou ele no site da associação.

O combativo CCR, que representa o WikiLeaks e Julian Assange nos Estados Unidos, questionou a própria Lei da Espionagem, “uma relíquia desacreditada” da época da Primeira Guerra Mundial, “criada para suprimir a discordância política e o ativismo antiguerra, e é ultrajante, em primeiro lugar, que o governo tenha escolhido evocá-la contra Manning”. E acrescentou: “Vivemos agora num país onde alguém que expõe crimes de guerra pode ser sentenciado a toda uma vida [na prisão] ... ao passo que os responsáveis por esses crimes permanecem livres. (...) O tratamento dado a Manning [ele foi barbaramente torturado], o processo e a sentença têm um propósito: silenciar potenciais denunciantes e [silenciar também] a mídia”.

O julgamento recomeça amanhã (31/7/2013), às 9h30 (horário estadunidense). Então se saberá a pena que Manning será obrigado a cumprir por ter acreditado que os direitos humanos e a justiça estão acima dos atos ilegais cometidos por governos.


[*] Baby Siqueira Abrão é jornalista, tradutora, escritora e pós-graduada em filosofia, é correspondente dos veículos Brasil de Fato e Carta Maior no Oriente Médio, além de ativista por direitos humanos e justiça social. É autora de dois livros sobre história da filosofia, para as editoras Moderna e Ática. Eventualmente colabora com a redecastorphoto.

Golpe no Egito: “No Cairo, lendo Marx”

29/7/2013, Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O gigante pressupõe o anão. Cesar, o herói, deixou atrás de si um Otaviano... (Karl Marx)

Kaveh L. Afrasiabi
Quando o novo homem forte do Egito, general Abdel Fattah al-Sisi, convocou seus apoiadores para que manifestassem sua solidariedade ao Exército na 6ª-feira (26/7), 57º aniversário da nacionalização do Canal de Suez, ato do carismático Gamal Abdel Nasser, minha reação instintiva foi correr à prateleira, para reler O 18 de Brumário de Luis Bonaparte, de Karl Marx, em homenagem à analogia histórica. 

No livro de Marx, tem-se um modelo de análise de repetições históricas (a segunda vez, como farsa), que surge da comparação entre o golpe na França em dezembro de 1851 (orquestrado por um sobrinho do grande Napoleão, e o qual, embora sem ter nem uma mínima fração do gênio do tio, se autodenominou Imperador Napoleão III). Do ponto de vista de Marx, o golpe de 1851 foi uma caricatura do golpe de Napoleão em 1799 – devida, sobretudo, à “grotesca mediocridade” do sobrinho.

Abdel Fattah al-Sisi, o neopinochet 
Na comparação, o general Sisi, cujos atiradores assassinaram a sangue frio dúzias de manifestantes no Cairo e em outras cidades naquela 6ª-feira (26/7/2013), não chega a ser nem cópia pálida do Nasser pan-arabista, que pôs fim a 72 anos de dominação britânica no Egito e, assim, se tornou herói do anticolonialismo pós-Segunda Guerra Mundial. Sisi, não. Sisi mostra-se, a cada dia, mais e mais parecido com um neo-Augusto Pinochet, em tudo semelhante ao que Friedrich Engels, camarada de Marx, escreveu de Napoleão III: “o sargentinho e seu bando de marechais”.

Mohamed Mursi
Desde a derrubada do presidente Mohamed Mursi, dia 3 de julho, Sisi, o novo imperador do Egito, vem decaindo pela trilha dos ditadores mais brutais, mostrando pouca ou nenhuma piedade ou respeito pelos adversários, pronunciando discursos sombrios sobre “enfrentar o terrorismo”, desculpa capenga para disparar sem qualquer limite o seu reinado de terror, contra as vastas porções da população que se opõem ao golpe militar.

Por ironia, Sisi quer vencer em todas as frentes e a qualquer custo: quer obter a legitimidade, associando-se ao orgulhoso legado de Nasser, ao mesmo tempo em que ataca o presidente Mursi, deposto por fazer precisamente o que Nasser fez em meados dos anos 1950s: promulgar uma nova Constituição que centralizava o poder monopolizado, em suas mãos autoritárias.

Já não há dúvida alguma de que Sisi e seus co-conspiradores calcularam mal a extensão da oposição popular ao golpe contra Mursi – tacitamente aprovado por Washington, como se comprovou no empenho do presidente Obama dos EUA para não chamar o golpe, de “golpe”; no não tomar nenhuma providência para impedir o golpe; e no movimento de, sem um segundo de hesitação, anunciar que não haveria qualquer interrupção na ajuda militar e na venda de armas ao Egito.

Pseudo Nasser”

John Kerry
“Nenhuma lei nos obriga a dizer golpe ou qualquer outra coisa” – disse um porta-voz do governo dos EUA, frase dúbia e posição duvidosa que zombam da lei norte-americana e da responsabilidade legal e ética dos EUA. A lei norte-americana muito claramente proíbe que países vítimas de golpes de Estado recebam ajuda humanitária e inventar exceções a essa regra é desenvolvimento doentio que não augura qualquer boa notícia para o futuro das relações entre EUA e mundo árabe. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que não se deu sequer o trabalho de dar um telefonema aos generais egípcios integrados à lista de pagamento do Departamento de Estado, para desestimulá-los de insistirem no golpe que estava em curso, vive agora a gemer que o Egito está “à beira do abismo” e suplicando que todos os partidos retrocedam.

O que se vê aí é diplomacia de má qualidade, diplomacia inepta, orientada pelo velho vício imperial de controle e dominação, que já não oferecia qualquer garantia a partir do momento em que as urnas levaram Mursi e sua Fraternidade Muçulmana ao poder. Não surpreende que a desculpa que mais se ouve, para justificar o golpe, seja a “estabilidade” num país geoestrategicamente importante. De fato, o que se tem aí é o reflexo da velha húbris imperial, que errou seus cálculos e avaliou mal o desejo popular e a rejeição a qualquer golpe, também entre egípcios que pouco têm a ver com a Fraternidade Muçulmana. Resultado disso, a coalizão chefiada pela Fraternidade contra o golpe vai-se tornando mais forte a cada dia – como reação vital direta à repressão brutal que Sisi desencadeou e comanda. Falta a Sisi o horizonte intelectual dos nasseristas, que agiram segundo uma dialética interna da história egípcia.

Esse pseudo-Nasser, consumido integralmente pelos inimigos internos, opera como força de desagregação social, de desunião e discórdia, assegurando o resultado mais catastrófico. As forças seculares nacionalistas e liberais que o apóiam condenam-se a perder a própria legitimidade apenas por se aproximarem dos golpistas e desse neo-pinochet do Cairo, cujo discurso a favor da “unidade nacional” jaz afogado no fundo do Nilo. Ainda não se sabe o que o futuro reserva ao Egito, mas o lugar do general Sisi na lista dos líderes de farsa da narrativa que Marx construiu já está selado. “Caussidière por Danton, Louis Blanc por Robespierre, a Montanha de 1848 a 1851 pela Montanha de 1793 a 1795, o sobrinho pelo tio” – Marx escreveu; e a mesma caricatura aplica-se nas circunstâncias dessa recente edição de mal disfarçada neoditadura militar no Egito.


O país vai bem, mas a MÍDIA vai mal

[*] Raul Longo

MILICANALHAS
Nos anos 70 o então ditador Gen. Emílio Garrastazu Médici, compôs sua mais famosa frase: “O país vai bem, mas o povo vai mal”.

Ao exemplo da de outro ditador imposto pelas armas que sustentavam aquele regime, o Gen. João Batista Figueiredo que afirmou preferir “... o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”, a frase de Médici se tornou famosa pela impropriedade de raciocínio a quem pretende governar uma nação.

Estupidez é algo que sempre obtêm grande repercussão no Brasil e Médici se notabilizou como tal por esta absurda afirmação. Quem mais concluiria ser possível um país ir bem se o seu povo vai mal, além de um general brasileiro dos tempos da ditadura militar?

Só mesmo um jornalista como Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, que para comentar das manifestações de junho inverteu a idiotice proferida pelo general, demonstrando que nesta frase a ordem das assertivas não disfarça a estupidez de quem a profere, pois quem além de Rossi poderia afirmar que “O povo vai bem, mas o país vai mal”?

O que é um país para Clóvis Rossi ou para Garrastazu Médici? Como pode um povo ir bem, se o país vai mal, ou vice-versa?

Médici
Garrastazu Médici também dizia que se sentia feliz por não ver, na época, o Brasil incluído nos noticiários sobre os problemas mundiais. Outra estupidez grosseira, pois enquanto os patrões da Folha de São Paulo do Clóvis Rossi emprestavam veículos da empresa para a repressão política do governo de Médici, aqueles mesmos repressores “suicidavam” todo jornalista que ousasse noticiar a realidade brasileira, importunando as fantasias do ditador. Como aconteceu com Vlado Herzog.

O país não ia bem coisa alguma. O “Milagre Brasileiro” decantado pela grande mídia da época logo se confirmou o que nunca deixou de ser: “O Inferno Brasileiro” que levou a vida de milhares de jovens e trabalhadores, enterrou a nação em dívidas externas e promoveu um dos maiores índices mundiais em pobreza e miséria.

Um país só vai bem quando seu povo vai bem. Se o povo vai bem, evolução de serviços prestados à população, da infraestrutura para melhorar a qualidade de vida, o combate a corrupção e demais reajustes para permanente desenvolvimento social, inclusive os políticos, serão consequências da maturidade nacional como um todo: povo e país.

A melhoria no atendimento à saúde da população já era uma providência anterior às manifestações que apenas a legitimaram, derrubando a obstrução da contratação de médicos estrangeiros proposta pelo governo porque o Brasil vai bem. Se o país vai bem é possível ao governo estender e aperfeiçoar o atendimento de saúde a todo o povo brasileiro, mesmo àqueles que não se enquadram nos interesses da categoria formada aqui no Brasil. É o que ocorre com o Reino Unido. Se a crise europeia perdurar e se aprofundar, o governo britânico não poderá mais manter os 40% de estrangeiros que compõem seu corpo médico. Se a Inglaterra for mal, ingleses e irlandeses do norte também irão mal.

E se o atendimento à saúde do brasileiro não melhora, é porque certos políticos se portam mal tornando cada proposta em benefício da saúde da população uma contenda congressual.

O radical projeto do governo para o combate à corrupção, criminalizando-a ao nível de homicídio por motivos fúteis ou estupro, foi formulado há dois anos exatamente porque o Brasil está bem e a compreensão do brasileiro sobre o problema melhorou muito desde o tempo em que corruptos eram eleitos sob o cínico e falso axioma do “rouba, mas faz”. Se nenhum corrupto foi condenado por prática de crime hediondo, é porque no congresso maus políticos sentaram em cima do projeto do governo.

Esses mesmos políticos são os que agora impedem o plebiscito proposto pela Presidenta. Não querem o plebiscito para não permitir que o povo seja conscientizado de que só o financiamento público de campanha eleitoral evitará maiores prejuízos à população e ao país que resultam na ausência de evolução da infraestrutura, na degradação dos serviços prestados à sociedade.

Por exemplo, no que se refere à mobilidade urbana. Para se descobrir porque não se expande e não moderniza, não apresenta novas e melhores opções, bastaria se conhecer o quanto os monopólios de empresas de transporte coletivo investem nas campanhas municipais, atrelando os prefeitos eleitos aos seus interesses em detrimento aos dos eleitores.

E os grupos políticos que impedem profundas e sensíveis melhorias no cotidiano do brasileiro, que se esforçam para que o povo vá mal e com isso o país ir mal para tornar a se locupletar entregando os potenciais nacionais pelo comissionamento dos interesses estrangeiros, são exatamente os apoiados pela mídia.


Apoiados pela Editora Abril, pelos veículos da Editora Globo e emissoras da Rede Globo, pelo jornal O Estado de São de Paulo e pelo jornal Folha de São Paulo para o qual escreve Clóvis Rossi. São apoiados por toda a grande mídia brasileira associada ou afiliada a estas empresas que, com a melhoria da situação do país e do povo na última década, vão mal. Muito mal.

Tão mal que já começam a sonegar importâncias milionárias em impostos. Milionárias? Somando-se as da Rede Globo e de sua afilhada RBS a dívida aos cofres públicos alcança volume bilionário com o qual se poderia investir em melhorias na infraestrutura do sistema de atendimento à saúde, ou no transporte e na mobilidade urbana, em efetivos da Polícia Federal para combater a corrupção e muito mais do que a vã e fútil cogitação do Clóvis Rossi e dos manifestantes de junho possam imaginar.

Eduardo
Guimarães
Mas se o país vai bem porque o povo vai bem e vice-versa, por que as gigantescas manifestações de junho?

Quem responde com muita propriedade, “mostrando a cobra e matando o pau”, é o empresário Eduardo Guimarães. Leia-se atentamente o que ele escreveu para entender porque esses manifestantes, em grande maioria com idade por volta de 20 anos e sem possibilidade de memória de quando país e povo iam mal antes de terem completado 10 de existência, tomaram as ruas dos grandes centros do Brasil.

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[*] Raul Longo - Nascido em 1951 na cidade de São Paulo, atuou como redator publicitário e jornalista nas seguintes capitais brasileiras: São Paulo, Salvador, Recife, Campo Grande e Rio de Janeiro, também realizando eventos culturais e sociais como a “Mostra de Arte Sulmatogrossense”, (Circulo Cultural Miguel de Cervantes/SP), “Mostra de Arte Latinoamericana” (Centro Cultural Vergueiro/SP) e o Seminário Indigenista (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/CG). Premiado em concursos literários nacionais promovidos pelo Unibanco, Rede Globo e Editora Abril; pelo Circulo Cultural Miguel de Cervantes; e pelo governo do Estado do Paraná. Publicou Filhos de Olorum – Contos e cantos de candomblé pela Cooeditora de Curitiba, e poemas escritos durante estada no Chile: A cabeça de Pinochet, pela Editora Metrópolis de São Paulo. Obteve montagem de duas obras teatrais: Samba/Jazz of Gafifa, no teatro Glauce Rocha da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande; e Graças & glórias nacionais, no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo. Atualmente reside em Florianópolis, Santa Catarina.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

“Rouhanimania”: o Irã captura a atenção do mundo

29/7/2013, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Hassan Rouhani, presidente eleito do Irã
A troca de comando em Teerã, semana que vem, obriga a ver o Irã como o que realmente é naquele volátil Oriente Médio  – um oásis de estabilidade. O que torna possível a troca de comando é a legitimidade política do regime iraniano e sua substancial base social, apesar do inevitável desgaste que lhe advenha depois de décadas no poder.

Mahmoud
Ahmadinejad
Sabemos assim que o presidente Mahmoud Ahmedinejad voltará à sua profissão original, como professor universitárioQuanto a isso, nenhum problema. A ironia é que a nova universidade propõe nova especialização, em engenharia nuclear, decisão que, evidentemente, foi aprovada pelo Líder Supremo, Ali Khamenei.

O presidente eleito, Hassan Rouhani está organizando seu gabinete e já praticamente não há dúvida de que trará de volta Bijan Zanganeh – o velho bruxo, ex-ministro do todo poderoso ministério do petróleo – para comandar os negócios novamente – antecipando, presumivelmente, que a indústria precisa ser modernizada, tecnologicamente atualizada, esperemos que com tecnologia e investimentos ocidentais, de modo que o Irã possa afinal emergir como grande exportador, esperemos, para o mercado ocidental.

Ali Akbar
Hashemi Rafsanjani
Evidentemente se vê a mão de Rafsanjani na reconvocação de Zanganeh? Sim, sim, sem dúvida. A palavra “pragmatismo” está em todos os lábios, o que explica o alto grau de interesse entre os países regionais, todos interessados em comparecer à cerimônia de posse, semana que vem. Representantes de 40 países já confirmaram presença, mas todos os olhos estão postos em Riad, tentando adivinhar quem representará o reino na posse, em Teerã – mas o jornal Asharq Al-Awsat mantém o suspense.

Enquanto isso, no ocidente, o debate continua. Em termos gerais, pode-se dizer que já emergiram três linhas de pensamento – além das previsões catastrofistas de Israel, segundo as quais Rouhani seria “lobo em pele de cordeiro” (que ninguém está levando a sério).

Há um consenso geral segundo o qual o evento Rouhani é evento positivo. As surpreendentes revelações, pelo ex-embaixador da França em Teerã, Francois Nicoulland, segundo o qual o currículo de Rouhani como negociador nuclear iraniano destaca seus talentos e, simultaneamente, descortina amplas possibilidades para as próximas semanas, no front diplomático.

Bijan Zanganeh
O timing do artigo do New York Times é fascinante. Pode-se praticamente garantir que o governo Obama conhece o conteúdo das revelações trazidas à luz por Nicoulland.

Mesmo assim, persistem os Santos Tomás da dúvida nos think-tanks norte-americanos que insistem que Rouhani não merece(ria) “confiança” – signifique o que significar, porque diplomatas não costumam “confiar” cegamente em ninguém. Andam claramente infelizes, agora que o governo Obama começa a “engajar” o Irã. Mas essa linhagem de formadores de opinião está perdendo prestígio. Começam a ser vistos como “o time B” de Israel.

Chama a atenção quanto a isso que até o Financial Times, que jamais foi amigo do Irã, já tenha publicado editorial audacioso, introduzindo a ideia de que o Ocidente terá de usar a imaginação, em vez de continuar a provocar o Irã; que terá de ser racional e conciliatório nas negociações passo a passo (ideia já proposta, de fato, por Moscou). E o Financial Times reflete o pensamento dominante em Londres e Washington.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

domingo, 28 de julho de 2013

O Globo: “Mentira grosseira para desviar atenção”



Publicado em 28/07/2013 por [*]  Mário Augusto Jakobskind

Enquanto o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, reconhecia a responsabilidade do Estado por violações dos direitos humanos e infrações ao Direito Internacional Humanitário no prolongado conflito armado naquele país, informação pouco divulgada por aqui, no Rio de Janeiro ocorreu um fato extremamente grave.

Na edição da quarta-feira (25) do jornal O Globo, o repórter Antônio Werneck assinava matéria mentirosa, com chamada de primeira página, revelando que “agente da ABIN foi preso em protesto” e com o complemento de sustentação “vândalo chapa-branca”. O jornal da família Marinho, numa demonstração de baixo jornalismo “informava” sobre a prisão do geógrafo e agente da ABIN, Igor Pouchain Matela junto com a mulher, Carla Hirt.

Mentira grosseira. Carla Hirt foi presa quando fugia da truculência policial sendo agredida, depois de ser ferida por balas de borracha, não tendo jogado pedras em lugar nenhum. O marido, que não estava com ela, foi até a 14a. Delegacia Policial, no Leblon, ao ser avisado pela própria mulher da prisão e agressão por parte de um tenente da PM.

Portanto, ai se esclarece a primeira mentira que tem por visível objetivo induzir o leitor a incriminar a ABIN, desviando a atenção do principal, ou seja, de que a PM de Sergio Cabral infiltra agentes P2 nas manifestações, não propriamente para observar, como alegam as autoridades, mas para provocar tumulto. Vídeos postados nas redes sociais não deixam dúvidas.

Carla foi acusada de formação de quadrilha e ter jogado pedras numa agência bancária. Ela foi presa na rua Redentor e a PM notificou que a prisão ocorreu na Visconde de Pirajá. Portanto, uma nova mentira, como várias outras encontradas na matéria do repórter Antônio Werneck. A indicação da Visconde de Pirajá foi para mostrar que ela estava no centro dos acontecimentos no momento da prisão. Se fosse colocada a rua exata ficaria demonstrado que Carla foi presa fora do local onde a PM agia com truculência, por orientação do trio Sérgio Cabral, José Mariano Beltrame e Coronel Enir Costa Filho, comandante da PM.

Que quadrilha os presos poderiam ter formado se nenhum deles se conhecia? Antes da matéria ter sido divulgada, Carla Hirt deu entrada com uma ação no Ministério Público informando ter sido vítima da truculência policial, agredida e baleada, além de acusada falsamente de formação de quadrilha.

Fonte não revelada - Mas o que também chama a atenção da matéria é o fato dela ter sido divulgada uma semana após os acontecimentos ocorridos na manifestação que começou nas imediações do prédio onde reside o Governador Sérgio Cabral, no bairro do Leblon, dia 18 de julho. Aí que mora também o perigo. A fonte da informação sobre a falsa prisão do agente da ABIN, não citada pelo repórter de O Globo, foi o ex-deputado Marcelo Itagiba, do PSDB.

Itagiba não é flor que se cheire, tendo sido citado numa Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa fluminense sobre a ação das milícias como elemento vinculado a esse grupo criminoso que atua com ramificações no aparelho de Estado. Uma pergunta que não quer calar: quem informou Itagiba sobre a ocorrência na delegacia do Leblon? E por que Antônio Werneck não revelou a fonte da sua mentirosa matéria e fez questão de contatar o ex-deputado? Ele é fonte de O Globo?

Baixo jornalismo - Mas se os leitores imaginam que o baixo jornalismo do jornal se limitou ao que foi mencionado até agora, engana-se. Tem mais. A própria matéria desdiz a chamada de primeira página ao revelar no meio do texto que o agente foi autuado por desacato quando chegou à delegacia. Então, por que ter colocado com chamada de primeira página a mentira de que o agente da ABIN foi preso no protesto? E por que dar ênfase ao “desacato” e relegar a plano secundário a agressão sofrida por Carla Hirt e também colocá-la no texto como agente da ABIN?

Como Igor Matela havia mandado uma carta ao jornal O Globo negando o desacato e informando que ele e Carla Hirt eram alunos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o repórter Antônio Werneck procurou o professor Carlos Wainer, titular do referido instituto, perguntando se “o senhor gostaria de comentar o caso?” e se ”conhecia o casal?”.

Vainer respondeu, mas o que disse não foi divulgado pelo jornal:

Carla é geógrafa, professora, brilhante estudante de doutorado em Planejamento Urbano e Regional. Digna e íntegra, como os milhões de jovens que têm ido às ruas manifestar sua inconformidade com a situação do país. Orgulho-me de ser seu professor. No Rio de Janeiro, o direito de manifestação vem sendo violado por uma polícia inepta, brutal e, como agora se sabe, capaz de forjar autuações fraudulentas para criminalizar manifestantes. Sob pretexto de manter a ordem, a polícia instaura o terror a cada nova manifestação pública. É necessário investigar e punir policiais e autoridades que promovem ou acobertam essas violências. Ouvir a mensagem das ruas, recomendou a Presidente Dilma. Querem, no entanto, calá-la.

Igor Matela garante também que em momento algum deu uma carteirada como agente da ABIN, como insinua O Globo. Ao ser enquadrado, a delegada naquele momento, Flávia Monteiro, pediu seus documentos e que revelasse a profissão. Mostrou então a carteira de motorista e disse ser funcionário público. A delegada insistiu perguntando em que repartição, mencionando então a ABIN. Igor ingressou na ABIN por concurso.

Em suma, como tem acontecido nos últimos tempos, O Globo deu mais uma prova de baixo jornalismo, que precisa ser denunciado em todos os fóruns, sobretudo nas escolas de comunicação onde são formados os futuros repórteres que ocuparão as redações.
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[*] Mário Augusto Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE. 

Enviado por Direto da Redação