30/6/2013, Robert Fisk,
The Independent (UK)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Robert Fisk |
As
amazonas norte-americanas na ONU têm o hábito de falar grosso. Jean (ações do
Conselho de Segurança não passam de “caretas”) Kirkpatrick e Madeleine (“valeu a
pena” o preço de 500 mil crianças mortas no Iraque) Albright, quando falam, são
como soco no plexo. E agora temos a mais recente rainha-guerreira Boudicea de
Obama, Susan Rice, a esmurrar outra vez a ONU, velha nêmese de George W. Bush.
Onde
Bush ameaçou a ONU com a irrelevância da velha Liga das Nações – sem se dar
conta de que os EUA fragilizaram fatalmente a Liga, quando se recusaram a
associar-se – temos hoje Rice a condenar a inação do Conselho de Segurança, que
não age contra a Síria, como “uma desgraça estratégica e moral”, sem considerar
que foi Franklin D. Roosevelt, presidente Democrata, quem insistiu em criar os
poderes de veto dentro do Conselho de Segurança, na grande conferência dos
aliados da 2ª Guerra Mundial, em Yalta.
Winston Churchill (E) Franklin D. Roosevelt (C) e Joseph Stalin (D) em Yalta (1945) |
O
burro “ONU” é alimentado com poucas cenouras e espancado com muitos porretes.
Agora, se está estabelecendo o hábito de explicar a inerente fragilidade do
bicho, falando mal do veto – que dá a cada um dos membros poder para destruir
qualquer proposta dos demais. Assim aconteceu que o veto russo contra a ação
militar dos EUA e da União Europeia na Síria transformou o poder de vetar em
invenção “dos russos”.
Claro
que a Sra. Rice apaga da história os 41 vetos dos EUA no Conselho de Segurança
para “proteger” Israel e permitir que continue a ocupar e roubar terra e
colonizar a Cisjordânia palestina, nem vê neles qualquer desgraça moral e
estratégica. Nada disso. A questão agora é a Síria – e aqueles malditos russos,
culpados de tudo.
Já
há alguns anos, em Beirute, encontrei uma edição de segunda mão, de 1950, já bem
gasta, do livro de Robert E. Sherwood, Roosevelt and Hopkins: an intimate
history e – hoje, o tenho já encadernado em couro pelo meu encadernador
libanês favorito – devorei-o numa noite, numa sentada. Que grande livro!
Sherwood,
que escrevia os discursos do presidente Roosevelt na 2ª Guerra Mundial, usou os
documentos particulares de Harry Hopkins, principal conselheiro diplomático de
Roosevelt, para escrever o que continua a ser o melhor relato da reunião dos
Três Grandes, em Yalta, quando Roosevelt, Churchill e Stálin reuniram-se para
decidir o futuro do mundo do pós-guerra.
Hoje
se pensa em Yalta como a liquidação da independência da Polônia, entregue a
Stálin (Churchill já selara esse negócio vergonhoso, antes, em Moscou), mas em
janeiro de 1945, os exércitos de Hitler ainda lutavam e a ONU só existia no
papel. E parte importante da reunião foi dedicada à criação da ONU, a dar poder
de voto à União Soviética e a criar o veto no Conselho de Segurança então
proposto – com EUA, Reino Unido, Rússia e China (a França entrou depois). E
Churchill, o imperialista essencial, foi integralmente a favor de se criar a
regra do veto no Conselho de Segurança.
Robert E. Sherwood |
Escreve
Sherwood:
Na
verdade os britânicos defenderam empenhadamente o veto, como meio de impedir que
surgissem dificuldades para seus próprios interesses imperiais. Os EUA foram
favoráveis, para criar uma espécie de seguro contra o risco de o Conselho de
Segurança empurrar as forças norte-americanas para todos os tipos de guerras em
qualquer parte do mundo.
Em
outras palavras: Churchill não queria que a ONU tivesse poderes para mandar
missões militares para a Índia e outras “possessões” britânicas; e Roosevelt não
queria as forças dos EUA envolvidas em guerras impopulares – ou impossíveis de
vencer – para defender interesses alheios.
Roosevelt
tinha “a lembrança de Woodrow Wilson sempre viva”, escreveu Sherwood, o que
sugere que Kennedy, Johnson e Nixon já não a tivessem assim tão viva, quando foi
a vez do Vietnã. A “concessão” aos russos foi um direito de vetar, assegurado a
todos os membros do Conselho de Segurança, contra qualquer ideia de impor
sanções – ou, até, de fazer guerra – contra aquele membro.
Em
outras palavras: cada um dos cinco grandes podia vetar qualquer ideia de
qualquer dos outros quatro, de invadi-lo – e, por extensão, de invadir
respectivos amigos ou aliados. Essa, precisamente, é a política que Putin aplica
hoje à Síria.
Os
russos aceitaram que nenhum membro do Conselho pudesse impedir que se
discutissem suas próprias ações.
Stálin
estava muito mais interessado em conseguir votos na Assembleia Geral da ONU para
Ucrânia e Bielorrússia – nações constituídas dentro da União Soviética; esse
dois países, como Stálin lembrou a Roosevelt, eram maiores em população e em
importância que outras nações que estariam representadas na ONU. Roosevelt não
parava de resmungar sobre o Brasil, porque era menor que a Rússia, mas maior que
os EUA.
Harry Hopkins |
Stálin,
Sherwood observa, “começou dar sinais de impaciência e irritação”, e Hopkins
escreveu bilhete bem claro a Roosevelt:
Sr.
presidente, acho melhor o senhor deixar esse assunto para os ministros do
Exterior, antes que haja problemas. Harry.
Churchill,
muito arrogantemente, fez questão de dizer a Stálin e Roosevelt que o veto
britânico também protegeria as demandas de ambos sobre Hong Kong, ao que Stálin
retrucou:
Imagine
se o Egito levanta a questão da devolução do Canal de Suez?
Três
anos depois da morte de Stálin, claro, foi exatamente o que o Egito fez.
No
caminho de volta de Yalta, Churchill encontrou-se com o novo presidente da
Síria, Shukri Quwatli, que queria a Síria independente da França. Os sírios e os
libaneses, pensou Churchill, “antes lutarão, que aceitarão qualquer privilégio
para a França”.
Hoje,
Grã-Bretanha – e França – falam de ação militar na Síria. Mas ainda enfrentam o
que ficou decidido em Yalta.
Nota dos tradutores
[*]
A Conferência de Yalta, também
chamada de Conferência da Crimeia, é um conjunto de reuniões ocorridas entre
4-11/2/1945 no Palácio Livadia, na estação balneária de Yalta, nas margens do
Mar Negro, na Crimeia. Foi a segunda das três conferências em tempo de guerra
entre os líderes das principais nações aliadas (a anterior ocorreu em Teerã, e a
posterior em Potsdam). Os chefes de governo
dos EUA (Franklin D. Roosevelt) e da União Soviética (Joseph Stalin) e o
primeiro-ministro do Reino Unido (Winston Churchill) reuniram-se em segredo em Yalta
para decidir o fim da Segunda Guerra Mundial e a repartição das respectivas
zonas de influência. Em 11/2/1945, assinaram os acordos que visavam a pôr fim
rápido à guerra e à estabilidade do mundo após a vitória.
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