quarta-feira, 17 de julho de 2013

O artigo da Reuters sobre Snowden

O mais recente esforço para desviar a atenção das revelações sobre espionagem é o mais absurdo de todos, até aqui

13/7/2013, Glenn Greenwald, The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Comentário ouvido na padaria: A Reuters é como o “slogan” da CBN aqui do Brasil que diz: CBN, A RÁDIO QUE TROCA NOTÍCIA...

Glenn Greenwald
Quando se dá muitas entrevistas em diferentes países e diz-se essencialmente a mesma coisa repetidas vezes, como eu, os veículos quase sempre se dedicam a reembalar aquela mesma coisa, para que a entrevista que publicam dê a impressão de conter novidades, mesmo que não traga novidade alguma. É o caso do artigo da Reuters, hoje que pretende resumir minha entrevista (em espanhol) ao jornal argentino La Nación.

Como tudo que tenha a ver com os vazamentos da Agência de Segurança Nacional dos EUA, essa entrevista também está sendo ferozmente distorcida, para desviar a atenção das revelações propriamente ditas. Tudo é reescrito para atacar Edward Snowden e, secundariamente, para me atacar pessoalmente, por estarmos, supostamente, “chantageando” e “ameaçando” o governo dos EUA. Absurdo.

Que Snowden criou uma espécie de “conexão do homem morto” – para que documentos sejam divulgados no caso de ele ser assassinado pelo governo dos EUA – já havia sido noticiado há várias semanas  e o próprio Snowden já várias vezes sugeriu fortemente que fizera, sim, exatamente isso. Não significa que ele pense que os EUA estejam tentando assassiná-lo – e ele não pensa – apenas que tomou precauções contra inúmeras eventualidades, inclusive essa (afinal, é perfeitamente razoável preparar-se para essa eventualidade, se se está enfrentando não qualquer inimigo mas, precisamente, o governo que passou a última década invadindo, bombardeando, torturando, “entregando” prisioneiros a torturadores em prisões estrangeiras, sequestrando, encarcerando sem acusação formalizada, assassinando “à distância” com drones, apoiando e financiando os piores ditadores e assassinos, e matando seus próprios cidadãos em golpes de assassinato pré-definidos).

Edward Snowden
Eis o que eu disse na entrevista ao jornal La Nacion – afirmações verdadeiras e nenhuma das quais, nem remotamente, teria algo a ver com ameaçar alguém:

1 - O argumento sempre repetido de que Snowden teria a intenção de ferir os EUA é absolutamente desmentido pelo fato de que ele tem, sim, todos os tipos de documentos que mais rapidamente e mais seriamente podem hoje causar dano aos EUA, se divulgados. E não publicou nenhum desses documentos. Quando nos entregou os documentos que entregou, Snowden várias vezes repetiu que aplicássemos a eles o nosso mais rigoroso critério de avaliação jornalística, para decidirmos que documentos deveriam ser publicados, com vistas a atender ao interesse público; e quais deveriam ser escondidos, sob o argumento de que o dano gerado pela publicação ultrapassaria o valor público que tivessem.
Se Snowden visasse a causar dano aos EUA, poderia já ter vendido todos os documentos, por quantia astronômica de dinheiro, ou já os teria divulgado indiscriminadamente, ou os teria entregado a inimigo estrangeiro. E não fez nada disso..

Snowden examinou cuidadosamente cada um dos documentos que nos entregou e ainda, depois disso, pediu que só se publicassem os que pudessem ser publicados sem causar nenhum dano desnecessário a quem quer que fosse: o mesmo critério que todos os veículos de imprensa comercial e whistleblowers usam sempre. A ampla maioria das revelações já feitas são um sinal de alerta, um “apitar de consciência”, para alertar contra a vigilância secreta e total, sobre todos nós, que o governo dos EUA estruturou e mantém em operação.

O meu argumento sobre isso, naquela entrevista, era claro, e o repeti várias e várias vezes: se Snowden quisesse agredir o governo dos EUA, poderia tê-lo feito facilmente, mas não o fez, o que está bem comprovado – como eu disse na entrevista – pelo fato de que tem, mas não divulgou, documentos que, sim, poderiam causar grave dano a inúmeros programas mantidos pelo EUA.

Snowden não tem qualquer desejo de prejudicar os EUA. O que ele quer é lançar luz sobre os programas de vigilância, para que o problema possa ser democraticamente debatido. Por isso, nenhuma das revelações já publicadas pode ser apresentada, nem de longe, como danosa à segurança nacional dos EUA ou à reputação e credibilidade de funcionários dos EUA que fizeram aquelas coisas e, na sequência, mentiram sobre elas.

Edward Snowden pede asilo político a Russia
2- O governo dos EUA está agindo sob o ímpeto da mais feroz irracionalidade.

A crítica mais recente é que Snowden está na Rússia, não em outro país “neutro”. Mas Snowden não está na Rússia porque tenha escolhido o país. Só está lá porque os EUA o impediram de sair: primeiro, lhe caçaram o passaporte (sem qualquer devido processo legal ou sentença); depois, pressionaram países aliados para que lhe negassem direito de voar em espaço aéreo territorial daqueles países (chegando ao cúmulo de forçar o pouso de avião presidencial no qual viajava presidente democraticamente eleito de um estado soberano, apenas porque havia a suspeita de que Snowden estivesse a bordo); depois, forçaram pequenos países a impedir que o avião pousasse para reabastecer.

Dada a quantidade extraordinária de documentos que Snowden carrega com ele e a gravidade de muitos daqueles documentos, eu disse, naquela entrevista, que me parecia inacreditavelmente ridículo que o governo dos EUA tivesse praticamente obrigado Snowden a permanecer na Rússia – o que faz sentido-zero, se se pensa nos documentos que Snowden carrega.

Países colonizados pelos EUA cederam à pressão norte-americana e ensejaram protestos
dos bolivianos em em frente às suas embaixadas
3- Perguntaram-se se eu imaginava que o governo dos EUA empreenderia algum tipo de ataque físico contra Snowden, caso tentasse viajar para a América Latina, ou, mesmo, que os EUA iriam ao ponto de derrubar o avião em que ele viajasse. Foi quando eu disse que nada seria tão completamente contraproducente, uma vez que – como vários jornais e blogs já haviam noticiado – qualquer ataque desse tipo imediatamente dispararia uma avalanche de revelações, porque nos liberaria, a nós, jornalistas, de ter de examinar cada documento e decidir responsavelmente, como sempre fizemos até agora.

E eu disse também, naquela entrevista, que o governo dos EUA deveria, isso sim, rezar e pedir a Deus pela segurança de Snowden, em vez de porem-se a ameaçá-lo ou tentar agredi-lo ou feri-lo.

Nada disso tem qualquer coisa a ver comigo: não tenho acesso aos documentos do “seguro” de Snowden e não tenho papel algum no plano que ele construiu para se proteger. Reporto os documentos que ele diz que tem as precauções que disse que tomou pra proteger-se contra ameaça que ele pressente contra seu bem-estar. Isso não implica qualquer ameaça. São fatos. Lamento se não agradam a todos, mas nem por isso deixam de ser fatos.

Daniel Ellsberg
Antes de a identidade de Snowden ser revelada como “apitador de consciência” [orig. whistleblower], escrevi 
Desde que o governo Nixon invadiu o consultório do psicanalista de Daniel Ellsberg, a tática do governo dos EUA sempre tem sido atacar e demonizar os “apitadores de consciência”, como artifício para distrair a atenção do que eles expunham de mal feitos do próprio governo, e para destruir a credibilidade do mensageiro, para que as pessoas deixassem de dar atenção à mensagem. O que se vê hoje, no caso de Snowden é, só, repetição da mesma tática.

E é o que é: mais um esforço para distrair a atenção, para que ninguém se atenha à substância das revelações. (Hoje, Melissa Harris-Parry, âncora do no noticiário matinal na rede MSNBC culpou Snowden pelo fato de a mídia estar dando mais atenção a ele do que às revelações sobre a Agência de Segurança Nacional dos EUA:como se ela não tivesse programa seu, que vai ao ar duas vezes na semana, no qual poderia falar o quanto quisesse sobre as revelações que diz considerar tão importantes.

Comparem-se (a) a atenção que tem sido dada ao drama do asilo de Snowden e a alegados traços de caráter, e (b) a atenção dada à substância das revelações sobre espionagem em massa, indiscriminada, pela Agência de Segurança Nacional dos EUA.

Ou comparem-se (a) as repetidas manifestações em órgãos da imprensa norte-americana, no sentido de que Snowden (e outros que estão trabalhando para denunciar a espionagem em massa na Agência de Segurança Nacional) sejam tratados como criminosos, e (b) a virtualmente nenhuma manifestação, na mídia dos EUA, no sentido de que o diretor da Inteligência Nacional, James Clapper, seja tratado como criminoso por mentir ao Congresso.

A invenção de alguma nova “ameaça” é, só, mais um esforço para falar de qualquer coisa, exceto as revelações de que o governo dos EUA mente ao Congresso e de que a Agência de Segurança Nacional dos EUA, apoiada em premissas muito duvidosas do ponto de vista da legalidade, espiona todos os cidadãos norte-americanos (além de espionar o resto do mundo).

Falguni Sheth
Ontem era outra coisa, amanhã inventarão uma terceira, quarta coisa. Como já disse nessa entrevista a Falguni Sheth publicada hoje em Saloné atitude típica dos EUA: no resto do mundo mídia e analistas focam-se no conteúdo das revelações; nos EUA, os jornalistas e especialistas midiáticos mantêm-se obcecadamente a falar de qualquer coisa, exceto do conteúdo das revelações.

Haveria inúmeras vias acessíveis para que Snowden divulgasse os documentos que decidira divulgar. Ele escolheu a que lhe pareceu mais responsável: procurar jornais e jornalistas nos quais confiava e cobrar que a divulgação fosse feita com responsabilidade. O esforço para desmoralizá-lo e apresentá-lo como alguma espécie de traidor não encontra nenhuma confirmação nos fatos. Toda a entrevista tratou desse aspecto.

Quem queira saber quem, de fato, teve comportamento criminoso  e causou dano grave aos EUA, não terá dificuldades para descobrir  – e fará trabalho mais produtivo que o de demonizar quem tanto se arriscou para tocar o apito e alertar as pessoas contra, precisamente, aqueles crimes. Mas, como já disse, e aqui repito, nada disso nos impedirá, nem por um momento, de continuar a informar sobre os muitos casos de espionagem e vigilância interna pela Agência de Segurança Nacional dos EUA que ainda não vieram a público.


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