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domingo, 15 de dezembro de 2013

“Os EUA provavelmente jamais saberão tudo que Snowden tem”

14/12/2013, [*] Mark Mazzetti e [**] Michael S. Schmidt, The New York Times
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Edward Snowden
WASHINGTON – A inteligência e os órgãos policiais e de justiça dos EUA concluíram que é possível que jamais venham a saber com precisão satisfatória tudo que o ex-empregado de empresa contratada pela Agência de Segurança Nacional, Edward J. Snowden, extraiu dos computadores super secretos do governo, antes de deixar os EUA, disseram altos funcionários federais norte-americanos.

Os investigadores permanecem no escuro sobre a extensão da quebra de segurança dos dados, em parte porque a unidade da Agência de Segurança Nacional dos EUA no Havaí, onde Snowden trabalhava – diferente de outras unidades – não estava equipada com programas atualizados que permitissem àquela agência de espionagem monitorar os pontos, de seu vasto horizonte de computação, em que os empregados estivessem navegando em cada momento.

Seis meses depois de a investigação ter sido iniciada, os funcionários disseram que Snowden havia coberto suas pistas logando-se em sistemas sigilosos mediante as senhas de outros empregados da agência, e depois de invadir firewalls instalados para limitar o acesso a algumas partes do sistema.

Consumiram-se centenas e centenas de horas-homem para reconstruir tudo que ele copiou, e ainda não se sabe a extensão do que ele tem – disse um alto funcionário do governo. Sei que parece loucura, mas tudo, nesse caso, é loucura.

NSA - Entrada principal em Fort Meade, Maryland
A evidência de que Snowden tenha sido tão hábil a ponto de ter conseguido explorar os pontos cegos nos sistemas da mais secreta agência de espionagem dos EUA ilustra bem o quanto a segurança de computadores ainda é precária, mesmo depois de anos de o presidente Obama ter ordenado que os padrões de segurança fossem melhorados, depois das revelações de WikiLeaks em 2010.

As revelações de Snowden dispararam um debate nacional sobre a extensão dos poderes da Agência de Segurança Nacional dos EUA para espionar, em casa e no exterior, e condenaram o governo Obama a ter de tentar remendar relações com aliados, depois de o mundo saber que os EUA espionaram governantes de outros países.

Uma comissão presidencial de aconselhamento, que examinou as operações da Agência de Segurança Nacional, entregou ontem (6ª-feira, 13/12/2013) o seu relatório ao presidente Obama. A Casa Branca disse que o relatório não será divulgado até o próximo mês, quando o presidente Obama já tiver decidido quais recomendações acatará e quais rejeitará.

Snowden entregou o arquivo de documentos a pequeno grupo de jornalistas, e alguns deles partilharam documentos com várias empresas de notícias – o que acabou por revelar a espionagem contra governos amigos. Em entrevista ao The New York Times em outubro, Snowden disse que entregara os documentos que copiou a jornalistas e que não conservou cópias adicionais.

Richard (Rick) Ledgett, provável sucessor de Keith Alexander no comando da NSA
Recentemente, um alto funcionário da Agência de Segurança Nacional disse a repórteres que acredita que Snowden ainda tem documentos que não revelou. Esse funcionário, Rick Ledgett, que chefia a força-tarefa da Agência que está examinando o vazamento produzido por Snowden, disse que consideraria a possibilidade de os EUA garantirem anistia a Snowden, em troca daqueles documentos.

Sim, minha opinião pessoal é que sim, vale a pena conversar sobre isso – disse Ledgett à CBS News. Eu exigiria garantias de que o resto dos dados estariam fechados para sempre e meu padrão de exigência, nesse caso, seria muito alto. Teria de ser mais que a simples palavra dele.

Snowden está vivendo e trabalhando na Rússia, sob asilo concedido por um ano. O governo russo recusou-se a extraditar Snowden para os EUA, onde Snowden foi acusado pelo Departamento de Justiça, em junho, por crimes de espionagem e roubo de propriedade do estado.

Snowden disse que voltaria aos EUA, se recebesse anistia, mas nada garante que o presidente Obama – a quem, provavelmente, caberia tomar a decisão de anistiá-lo – optaria por essa via, dado o dano que o governo alega que os vazamentos teriam causado à segurança nacional.

Dado que a Agência de Segurança Nacional ainda não sabe exatamente o que Snowden tem, os funcionários são informados dos vazamentos, quase sempre, pelos jornalistas que trabalham na publicação dos documentos, o que os deixa sem tempo para prevenir outros países sobre revelações que estejam a caminho.

Enquanto a segurança da Agência tenta reciclar sua rede de computadores, na sequência do que pode ter sido a maior invasão em arquivos de informação secreta de toda a história dos EUA, o Departamento de Justiça continuou sua investigação sobre Snowden.

Segundo altos funcionários do governo, agentes do FBI do escritório de campo do gabinete, em Washington, acreditam que Snowden tenha metodicamente baixado os arquivos ao longo de vários meses, enquanto trabalhava como empregado terceirizado do governo, no Havaí. Para os mesmos agentes do FBI, Snowden trabalhou sozinho.

Mas, apesar da vasta expertise técnica de Snowden, alguns funcionários norte-americanos culpam a segurança da Agência, por não ter instalado software que detectasse atividade não usual nos computadores pelo pessoal que trabalha ali – 35 mil empregados, a maior força de trabalho de todas as agências de inteligência.

Chelsea Manning
Depois de episódio semelhante em 2010 – quando um cabo do exército, Chelsea Manning, [1] entregou centenas de milhares de arquivos de conversas e de telegramas diplomáticos ao grupo WikiLeaks – o governo Obama tomou medidas para evitar que outro empregado do estado copiasse e distribuísse grandes quantidades de material secreto.

Em outubro de 2011, o presidente Obama assinou uma Ordem Executiva que criou uma força-tarefa encarregada de “deter, detectar e mitigar ameaças internas, incluindo salvaguardar informação secreta, contra exploração, concessão ou qualquer outra revelação não autorizada”. A força-tarefa, comandada pelo advogado-geral e pelo diretor da inteligência nacional, tem a responsabilidade de desenvolver políticas e novas tecnologias para proteger informação secreta.

Mas uma das mudanças, a atualização dos sistemas de computadores, para rastrear as trilhas por onde se movimentem os empregados das agências de inteligência, foi muito lenta.

Não conseguimos mexer numa chave e ter todas as mudanças implementadas num instante – disse um funcionário da inteligência norte-americana.

Lonny Anderson
Lonny Anderson, chefe de tecnologia da Agência de Segurança Nacional dos EUA, disse em entrevista recente que muito do que Snowden copiou veio de partes do sistema de computadores abertos a qualquer pessoa que tivesse autorização de alto nível de segurança. E que parte de seu trabalho era deslocar grandes quantidades de dados entre diferentes partes do sistema.

Mas, disse Anderson, as atividades de Snowden não eram monitoradas de perto e não dispararam nenhum tipo de sinal de alerta.

“A lição a aprender, para nós, é que é preciso acabar com o anonimato” para todos que tenham acesso a sistemas secretos, disse Anderson em entrevista ao Blog Lawfare, parte de uma série que aquela página prepara-se para publicar essa semana.

Funcionários disseram que Snowden, que entendia a fundo a arquitetura dos computadores da Agência de Segurança Nacional, poderia já saber que os escritórios do Havaí estavam atrasados, em relação a outros, na instalação dos programas de monitoramento.

Segundo um ex-funcionário do governo que falou recentemente com o general Keith B. Alexander, diretor da Agência de Segurança Nacional dos EUA, o general disse que, no momento em que Snowden estava copiando os documentos, a agência de espionagem estava a meses de iniciar a instalação de sistemas que capturariam a atividade.

Enquanto avançavam as investigações pelo FBI e pela Agência de Segurança Nacional, o Departamento de Estado e a Casa Branca ainda estão tendo de absorver o impacto das revelações de Snowden contra as relações diplomáticas dos EUA e outros países.

Há esforços em andamento, pelo Departamento de Estado, para fazer contato com outros países e explicar a eles o que se sabe sobre o que Snowden gravou – disse um alto funcionário do governo. O mesmo funcionário disse que: (...) o Departamento de Estado costumava considerar a espionagem contra governantes estrangeiros como “a coisa de sempre” [orig. “business as usual”] entre nações.



Nota dos tradutores
[1] Interessante observar aqui que o New York Times dá à Chelsea Manning o nome que ela declarou que prefere, quando mudou de identidade social, de Bradley (nome masculino), para Chelsea (nome feminino).
Já os infinitamente imbecis jornalistas do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) insistem em dizer e escrever “presidente” (designação masculina) para a presidenta Dilma, que não mudou de sexo, nem de identidade social, e, simplesmente, declarou que preferia que se usasse, para ela, o substantivo “presidenta” (designação feminina).
À parte a imbecilidade do que os jornalistas do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) insistem em dizer, escrever e ensinar a repetir, há a considerar também a inominável grosseria e a repugnante arrogância. Muito piores, como se vê, até, que a do NYT.
______________________

[*] Mark Mazzetti é jornalista do New York Times e foi premiado com o Pulitzer de 2009 na categoria de Jornalismo Internacional juntamente com 3 outros profissionais da imprensa-empresa dos EUA.



[**] Michael S. Schmidt é correspondente do New York Times em Washington, DC.

domingo, 3 de novembro de 2013

Pepe Escobar: “Porque Vladimir governa e Obama bombardeia”

1/11/2013, [*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama
Nos dois casos, na saga da Agência de Segurança Nacional dos EUA e na crise síria, Putin jogou xadrez, e Obama jogou damas com ele mesmo – e perdeu.

Anualmente, a revista Forbes publica sua lista de gigantes, chefes de estado, magnatas das finanças e dos negócios que “realmente governam o mundo”. Quase sempre, o presidente em exercício dos EUA – o comandante-em-chefe da mais letal armada na história do mundo – aparece no pódio máximo.

Mas não em 2010, quando Barack Obama perdeu para o então presidente da China, Hu Jintao, logo depois da crise financeira provocada por Wall Street. Nem em 2013, quando o vencedor é o presidente Vladimir Putin da Rússia.

Não por acaso, China e Rússia são os dois países mais influentes dos BRICS, as potências emergentes. Rankings da imprensa-empresa norte-americana, como “O homem do ano” da revista Time podem ser irrelevantes, e em geral são extremamente provincianos. Mas como golpe de Relações Públicas, o reconhecimento pelos norte-americanos do poder suave de Putin tem valor inestimável, mesmo que apareça na sequência do reconhecimento pela vastíssima maioria da verdadeira “comunidade internacional”: o mundo em desenvolvimento.

Diga-se a seu crédito, que a revista Forbes anota que

(...) qualquer um que estivesse assistindo ao jogo de xadrez, esse ano, em que se disputavam a Síria e os vazamentos da Agência de Segurança Nacional dos EUA, veria claramente a dinâmica da mudança do poder individual.

Os EUA nos ESPIONA e nos ROUBA
Mas é mais, muito mais que isso. Putin deixou que o caso de Edward Snowden, extremamente sensível, fosse encaminhado com totais, absolutas legalidade e transparência; e, além do mais, sem tripudiar sobre a impotência dos EUA. Putin literalmente salvou o governo Obama, no último segundo, de mais uma guerra no Oriente Médio, de consequências potencialmente devastadoras – momento geopolítico tão grave e perigoso quanto a crise dos mísseis em Cuba.

Como se poderia prever, a Think-thank-elândia dos EUA – com aquele QI coletivo atrofiado por décadas de hubris e de naturalização do complexo orwelliano/Panopticon – resiste contra ver os fatos. Moscou não precisa tentar pintar a hiperpotência como fraca ou indigna de confiança. Os fatos falam por eles mesmos – desde a corrida desenfreada sempre na direção de mais guerras por causa de uma “linha vermelha” demarcada temerariamente por Obama, até a espionagem generalizada, tanto contra “amigos” como contra inimigos potenciais.

Em depoimento à Comissão de Inteligência da Câmara de Representantes, o diretor da Inteligência Nacional, James Clapper, disse, com todas as letras, que a Agência de Segurança Nacional dos EUA e a CIA não podem espionar nenhum líder político grampeando seu telefone celular privado, sem a permissão da Casa Branca. Digam o que disserem, Obama sabia da espionagem contra, dentre outros, a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e a chanceler alemã Angela Merkel.

Não é preciso ter lido Orwell para saber que aí está mais uma instância da visão de mundo de “Masters of the Universe”. Espionar contra norte-americanos é “legítimo”. É “legítimo” espionar contra todo o sul global, inteiro – inclusive contra os mais influentes BRICS.

Os EUA além de espionar Angela Merkel espionou Dilma Roussef
Podem chamar de neofeudalismo eletrônico – no qual ninguém, em lugar algum, é cidadão real, plenamente capaz para exercer os próprios direitos; ninguém passa de camponês apagado, sem glória. Com Merkel a história foi um pouco diferente: ela é sócia do clube dos “Masters of the Universe”, e por isso, só por isso, há alguns em Washington que consideram – muito levemente – a possibilidade de que, talvez, talvez, a Agência de Segurança Nacional dos EUA tenha ido longe demais.

Basta de excepcionalismo

Aquela famosa coluna assinada, em setembro, no The New York Times, na qual Putin vergastou o excepcionalismo norte-americano, reverberou furiosamente por todo o mundo em desenvolvimento, porque foi como um grito primal. Os chineses, naturalmente cautelosos, jamais seriam os primeiros a articular a mesma ideia tão claramente (mas a articularam logo depois, quando exigiram mundo “des-americanizado”, com ênfase mais econômica, que política). Esqueçam os europeus, ou mesmo o Brasil. Só Putin teve a autoridade para anunciar o que a vasta maioria do planeta já pensava há bom tempo.

Ninguém mais aguenta o excepcionalismo dos EUA. Outro exemplo: a Assembleia Geral da ONU, ela também devidamente espionada, aprovou – por enorme maioria – a condenação do embargo norte-americano, comercial, econômico e financeiro, pelo 22º ano sem interrupção. Foram 188 votos contra o embargo, 2 a favor e três abstenções. Só EUA e Israel votaram contra o fim do embargo.

Vladimir Putin
Enquanto os cães da guerra e da vigilância latem, a silenciosa caravana russa passa. Putin está estendendo a influência russa na Europa Central e solidificando a parceria com a Alemanha. A parceria estratégica China-Rússia avança suavemente. A Rússia é outra vez ator influente no Oriente Médio. Putin tenta criar uma alternativa multilateral viável, aos diktats imperiais dos EUA. Trata-se de poder soft [suave], tanto quanto de poder hard [duro].

As proverbiais cassandras carpideiras, da Think-tank-elândia norte-americana, serão deixadas a gemer infinitamente contra a “estagnante” economia russa, contra a “tensão” étnica e religiosa, contra a “atrofia” política devida ao “autoritarismo” de Putin e males equivalentes. Bobagem.

Em ensaio importante, o top-blogueiro The Saker traça meticulosamente todas as idas e vindas chaves e as principais subcorrentes dos últimos 20 anos das relações EUA-Rússia – aí incluída a, hoje, já proverbial demonização de Putin.

Voltemos aos fatos do chão geopolítico. Putin colheu o momento e agora é, pode-se dizer, o ator chave que tenta construir uma emergente e alternativa, ordem multilateral. Quanto a Obama, imperial pato manco, parece destinado a manter o bombardeio, em vários sentidos.




[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista político do blog Tom Dispatch e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Snowden: Rugir pode dar dor de garganta

1/10/2013, [*] MK Bhadrakumar, Rediff blogs – Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Estação de espionagem da NSA em Bad Aibling, Sul de Munique, Alemenha
O jornal Russia Today, rede mantida pelo governo russo, com sede em Moscou, publicou uma coluna de sátira mordente [1] contra o modo suave como New Delhi respondeu, até agora, ao affair Edward Snowden. A coluna aparece assinada por autor indiano e RT, é claro, dirá que nada tem a ver com a opinião assinada de seus colunistas. Mas, dada a cultura midiática na Rússia, é interessante que a coluna apareça num poderoso órgão de mídia, ao qual o presidente Vladimir Putin vive a dar entrevistas exclusivas.

Vladimir Putin
O principal argumento do colunista é que faltou coragem política à Índia para dar nomes aos bois. É argumento virtuoso, no plano moral.

Mas... considere-se o assunto, de um outro ponto de vista. De modo geral, a liderança indiana assumiu, sobre a saga Snowden, uma posição que não difere, no fundo, da posição de Putin sobre o mesmo caso — a saber, que nada que seja absoluta novidade, no que Snowden divulgou para a opinião pública.

Em recente entrevista à Associated Press, Putin falou em tom de quase pouco caso sobre Snowden, como “sujeito estranho”, espantado demais ante os fatos, para que o Kremlin se interesse muito por ele.

Dilma Rousseff
Como a Rússia, a Índia também parece manifestar visão realista sobre o “Informante sem Fronteiras”. Nos dois casos, são políticos pragmáticos, que não se deixam levar por emoções nuas e cruas. Além disso, nem o primeiro-ministro indiano,  Manmohan Singh, nem Putin tem sobre os ombros a tradição de um passado revolucionário, e não se deixam tomar pela compulsão, como no caso da presidenta Dilma Rousseff do Brasil, para “rugir”.

Xi Jinping da China alinhar-se-ia com Manmohan Singh e Putin, no modo pós-moderno de reagir a espionagens e bisbilhotices, vendo-as como práticas ancestrais, que se devem esperar que continuem, enquanto a natureza humana for o que é e o sistema de Westphalia não se esgotar e der lugar a um sistema genuíno de governança global.

Xi Jinping e Manmohan Sing
O problema de rugir é que pode dar dor de garganta. É o que pode acontecer a Rousseff se persistir nos rugidos, até que não lhe reste outro remédio além de gargarejos de salmoura e um voto de silêncio até que recupere a voz. A vantagem de miar é que atrai os sentidos do ouvinte e o gato assegura melhor chance para chegar ao prato e lamber o leite. Bem feitas as contas, e considerado o longo prazo, a Índia não parece ter errado muito.
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Nota dos tradutores
[1] “Revelações de Snowden: Índia mia, Brasil ruge” (orig. Snowden fallout: India’s meow, Brazil’s roar”, Sreeram Chaulia, Russia Today, 29/9/2013).
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

sábado, 24 de agosto de 2013

Snowden: “Governo britânico está vazando segredos dele mesmo!”

24/8/2013, [*] Glenn Greenwald, The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Sede da GCHQ (a "poodle" inglesa da NSA), nos arredores de Cheltenham.
O jornal The Independent publicou matéria hoje – cujo conteúdo, como o jornal diz repetidas vezes, viria de “documentos obtidos da Agência Nacional de Segurança dos EUA por Edward Snowden” – na qual revela que:

(...) britânicos dirigem uma estação secreta de monitoramento no Oriente Médio para interceptar e processar vastas quantidades de e-mails, chamadas telefônicas e tráfego na web a serviço de agências de inteligência ocidentais.

É a primeira vez que o The Independent publica qualquer revelação supostamente extraída de documentos da ASN-EUA, e esse é o tipo de “revelação” que os jornalistas que trabalham diretamente com Edward Snowden têm cuidadosamente evitado até o momento.

A pergunta óbvia é: quem é a fonte dessa “revelação”? Hoje cedo, Snowden disse que quer deixar bem claro que a fonte do The Independent não é ele:

Edward Snowden
Jamais falei com, trabalhei com, ou forneci qualquer tipo de material jornalístico ao jornal The Independent. A meu pedido, todos os jornalistas com os quais trabalhei têm sido criteriosos e têm cuidado atentamente para que só se revelem informações que devam ser de conhecimento público e que não ponham em perigo nenhuma pessoa e nenhum local. Pessoas em todos os níveis da sociedade até e inclusive o presidente dos EUA reconheceram a contribuição desse critério e desse cuidado com as revelações, para um necessário debate público, e muito nos orgulhamos de que sempre tenha sido assim.

Tudo faz crer que o governo britânico tenta agora criar a impressão de que as revelações publicadas no The Guardian e no Washington Post seriam danosas. Para “demonstrá-lo”, vaza para o The Independent informação intencionalmente danosa, atribuindo-a a outros.

O governo britânico tem de explicar o raciocínio que o levou à decisão de vazar informação que, se fosse vazada por cidadão privado, o governo britânico processaria o vazador por prática de ato criminoso.

Em outras palavras: exatamente quando há grande escândalo contra a exploração abusiva e ilegal, pela Grã-Bretanha, de sua “Lei para o terrorismo” [orig. Terrorism Act] – com a opinião pública contra o uso dessa lei para deter David Miranda – e exatamente quando o governo britânico tenta convencer um tribunal de que haveria graves perigos à segurança pública naqueles documentos, aí, repentinamente, aparece num jornal o tipo de vazamento “perfeito” que serve ao argumento do governo britânico, mas jamais aconteceu.

Isso é o que Snowden faz questão de deixar bem claro: apesar da tentativa, pelo The Independent, de fazer crer que assim seja, ele, Snowden, não é a fonte em que se baseia a matéria hoje publicada. Assim sendo, quem é a fonte?

O governo dos EUA já várias vezes usou essa tática: atacar agressivamente os que revelem informação incriminante ou embaraçosa sobre o governo, em nome de proteger a santidade da informação sigilosa, enquanto, ao mesmo tempo, o próprio governo vaza fartamente informação secreta, sempre que o vazamento serve aos seus interesses políticos.

Outra questão a discutir, sobre o artigo do The Independent: ali se sugere fortemente que haveria algum acordo para restringir a publicação em curso, pelo The Guardian, de documentos da Agência Nacional de Segurança. Falando em meu próprio nome, quero deixar bem claro o seguinte: Não firmei, não tenho conhecimento e não estou submetido a nenhum tipo de acordo que imponha qualquer limitação ao tipo de divulgação que estou dando àqueles documentos. Jamais, em nenhum caso, aceitaria quaisquer limitações. Como já disse várias vezes, táticas de abuso e de intimidação, do tipo a que todos assistimos essa semana, não me deterão no trabalho que estou fazendo e não deterão os que estão trabalhando comigo. Estou trabalhando pesado em várias novas matérias sobre a Agência de Segurança Nacional e pretendo publicá-las no momento em que estiverem concluídas.

Questão relacionada a essa

Daniel Ellsberg
A todos, na mídia e fora dela, que argumentam que a posse e transporte de informação secreta seja crime: Estão dizendo que acreditam que não só Daniel Ellsberg cometeu crime, mas também todos os repórteres e editores do New York Times também cometeram crime sempre que receberam, possuíram, transportaram e publicaram as milhares de páginas de documentos top-secret conhecidos como “Papéis do Pentágono”?

Creem também que o Washington Post cometeu crime quando recebeu e publicou informação top-secret de que o governo Bush mantinha uma rede de “buracos negros” da CIA pelo mundo, ou quando o New York Times revelou, em 2005, o programa top-secret pelo qual a Agência de Segurança Nacional dos EUA criara um programa de escuta clandestina sem autorização judicial para espionar cidadãos norte-americanos?

Ou estamos ante alguma espécie recém inventada de padrão de criminalidade que só se aplica às nossas matérias sobre a Agência Nacional de Segurança? Será que os profissionais da mídia que pregam que possuir ou transmitir informação sigilosa seria crime realmente não compreendem o precedente que estão construindo contra o jornalismo investigativo?

ATUALIZAÇÃO

Oliver Wright, do The Independent, acaba de tuitar o seguinte:

Para conhecimento de todos: o The Independent não foi “vazado” nem “conversado” pelo governo, para publicar a matéria de capa de hoje.

Oliver Wright
Deixando de lado o fato de que a matéria do The Independent cita como fonte “um alto funcionário de Whitehall”, ninguém disse que teriam sido “conversados” para publicar coisa alguma. A questão é: a informação não partiu de Snowden nem de qualquer dos jornalistas com os quais ele trabalha e trabalhou.

O The Independent revelou informação secreta – bastante significativa – sem informação sobre a fonte. Viram os documentos? Nesse caso, dado que não lhes foram entregues por Snowden nem pelos jornalistas com quem Snowden trabalha, que lhes deu acesso a eles?

Não me interessa, evidentemente, que identifiquem suas fontes, mas é indispensável alguma indicação sobre o que daria fundamento àquelas revelações, porque, pelo próprio conteúdo, são informações que só valem pelo valor da fonte. Deve-se supor que não publicariam informação daquela gravidade sem ver os documentos ou sem alguma confirmação de alguém que os tivesse visto. O número de pessoas que poderiam ter visto documentos com aquele conteúdo é muito restrito e inclui, evidentemente, o próprio governo britânico.
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[*] Glenn Greenwald (6 de março de 1967) é um advogado constitucionalista, colunista, blogueiro, comentarista político e escritor americano; colunista do site Salon.com e mantém um blog ligado jornal inglês The Guardian como depositário do acervo do “alertador” Edward Snowden. Influente na política dos Estados Unidos. Suas análises sobre a vigilância governamental e a separação de poderes foram citados nos jornais The New York Times, The Washington Post, em debates no Senado e na Câmara de Representantes dos Estados Unidos. Escreveu dois best-sellers, How Would a Patriot Act? (2006) e A Tragic Legacy (2007), e também a obra Great American Hypocrites (2008).