quinta-feira, 4 de julho de 2013

Para onde?


[*] Adriano Benayon – 01.07.2013

1. Por que milhões de pessoas vão às ruas manifestar-se, mesmo sem ter tido conhecimento dos passos mais recentes dados pelos poderes do Estado no sentido da destruição do País?

2. Claro que para revoltar-se nem precisam estar bem informados. Basta sentir os sofrimentos decorrentes de problemas que continuam agravando-se :

1.      transporte público insuportável e, além disso, nas grandes cidades, transporte particular inviabilizado pelo excesso de veículos;
2.     acesso  difícil ou inexistente a serviços públicos de saúde e de educação, de alguma qualidade, além de, no âmbito privado, preços absurdos sem qualidade correspondente;
3.     salários baixos;
4.     preços elevados, em mercados dominados por empresas e bancos concentradores;
5.     impostos e taxas numerosos e custosos.

3. Credita-se ter desencadeado a faísca ao Movimento do Passe Livre (MPL), baseado em São Paulo e outras cidades, organizado há anos e voltado para objetivos justos, embora limitados

4. O momento em que surgiram os protestos devidos ao aumento das passagens de ônibus em São Paulo, coincidiu com os jogos da Copa das Confederações, a qual expôs os superfaturamentos e outros absurdos ligados à construção dos estádios.

5. É compreensível que associem esses gastos suntuários às carências no atendimento das necessidades da população.

6. Falta, porém, elevar mais o número dos manifestantes e motivá-los a lutar pela erradicação das verdadeiras causas das desditas do povo. Para isso é urgente disseminar, para dezenas de milhões de brasileiros, as informações econômicas e políticas relevantes.

7. Dizer-lhes, por exemplo:

Os gastos com a dívida pública absorveram 43,98% dos recursos federais em 2012. Mais de R$ 750 bilhões. Para a saúde foram destinados somente 4,17% desses recursos;3,34% à educação; 0,7 aos transportes; 0,39% à segurança e 0,01% à habitação.  

8. Os R$ 750 bilhões para a dívida equivalem a quase o total dos investimentos públicos e privados no mesmo ano. Significa que se esse dinheiro fosse investido produtivamente, em vez de dilapidado em despesas financeiras, poderiam ser dobrados os gastos realizados na produção e na geração de empregos.

9. Desde 1988 foram gastos 10 trilhões de reais com a dívida pública. Um trilhão é mil vezes um bilhão, e um bilhão é mil vezes um milhão, que é mil vezes mil.

10. De onde veio isso: A indústria e os mercados são controlados por empresas estrangeiras, que remetem dinheiro ao exterior de mais de quinze modos. Os bens e serviços que vendemos são subfaturados, e os que compramos são superfaturados.

11.Então se acumulam as dívidas. O produto de nosso trabalho, os nossos minérios, a produção agrícola, tudo é mandado para o exterior por quase nada, e o governo ainda premia os exportadores e os isenta de ICMS e contribuições sociais.

12.Por que é assim? Os políticos recebem dinheiro das empresas e bancos concentradores para as eleições e dependem também das TVs comerciais e imprensa, tudo ligado aos concentradores financeiros.

13.Por isso o problema dos investimentos produtivos não é só serem poucos, mas serem mal escolhidos e realizados. Tudo é desenhado, orientado para o ganho dos concentradores: transportes, educação, saúde, telecomunicações e energia.

14. E também: O transporte está ruim? Lógico, as ruas estão entulhadas com veículos produzidos por montadoras estrangeiras, às quais o governo federal, os estaduais e os municipais dão prêmios e isenções de centenas de bilhões de reais. E não construíram linhas de metrô. Por isso o trabalhador se desgasta durante cinco horas por dia dentro das conduções. Não se fazem tampouco hidrovias nem ferrovias para transportar passageiros e cargas.

15. A corrupção tem efeitos muito mais graves que os percebidos pela grande maioria dos brasileiros. Esta se indigna diante dos casos de enriquecimento, na ordem de milhões de reais, dos políticos e agentes públicos, que a grande mídia resolve expor, poupando os corruptos mais ligados aos interesses estrangeiros.

16. O povo não protesta, ainda, com a devida força, contra as lesões praticadas pelo atual governo ao patrimônio público nos leilões de petróleo - trilhões de dólares entregues praticamente de graça a petroleiras estrangeiras - nem contra a gradual destruição da Petrobrás.

17. Ainda por cima Executivo e Legislativo fazem demagogia decretando que 75% dos royalties do petróleo sejam carreados para a educação e 25% para a saúde. Ora, esses percentuais incidem sobre praticamente nada, além de a produção ainda demorar, os royalties são 10% das receitas subdeclaradas (o governo não controla o que sai).

18. Ainda se manifesta pouco contra as concessões de ferrovias, portos e aeroportos financiadas pelo BNDES. Igual com os empréstimos de grande vulto para empresas concentradoras e para as parcerias público-privadas nos investimentos de infra-estrutura, em que o setor privado tem lucros garantidos pelo Estado, sem sequer investir.

19. Não se mostra ao povo de que modo os bancos obtêm ganhos colossais. Apenas três bancos privados - Itaú, Bradesco e Santander - somam lucros anuais de R$ 30 bilhões, emprestando e aplicando dinheiro dos depositantes. E o art. 164 da Constituição obriga o Banco Central a financiar somente os bancos, proibindo-o de financiar o próprio Tesouro Nacional.

20. Ignoram-se, ainda, os prejuízos de trilhões de reais que resultaram das privatizações de FHC, como a da Vale, a do BANESPA, dado ao Santander e as das siderúrgicas. E as de serviços públicos extorsivos e deficientes, como a eletricidade e as telecomunicações.

21. Nem falam das antigas estradas construídas com dinheiro público, mal conservadas e entregues a concessionárias, que se cevam através de absurdos pedágios. E ninguém constroi novas.

22. Está, pois, na hora de o povo ser informado do que precisa saber para exigir instituições que revertam a lastimável situação do País.

23. Conscientizá-lo de que a luta é árdua. A mídia condenará as manifestações quando focarem no que interessa, e recrudescerá a repressão policial, inexistente para vândalos e assaltantes.

24. Mas o povo terá de enfrentar isso tudo, se não quiser, mais uma vez, servir de massa de manobra para os interesses que o têm mantido sem perspectivas de se libertar. Libertar-se das imposições de potências estrangeiras, brutais embora ocultadas.

25. Em suma, ter-se-á de ir ao fundo da questão: exigir autodeterminação, só possível num sistema político em que os governantes não sejam escolhidos, cooptados, corrompidos nem acuados pelos concentradores.

26. Os obstáculos são muitos. Um dos principais é o tradicional jogo do império anglo-americano, de incitar o ódio ideológico. Para vencê-lo, os brasileiros têm de se unir em torno de questões concretas pautadas pelo interesse nacional.

27. Por exemplo, os manipuladores qualificam o governo de socialista ou neocomunista, quando as políticas dele privilegiam a oligarquia financeira imperial. Enquanto isso, partidos governistas espalham o mito de serem de esquerda.

28. O programa de reconstrução do Brasil deve priorizar a reindustrialização sob capital nacional e dar ênfase à defesa do País. O oposto do que acabam de fazer lideranças da Câmara dos Deputados desengavetando o acordo que cede aos EUA, potência balística, nuclear e imperial, a base de lançamento de foguetes em Alcântara.



[*] Adriano Benayon Consultor em finanças e em biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira, postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México. Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica tecnológica. Depois, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na área de economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no Brasil). Autor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora Escrituras, São Paulo.

Um comentário:

  1. Colega blogueiro,

    reuni uma série de textos sobre os protestos brasileiros de diferentes pontos de vista (inclusive com indicações deste blog, daí porque deixo a sugestão aqui). O compartilhamento habitual ocuparia muito espaço e exigiria diversos posts (são oito textos reunidos em sete posts). Por isso, faço o compartilhamento reunindo-os num só post que serve de apresentação às questões mais gerais, especificando os links. É este post único que segue:

    Questões emergentes sobre o pós-manifestações

    Os textos reunidos nesta série "Questões emergentes" visam um conjunto de interrogações sobre os protestos brasileiros que ocorreram no mês de junho. Para além da supostamente pura "espontaneidade" eles dão margem a diversos questionamentos políticos.

    Desde o ponto de vista de jornalistas que cobrem a política e eles próprios são possuidores de experiências políticas, como é o caso de Mauro Santayana (Estranhando anônimos e autoritários, aqui). Passam pela análise do periódico El País (Una pregunta inquietante sobre la protesta brasileña, aqui). Passam também pela centralidade que as redes sociais que são propriedade privada de corporações midiáticas gigantescas (Quem quer "dobrar o Brasil"?, aqui). Passam ainda pelo apontamento dos riscos colocados às instituições democráticas destacados nas palavras de Wanderley Guilherme dos Santos (O Cerco Reacionário, aqui). Devem contar ainda com a contribuição da análise econômica de Igor Grabois sobre o jogo político-econômico que permitiu a canalização de certos protestos na figura da presidenta Dilma Rousseff (Por que setores da sociedade brasileira com tradicional repúdio às mobilizações populares foram às ruas engrossar fileiras contra Dilma Rousseff?, aqui). Encontram uma perspectiva geopolítica interessante do jornalista Nil Nikandrov (A multipolaridade em xeque e a geopolítica norte-americana, aqui). E vão, finalmente, à análise do sociólogo Manuel Castells sobre os protestos e a novidade representada pela resposta da presidenta brasileira ao conjunto dos manifestantes (A análise ignorada sobre a resposta de Dilma, aqui).

    Certamente, diversos outros pontos de vista têm sido colocados desde o início das manifestações até agora. Nem mesmo pode-se dizer que estejamos, de fato, num instante pós-manifestações. A ameaça de lock out patronal (nada espontâneo) no sentido de paralisar estradas em todo território nacional ainda ronda o cenário atual. Sabe-se tratar de uma estratégia que assume conotação política capaz de desestabilizar países e governos. As reações estão em curso e ainda não permitem uma compreensão mais precisa. Os mesmo pode-se dizer em relação ao tema da necessária Reforma Política. Reconhecidamente necessária e ligada à crise de representatividade, foi anunciada de forma a dar esperanças de uma Assembléia Constituinte específica. Por pressões da classe política, acabou resultando na ideia de uma consulta popular e, mesmo esta, já enfrenta diversos obstáculos no Congresso. O resultado periga ser nenhum a não ser o sangramento do governo petista e o esgarçamento ainda maior da coalizão política que lhe dá (em tese) sustentação. De qualquer modo, os textos aqui reunidos dão uma boa dimensão dos problemas que se tornaram emergentes após os acontecimentos de junho.

    http://blogumlugar.blogspot.com/2013/07/questoes-emergentes-sobre-o-pos.html

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