sexta-feira, 12 de julho de 2013

Pepe Escobar: A “Fraternidade” China-EUA

11/7/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
A quinta rodada do Diálogo Econômico e Estratégico EUA-China começa nessa 5ª-feira em Washington. Essa “Fraternidade” China-EUA envolve, sim, muita conversa – sem ação perceptível. A Think-tank-lândia tenta passar a impressão de que Pequim está(ria) agora em posição mais fraca em relação a Washington, comparada ao ambiente pós-crise financeira em 2009. Bobagem.

É como se o escândalo (global) em curso, da Agência de Segurança Nacional dos EUA, jamais tivesse acontecido; Edward Snowden expôs o modo como o governo dos EUA virou-se contra os próprios cidadãos, sem parar de espionar virtualmente o planeta inteiro. E há o meme de que a economia chinesa está(ria) “com problemas”, quando Pequim, de fato, está lançando estratégia de longo prazo, complexa, para calibrar os efeitos de um relativo desaquecimento da economia.

E, por fim, o suposto “comportamento agressivo dos chineses”, em termos de segurança da Ásia, não passa de conversa de “especialistas” de jornal e TV. 

Preparação do palco para o Diálogo Estratégico EUA - China 
 Pequim está construindo sua Marinha, claro – ao mesmo tempo em que a China e um grupo seleto de membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático estão cuidando da sintonia fina de suas táticas, antes de conversações multilaterais sobre um código de conduta no caso de problemas sérios no Mar do Sul da China. Pequim seria doida, se partisse para a diplomacia dos barcos armados – que certamente atrairia um contragolpe norte-americano.

Completamente atolados

É claro que Pequim interpretou, corretamente, que a “libertação” da Líbia pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – agora já revertida em conversão da Líbia em estado falhado; o apoio dos EUA à destruição da Síria; e o “pivoteamento” para a Ásia como ações interligadas, cujo alvo é a ascensão da China e concebidas para fazer gorar a complexa estratégia chinesa de um corredor eurasiano de energia.

Pois nada parece estar dando certo. Como Asia Times Online noticiou, o oleogasoduto Irã-Paquistão (IP) pode bem converter-se em IPC, onde o “C”, de China, será uma extensão até Xinjiang, no oeste da China. Pequim também sabe muito bem como o proposto gasoduto Irã-Iraque-Síria foi questão chave para o enfático ataque contra a Síria, orquestrado por atores como Qatar, Arábia Saudita e Turquia. Pequim calcula que, se Bashar al-Assad ficar e o gasoduto de US$10 bilhões chegar a ser completado (claro que com ajuda financeira de chineses e russos), o principal cliente será a própria Pequim, não a Europa Ocidental.

Oleogasoduto IP (Irã - Paquistão) já estendido até a Índia tornando-se IPI
Considerando sua relação estratégica com Islamabad, Pequim está também muito consciente de todos os movimentos dos EUA para gerar dificuldades no Baloquistão paquistanês, crucialmente importante do ponto de vista geoestratégico – com possível transbordamento para a vizinha província Sistão-Baloquistão no Irã. Paralelamente, Pequim interpreta a intransigência e a obsessão dos EUA quanto ao programa nuclear iraniano como história-máscara, para atrapalhar a sólida parceria de segurança energética entre Teerã e Pequim.

Quanto ao Afeganistão, os corredores em Zhongnanhai em Pequim devem reverberar, de gargalhadas, vendo que Washington já regrediu nada menos que 16 anos, de volta ao segundo governo de Bill Clinton – em política, é uma eternidade! – às conversas com os Talibã em Doha, nas quais se disputa, essencialmente, um dos mais velhos gambitos de todo o Oleogasodutostão. “Queremos um oleogasoduto” (o TAPI, Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia), diz Washington. “Queremos nossa parte”, respondem os Talibã. Isso é política de Feitiço do Tempo [orig. Groundhog Day, filme de 1993].

O problema é que Washington nada tem, absolutamente nada, a oferecer aos Talibã. Os Talibã, por sua vez, manterão a agenda da ofensiva de verão, sabendo muito bem que estarão livres para fazer o que quiserem, depois que o presidente Hamid Karzai sair de cena, para o esquecimento. Quanto à noção, de Washington, de que Islamabad conseguirá manter os Talibã afegãos sob controle... até as cabras no Hindu Kush riem dessa.

Trata-se, sempre, da Síria

A Síria, essa sim, continua a ser a história chave – como pivô de um câncer que se alastra, sob a forma de guerra sectária sunitas/xiitas, largamente encorajada pela Casa de Saud e outros atores do Conselho de Cooperação do Golfo, que o governo Obama engoliu, anzol, isca e vara.

Foi preciso que aparecesse um diplomata de coragem para vazar, mais as traduções do russo ao árabe e daí ao inglês, para que o mundo tivesse uma ideia do que os políticos discutem nessas “cúpulas” em vasta medida ocas, boas, só, para fotógrafos.

O que o presidente russo Vladimir Putin disse a Obama, ao britânico David Cameron e ao presidente francês François Hollande, cara a cara, é impressionantemente fascinante.
Exemplos: [1]

Da esquerda para a direita: Merkel, Putin, Cameron, Obama e Hollande (G8)
Putin falando à mesa:

Vocês querem que o presidente Bashar al-Assad saia? Olhem só os líderes que vocês inventaram no Oriente Médio, ao longo do que chamam de “Primavera Árabe”.

Putin falando a Obama, Cameron e Hollande:

Vocês querem que a Rússia abandone Assad e seu regime e que se alinhe a oposição cujos líderes vocês sabem que não sabem coisa alguma além de lançar fatwas declarando os outros heréticos, e cujos membros – que vêm de um punhado de países diferentes e têm múltiplas orientações – não sabem fazer coisa alguma além de degolar gente e comer carne humana?

Putin falando diretamente a Obama:

O seu país enviou seus exércitos para o Afeganistão em 2001, com a desculpa de que estariam combatendo os Talibã, a organização al-Qaeda e outros terroristas fundamentalistas que o governo de vocês acusou de serem responsáveis pelos ataques de 11/9 contra New York e Washington. E aí estão vocês hoje, fazendo uma aliança com eles, na Síria. E vocês e seus aliados já declararam que querem enviar armas para eles. E aí você tem o Qatar, onde você [os EUA] tem sua maior base na região. E no território desse mesmo país, os Talibã estão abrindo um escritório de representação.

A melhor parte é que a chanceler alemã Angela Merkel, na sequência, apoiou cada palavra de Putin. E o presidente da China, Xi Jinping, só pode ter feito o mesmo.

Continue a tecer a tal rede, meu irmão

Bashar al-Assad
Ainda que a brilhante ideia do governo Obama de selecionar rebeldes “do bem” para presentear com armas leves por acaso funcionasse (e não funcionará: em qualquer teatro de guerra, as forças combatentes mais realmente hardcore – como as gangues estilo Jabhat al-Nusra – são quem fica com as melhores armas), nem assim alguma coisa garantiria que as forças de Bashar al-Assad viessem a ser derrotadas.

É o contrário. Haverá avançada para reconquistar toda a cidade de Aleppo – já em progresso. E outra avançada rumo ao sul, na direção de Daraa, para proteger a fronteira com a Jordânia; armas entregues a “rebeldes” no sul da Síria pelas petromonarquias-movidas-a-petróleo entram pela Jordânia. Rumores sobre “superdispersão” são enormemente exagerados: a coisa pode ser feita em etapas.

A Rússia, enquanto isso, jogará jogo muito esperto; garantindo armamento essencial ao governo sírio e preparada para entregar material mais letal, no caso de Washington decidir mandar para lá armas menos leves.

E há então a confusão toda com a Fraternidade Muçulmana. O jornal Al-Akhbar oferece detalhes deliciosos de como a Casa de Saud virtualmente destruiu o Qatar no Egito – bem como na Síria. Nunca é demais lembrar que a Casa de Saud apoia os retrógrados partidos salafistas no Egito e arma os retrógrados combatentes salafistas na Síria.

No Egito, apresento-lhes o novo chefão – sauditas e emiradistas – iguais ao velho chefão – qataris. Antes de decidir recentemente se autodepor, Emir al-Thani gastou nada menos que $17 bilhões num punhado variados de “primaveristas árabes”, quase todo o dinheiro, para Mursi no Egito. Agora, a Casa de Saud já ofereceu $5 bilhões e os Emirados, $3 bilhões. Nenhum deles, pelo visto, lê nesse Asia Times Online o que Spengler escreve – e que já provou que o Egito, para grande lástima daquele povo maravilhoso, continuará a ser uma república de bananas, sem bananas (ver Islam’s civil war moves to Egypt, Asia Times Online, 8/7/2013).  
Para resumir: Pequim está apostando que vencerá no Paquistão, no Irã, na Síria (já está vencendo no Iraque), no Oleogasodutostão, para nem falar do Mar do Sul da China, enquanto Washington enreda-se cada vez mais na sua Fraternidade-rede. “Fraca”? Só porque vocês querem.



Nota dos tradutores
[1] Do jornal libanês As-Safir, n. 12.522, 6/7/2013 em: تقرير ديبلوماسي توقع سقوط «الإخوان» في مصر.. وفي غيرها  traduzido ao inglês por Eric Mueller, conforme publicado em 10/7/2013: Putin Dresses Down The Group of Eight

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