sábado, 13 de julho de 2013

Retirada tática: “Torcidas organizadas ausentes nos protestos no Egito e Turquia”

12/7/2013, [1] James M. Dorsey, The Turbulent World of Mid East Soccer
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ver também:
·        27/11/2011, redecastorphoto em: A praça sem chefes, ordens, capitães e hierarquias
·        2/4/2012, redecastorphoto em: Torcidas organizadas no Cairo: a Revolução dos Ultras

Ultras - Torcedores do Zamalek (Egito)
As torcidas organizadas, militantes e fortemente politizadas, que tiveram papel crucial na derrubada do presidente egípcio Hosni Mubarak, na oposição ao governo militar pós-Mubarak e no mês passado, nas manifestações de massa contra o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan são hoje a ausência mais eloquente nas dramáticas cenas no Cairo, na derrubada do presidente Mohammed Mursi e nos protestos que continuam, em menor escala, em Istambul.

Embora não tenham proibido a participação dos membros nos protestos em curso nos dois países, os torcedores organizados e muito experientes em confrontos com a Polícia, chamados “Ultras” no Egito e na Turquia, recuaram, dessa vez, ao seu enquadramento tradicional, segundo o qual não são organizações políticas. É um recuo tático, que visa a minimizar a vulnerabilidade como grupo, e a impedir que sejam politicamente “enquadrados”.

Ultras do Al-Ahly  (Egito)
Os “ultras” egípcios, um dos maiores grupamentos de cidadãos organizados do país, adotaram aquela posição no início dos 18 dias de protestos de massa em 2011 na Praça Tahrir no Cairo que levaram à renúncia de Mubarak, depois de 30 anos de governo. Ao mesmo tempo, privadamente, os líderes encorajavam os membros de torcida a assumir papel protagonista na luta pela derrubada do presidente.

Os eventos da semana passada no Egito constituem um dilema para os “ultras”, torcidas formadas por cidadãos que cobrem todo o espectro da política nacional egípcia. Os “ultras” têm e sempre tiveram antiga e profunda desconfiança contra os militares e as forças de segurança que, agora, reemergiram furiosamente nas ruas, como resultado dos protestos anti-Mursi. Muitos “ultras” opõem-se a Mursi, por suas tentativas para fazer retroceder as conquistas da revolta popular egípcia e por não ter cuidado de reformar o setor de segurança.

Como no Egito, torcidas rivais uniram-se também na Turquia, mês passado, para proteger os manifestantes e acrescentar sua voz à oposição contra Erdogan. Mas, diferentes dos egípcios, as torcidas organizadas na Turquia declararam formalmente a união, criando uma nova organização, “Unidos de Istambul” [orig. Istanbul United].

De fato, a retirada tática e o que parece ser uma volta dos grupos à configuração original, focada exclusivamente no futebol tanto no Egito como na Turquia, acontece depois de vários incidentes nos dois países, ostensivamente planejados para intimidar os torcedores e conter o ativismo político dos grupos.

Mais de 70 militantes e torcedores da equipe de futebol Al Ahli SC do Cairo morreram em fevereiro do ano passado, em incidente num estádio de futebol lotado – e fortemente impregnado de conteúdo político – em Port Said, cidade da região do Canal de Suez, em circunstâncias que, para muitos, foram planejadas para se tornarem incontroláveis e, assim, punir os “ultras” por sua oposição e ações de enfrentamento declarado contra a Polícia. Desde então, os “ultras” vêm organizando protestos em Port Said e invadido estádios, nos quais estão proibidos de entrar.

Essa semana, a Associação Egípcia de Futebol [orig. Egyptian Football Association (EFA)] cancelou o campeonato nacional por causa da volatilidade política nesses dias post-Mursi. Antes, já havia suspendido jogos da liga nacional, por razões de segurança.

Como os “ultras” egípcios, o porta-voz da torcida organizada “Carsi” – poderosa organização de torcedores do Besiktas JK de Istambul, de acentuado perfil político militante – disse que estão “devagar”, depois que 20 de seus membros foram formalmente acusados de participar de organização ilegal, depois dos protestos do mês passado no Parque Gezi.

Ultras - Torcida do Fenerbache (Turquia)
Resultado disso, a torcida “Carsi” tem negado qualquer atividade ou relacionamento com os comícios noturnos, estilo Hyde Park, que vêm acontecendo nos arredores do estádio Abbasaga Park, do Besiktas, em Istambul – um dos inúmeros fóruns públicos que estão acontecendo pela cidade. Apesar disso, sempre se veem por ali as camisas branco-e-pretas do time, em rapazes que circulam ali, organizando as discussões e as várias performances que acontecem, em que se discute o futuro do movimento de protesto, trocam-se ideias e ouve-se música.

As acusações criminais formais contra a torcida “Carsi” refletem as tentativas do governo de Erdogan para criminalizar a militância dos torcedores e dos manifestantes, num retrocesso conservador e tradicionalista, que chama a atenção, sobretudo, se comparado ao que está fazendo um defensor de Mursi, Fethullalh Gulen – imã muito popular, autoexilado, de 76 anos, que tem forte influência na mídia e em instituições do estado, na polícia e no judiciário.

Ultras - coreografia da torcida do Galatasaray
Gulen partilhou algumas das críticas de Erdogan contra os manifestantes e culpou a mídia internacional, mas, diferente do que fez o primeiro-ministro, jamais acusou os manifestantes de vandalismo ou de associação com agentes estrangeiros. Em vez disso, recomendou que seus seguidores não subestimassem os riscos dos protestos públicos e se dedicassem a entender que o movimento popular, exatamente como o governo, tampouco conseguiu encaminhar qualquer solução aproveitável para os problemas sociais. Ao mesmo tempo, Gulen tratou de dividir os manifestantes: elogiou os ambientalistas pacifistas dos primeiros dias, que defenderam as árvores do Parque Taksim; e criticou os manifestantes violentos – referência às torcidas organizadas.

A decisão da torcida “Carsi”, de se recolher, não impediu que grupos de torcedores de equipes rivais se reunissem numa manifestação no final de junho, quando 20 mil torcedores do Fenerbahce, que protestavam contra o que apresentaram como “arranjo” político do resultado de um jogo. O protesto exigia a renúncia de Erdogan e denunciava a equipe do Galatasary por alegado envolvimento no escândalo da compra de resultados: uma luta pelo controle do Fenerbahce, um importante trunfo político, no futebol turco, entre Erdogan e Gulen.

Ultras - coreografia da torcida do Besiktas
O protesto aconteceu dias depois que a UEFA, organização europeia de futebol, baniu as duas equipes rivais, Fenerbahce e Besiktas, de todos os campeonatos europeus, efeito das acusações de que teria havido compra de resultados. Os dois clubes estão apelando contra essa decisão.

Diferente do que se vira num protesto ocorrido 24 horas antes na praça em Istanbul, contra os grandiosos planos urbanos de Erdogan e seus movimentos visíveis para islamizar a sociedade turca e quando os manifestantes enfrentaram forte contingente policial, não havia nenhuma força de manutenção da ordem pública durante a marcha de torcedores do Fenerbahce pelo Bagdat Caddesi, um grande centro de compras no lado asiático de Istambul. Na véspera, policiais armados com gás lacrimogêneo e sprays de pimenta, e com suporte de um canhão de água, ocuparam a praça Taksim e cercaram os manifestantes que tentavam chegar à praça.

Menos visível foi um outro contraste, entre os dois protestos em Istambul: enquanto a torcida do Fenerbahce aparecia nos protestos com as bandeiras do time e da torcida organizada, a torcida “Carsi” não está participando das manifestações regulares na praça Taksim.

As manifestações no parque Gezi mostraram que torcidas rivais podem unir-se e trabalhar juntas. As manifestações foram um aviso a Erdogan. Mas não é só. As manifestações também deram um aviso a Gulen – disse um torcedor. 



Nota de rodapé
[1]  James M. Dorsey é Senior Fellow da S. Rajaratnam School of International Studies (RSIS), Nanyang Technological University em Cingapura, co-diretor do Institute of Fan Culture da University of Würzburg e animador do blog The Turbulent World of Middle East Soccer”.

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