terça-feira, 30 de julho de 2013

Bradley Manning pode pegar 136 anos de prisão

Embora inocentado da acusação de “colaborar com o inimigo”, o soldado que entregou ao WikiLeaks documentos secretos de crimes de guerra cometidos pelos EUA pode passar a vida inteira dentro de uma cela

Enviado por [*] Baby Siqueira Abrão – jornalista brasileira, correspondente para o Oriente Médio

Bradley Manning
O soldado Bradley Manning foi considerado inocente da acusação de “ajuda ao inimigo”, a mais séria do processo movido contra ele, por ter repassado ao WikiLeaks, em 2010 – Manning confessou isso em juízo – cerca de 470 mil documentos relacionados às guerras do Iraque e do Afeganistão, além de 250 mil mensagens diplomáticas e outros materiais do Departamento de Estado dos Estados Unidos, incluindo vários vídeos dos campos de batalha. Todos contêm provas de crimes de guerra e crimes contra a Lei Humanitária cometidos pelo exército estadunidense, e chocaram o mundo quando publicados.

Caso o tribunal o tivesse julgado colaborador de inimigos, Manning seria condenado à prisão perpétua. Mas a condenação pela violação de vários artigos da Lei de Espionagem dos Estados Unidos, que foi mantida, não muda muito a situação: pode levá-lo a uma sentença de 136 anos de prisão.

Denise Lind
O veredito foi anunciado hoje de manhã pela coronel Denise Lind, juíza do tribunal militar de Fort Mead. Ela também determinou que Manning deixe o confinamento em cela solitária, onde vem sendo mantido desde sua detenção. Olhar atento e fixo na juíza, Bradley Manning ouviu a sentença com resignação, enquanto fora do tribunal ativistas carregavam cartazes que pediam sua libertação.

A leitura do veredito espalhou revolta no mundo inteiro. As redes sociais encheram-se de reclamações de cidadãos indignados. No Twitter, o pessoal do WikiLeaks protestou, dizendo que o veredito reflete “um extremismo perigoso da parte do governo Obama”. Afirmou também que a condenação por infringir a Lei de Espionagem é “um precedente muito sério”, que pode ser usado contra aqueles que fornecem informações à mídia e aos que publicam as notícias. Todos podem ser enquadrados nos mesmos crimes, o que trará consequências graves à liberdade de expressão.

Widney Brown
Órgãos como Associação por Liberdades Civis (ACLU) e Centro por Direitos Constitucionais (CCR), dos Estados Unidos, e Anistia Internacional, condenaram a sentença. Widney Brown, diretor sênior de direito internacional da Anistia, foi direto ao ponto: “As prioridades do governo estão de ponta-cabeça. Recusou-se a investigar as alegações plausíveis de tortura e de outros crimes que violam o direito internacional, apesar das esmagadoras evidências. Em lugar disso, decidiu processar Manning, que pensava fazer a coisa certa: revelar provas do comportamento ilegal do governo”. Brown lembrou que os atos cometidos pelo exército dos Estados Unidos no Oriente Médio são proibidos também pela Constituição daquele país. Para ele, o processo contra Manning foi montado para enviar uma mensagem clara a adversários: “O governo dos Estados Unidos irá persegui-lo sem descanso se você pensar em revelar provas das operações ilegais que ele promove”.

Ben Wizner
Ben Wizner, diretor do Projeto Expressão, Privacidade e Tecnologia da ACLU declarou que há muito a entidade considera o vazamento de informações de interesse público um ato que não deve ser julgado com base na Lei de Espionagem. “Uma vez que Manning já foi penalizado pelo vazamento de informações – o que significa uma punição significativa – parece claro que o governo procura intimidar todos aqueles que possam pensar, no futuro, em revelar informação valiosa”, postou ele no site da associação.

O combativo CCR, que representa o WikiLeaks e Julian Assange nos Estados Unidos, questionou a própria Lei da Espionagem, “uma relíquia desacreditada” da época da Primeira Guerra Mundial, “criada para suprimir a discordância política e o ativismo antiguerra, e é ultrajante, em primeiro lugar, que o governo tenha escolhido evocá-la contra Manning”. E acrescentou: “Vivemos agora num país onde alguém que expõe crimes de guerra pode ser sentenciado a toda uma vida [na prisão] ... ao passo que os responsáveis por esses crimes permanecem livres. (...) O tratamento dado a Manning [ele foi barbaramente torturado], o processo e a sentença têm um propósito: silenciar potenciais denunciantes e [silenciar também] a mídia”.

O julgamento recomeça amanhã (31/7/2013), às 9h30 (horário estadunidense). Então se saberá a pena que Manning será obrigado a cumprir por ter acreditado que os direitos humanos e a justiça estão acima dos atos ilegais cometidos por governos.


[*] Baby Siqueira Abrão é jornalista, tradutora, escritora e pós-graduada em filosofia, é correspondente dos veículos Brasil de Fato e Carta Maior no Oriente Médio, além de ativista por direitos humanos e justiça social. É autora de dois livros sobre história da filosofia, para as editoras Moderna e Ática. Eventualmente colabora com a redecastorphoto.

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