domingo, 7 de julho de 2013

Stédile: “Direita tentou disputar o controle da rua”

7/7/2013, Entrevista com  João Pedro Stédile, do MST
(concedida a Darío Pignotti, Página 12, Buenos Aires)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Comentário do Chicória, verdureiro da Vila Vudu: Não é uma grande entrevista, porque o entrevistador jornalista estava pautado pelos jornais. Stédile, visivelmente, ficou limitado à pautação do entrevistador. Entrevista jornalística, que perguntou ao entrevistador sua opinião sobre a opinião dos jornais. Quem precisa disso?!

João Pedro Stédile
A direita não pensa em outra coisa além de impedir, seja como for, a reeleição de Dilma Rousseff, que acaba de perder 21 pontos de popularidade [embora em pesquisa absolutamente não confiável (NTs)] nas eleições de 2014 e, apesar de seu espanto congênito ante a mobilização popular, tenta convertê-la em fonte de caos e de ingovernabilidade. De qualquer modo, é pouco provável que as oligarquias consigam desvirtuar o sentido transformador da revolta em curso há três semanas, atiçada pela ira ante o deboche da Copa das Confederações.

Essa é a síntese imperfeita da entrevista, rica por sua densidade analítica, concedida por João Pedro Stédile, líder (embora ele sempre corrija, quando é chamado assim) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST.

Pagina 12: Há um mês, Dilma estava reeleita e depois de 20 dias de protestos, essa hipótese já não parece garantida. Que deve fazer para retomar a popularidade perdida?

Stédile, MST: A reeleição de Dilma dependerá das alianças partidárias e sociais que fará daqui em diante. Se continuar a priorizar as alianças de corte conservador, creio que a direita poderá derrotá-la com candidatos que se apresentam como se fossem o novo, embora não sejam. Creio que a reeleição de Dilma seria mais garantida se ela ouvisse a voz das ruas e promovesse as mudanças sócias que exigem dela. Se o fizer, o governo fará uma inflexão para a esquerda e consolidaria o apoio popular para 2014. Ante isso, as classes dominantes e seus porta-vozes aparecem diariamente na televisão manifestando seu grande objetivo, desgastar ao máximo o governo, debilitar as formas de organização da classe trabalhadora, derrotar qualquer proposta de mudança estrutural e, tudo, para finalmente vencer nas eleições e recompor a hegemonia total no comando do Estado, que está hoje em disputa.

Nas redes sociais controladas pela direita, li que alguns grupos mais fascistas começam a ensaiar o fora Dilma e a fazer circular uma petição pelo impeachment. Também agitam o discurso contra a corrupção, que pode acabar por virar-se contra eles, porque a burguesia brasileira, seus empresários e seus políticos são os maiores corruptos e corruptores. Sabem quem se apropriou dos gastos exagerados da Copa? A rede Globo e as empresas construtoras.

Pagina 12: O comando do conflito está ainda nas mãos da esquerda?

Stédile, MST: A direita tentou disputar o controle do sentimento das ruas, para desgastar Dilma. De início, o governo Dilma vacilou, mas acho que agora está mais ativo.

A direita perdeu essa aposta e está assustada.

Creio que, em geral a direita sai perdendo com o povo nas ruas, onde as propostas populares e progressistas foram protagonistas. E acho também que vamos avançar, agora que a classe trabalhadora anunciou que entrará nas mobilizações, com sua proposta de uma plataforma de lutas que vai paralisar o país dia 11 de julho.

Pagina 12: Surgem vozes dentro do PT a favor da volta de Lula, que, segundo uma pesquisa tem 46% de intenções de voto, 16% mais que Dilma. A volta pode acontecer em 2014?

Stédile, MST: Lula já repetiu várias vezes que não será candidato a nada, e creio que não será.

Pagina 12: Se a direita sonha com o impeachment de Dilma, que repercussão teria esse desenlace nos governos progressistas de Argentina, Equador, Bolívia e Venezuela?

Stédile, MST: Acho que esse cenário de impeachment é impossível. Não há viabilidade política para que a direita consiga um impeachment de Dilma, porque isso desencadearia um processo de intensas manifestações de massa, que poderia levar a efeito contrário ao que a direita busca. Quer dizer: o pedido de impeachment levaria o governo de Dilma para posições mais populares e de esquerda. Além disso, entendo que as mobilizações são um fator que está ajudando a fortalecer o caráter popular dos projetos que estão em curso nos países que você citou. No fundo, as massas juvenis brasileiras criticaram nas ruas o fracasso dessa política de conciliação de classes da qual o Brasil era um modelo. Era um formato de conciliação no qual aparentemente todos ganhavam, mas, na realidade, o que mais ganhava era o capital.

Pagina 12: Há uma comparação, talvez snob, entre as manifestações brasileiras e os jovens que fizeram levantes no mundo árabe. Que lhe parece a tese de que as redes sociais são a coluna vertebral de um movimento social que prescinde de partidos e de líderes?

Stédile, MST: Também não vejo qualquer relação entre as mobilizações da Primavera Arabe e as do Brasil. Primeiro, porque em cada país do mundo árabe havia características diferentes, em função da composição de interesses de classe que se puseram em operação. Creio que os casos mais trágicos foram a guerra que a OTAN impôs na Líbia e o atual massacre que está acontecendo na Síria. Os poucos avanços que houve na Tunísia e no Egito aconteceram para que se instalassem instituições burguesas da burguesia comercial árabe.

Aqui no Brasil, por sua vez, estamos ante um processo encabeçado pela juventude, resultante de uma crise urbana grave, da ausência de participação política da sociedade e de uma crítica latente ao modus operandi dos políticos de todos os partidos, que resultou na formação de uma burocracia que se move por interesses próprios; e de uma tecnocracia que existe dentro do governo de Dilma.

Pagina 12: O cardeal Claudio Hummes, amigo de Lula e do papa Francisco (que chega ao Rio em julho), respaldou os protestos. A igreja retoma posições progressistas, depois de ter-se amoldado ao conservadorismo de Joseph Ratzinger?

Stédile, MST: A Igreja Católica no Brasil sempre teve muita sensibilidade social. Creio que o retrocesso ideológico que houve nesses anos também foi consequência do refluxo do movimento de massas em geral, além de uma certa hegemonia que se estabeleceu na sociedade, de falsos falsos valores, com o neoliberalismo, que priorizam o mercado, o individualismo e o consumismo. Com essa hegemonia ideológica na sociedade, é lógico que se tenham fortalecido, dentro da Igreja, as visões religiosas carismáticas, que apostam tudo na salvação individual e em práticas religiosas alienantes. Creio que estas mobilizações juvenis podem levam a uma ascensão do movimento de massas, e tudo isso pode trazer oxigênio às práticas da Igreja.

Pagina 12: A FIFA pressionou para que o Exército se envolvesse na segurança da Copa, a imprensa publicou que o Exército reuniu-se para analisar as manifestações. [1] Você descarta que as forças armadas sejam convocadas para atuar na segurança interna?

Stédile, MST: Esse risco sempre existe, porque lamentavelmente ainda há muitos governos estaduais, como os de São Paulo e Rio de Janeiro, que são governos conservadores e poderiam solicitar reforço militar. No Brasil, as polícias estão sob controle dos governos estaduais. Mas acho que isso causaria desgaste institucional aos militares. As forças armadas existem para defender a soberania nacional, não para reprimir o povo.

Pagina 12: Cresce a repulsa ante os gastos com a Copa. Existe alguma margem para que Dilma decida não realizá-la?

Stédile, MST: Considero que essa possibilidade não existe, porque o governo não quer e não tem força para romper o contrato com a FIFA, depois de todos os investimentos feitos para que a Copa aconteça. E, também, porque o povo quer que a Copa aconteça no Brasil. Ao mesmo tempo, todos querem saber quem embolsou tanto dinheiro e que, se houve corrupção, que se punam os culpados.



Nota dos tradutores

[1] A página do Exército, dia 20/6/2013, reproduziu matéria do jornal O Estado de S.Paulo sobre isso.

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