sábado, 20 de julho de 2013

Oriente Médio: Resumo da semana 5-12/7/2013

19/7/2013, Conflicts Forum Weekly
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Efraim Halevy
Vai-se tornando cada vez mais claro que os objetivos dos líderes do Golfo e do general Sisi – nas palavras do ex-diretor do Mossad israelense, Ephraim Halevy – são impor derrota pública e definitiva à Fraternidade Muçulmana. Não surpreende ninguém que Israel se tenha tornado colaboradora entusiasmada do mesmo projeto, diretamente ligada ao general Sisi, com o qual Israel manteve relações muito próximas, porque sempre foi o principal homem de Israel no exército egípcio, com o qual Israel co-comandava o Sinai. 

Como corolário do desmonte da Fraternidade Muçulmana, o Hamás também vem sendo demonizado para a opinião pública egípcia (pelo exército): está sendo apresentado como “a mão terrorista” ocultada na desordem no Sinai. (No Al Monitor de 4/7/2013 em: Hamas Isolated After Coup in Egypt” 
 lê-se relato de furiosos protestos públicos instigados contra Meshaal e Haniya, quando visitaram o Cairo pouco depois do golpe).

Khaled Meshal
(Hamas)
Não se fala aqui portanto de qualquer projeto para “castigar” e depois trazer de volta à participação política alguma nova Fraternidade Muçulmana, contrita, para integrar alguma nova coalizão de governo no Cairo (como a imprensa-empresa tem sugerido). Trata-se, isso sim, da narrativa que está emergindo, construída pelos apoiadores do golpe do general Sisi no Golfo, e que visa a apresentar a Fraternidade e o Hamás como terroristas associados à al-Qaeda, para assim erradicar a Fraternidade completamente e definitivamente do mundo político, para – outra vez segundo palavras do próprio golpe – restaurar o Islã “moderado” na região.

Em resumo: o exército e alguns líderes do Golfo retomam a missão fracassada de Bush, de remontar a política do Oriente Médio e do Islã à própria imagem deles.

E o que planeja esse Islã “moderado” que aspira a substituir o Islã da Fraternidade?

O principal conteúdo de raiz que os líderes do Golfo tentam associar aos “moderados” não é o que a maioria dos ocidentais associam à palavra “moderado”.

“Moderados”, aí, tem a ver com a era nasserista, quando o rei saudita começou a cooptar os Irmãos que estavam sendo perseguidos por Nasser no Egito e buscavam refúgio no Golfo, para integrá-los em dois grandes projetos da Casa de Saud. Interessava à Casa de Saud incorporar (1) os recursos intelectuais da Fraternidade Muçulmana, para dar ao wahhabismo a respeitabilidade acadêmica que até ali não tinha; e (2) fazer da doutrina que ganhava nova respeitabilidade (o salafismo) a “voz” única e legítima do Islã sunita (esse foi o principal objetivo da criação da Liga Mundial Muçulmana [orig. Muslim World League], em 1962).

Rei Abdullah
(Arábia Saudita)
O rei saudita queria o fim da multiplicidade de “vozes” no Islã; queria confinar o Islã numa única expressão. Para isso – e nessa direção (especialmente mediante a Liga) – o reino passou a aplicar seus vastos lucros com o petróleo. Assim, inadvertidamente e paradoxalmente, os sauditas garantiram o dinheiro que permitiu à Fraternidade construir sua rede de células por toda a região do Golfo, sob a máscara de estar promovendo os projetos sauditas – a mesma rede que, hoje aparece aos olhos dos governantes do Golfo como ameaça direta contra eles próprios.

Os Irmãos, de fato, desenharam para a Casa de Saud o “modelo” das primeiras comunidades muçulmanas, como padrão para o atual Islã sunita. Mas, na sequência, a Fraternidade Muçulmana acrescentou ao “modelo” seu traço estratégico essencial, que o modificou radicalmente: deram a “soberania” política ao povo – não mais à “autoridade tradicional”; ao povo, não ao rei, como planejavam os sauditas. Os sauditas jamais perdoaram a Fraternidade Muçulmana por essa “traição”.

Assim sendo, em vários sentidos, o “Islã moderado”, que os líderes do Golfo dizem patrocinar,  é um Islã supostamente apolítico, dócil, que se rende a reis e monarcas (não o Islã que reivindica a legitimidade que lhe venha do povo).

Em outras palavras: o Golfo quer implantar seu modelo de salafismo, dentro do qual o wahhabismo é uma das orientações, que prega obediência à autoridade tradicional e esteriliza, em vários sentidos, as comunidades muçulmanas.

Esse modelo de Islã resultou, no Golfo, intimamente casado com as práticas do neoliberalismo econômico.

Olivier Roy
Novamente se ouve (inclusive de alguns especialistas, como Olivier Roy, em vários momentos ao longo dos últimos 20 anos) que agora esse “golpe devastador” contra a Fraternidade Muçulmana marca o fim do caminho do Islã político. A mesma ideia tem sido repetida por liberais  e neoconservadores na região e no Ocidente.

Embora seja verdade, depois do golpe no Egito, que a Fraternidade Muçulmana não poderá continuar como até aqui, prometendo ao povo que chegará ao poder com legitimidade pela via da paciência, também é erro grave subestimar as raízes profundas desse movimento popular gigante.

Mas, ainda que os Irmãos tenham sofrido grande revés, é absolutamente descabida a euforia que se vê entre líderes do Golfo e em Israel. O islamismo xiita é vibrante e sente-se cada dia mais confiante. Mas os principais beneficiários do vácuo que se criou com a “decapitação” da Fraternidade no Egito serão os salafistas.

Os salafistas hoje já nada têm de apolíticos – ou de submissos respeitadores da “autoridade tradicional”. Essa é a corrente – o salafismo radical, jihadista – que está crescendo exponencialmente em todo o Cáucaso, na Ásia Central, no Oriente Médio e na África. Basta olhar para Síria, Líbano, Iraque e norte da África, para constatar.

Ben Caspit
Claro que muitos israelenses e outros, anseiam pela volta de um “adulto responsável”, acreditando que os mubaraks e autocratas na região fossem os pilares sobre os quais repousavam a segurança e a estabilidade da região (e de Israel).(No Al Monitor de 7/7/2013 lê-se o comentarista israelense Ben Caspit sonhando com a volta de algum “Mubarack” em: When coups advance democracy).

Mas esse, precisamente, é o paradoxo da atual posição do ocidente.

Na tentativa de melhorar a segurança de Israel, o ocidente descobre-se cada dia mais firmemente aliado, direta e indiretamente, com correntes islamistas muito mais violentas, em luta contra movimentos islamistas (e estados seculares) que são fantoches controlados por Israel e líderes do Golfo. O mais espantoso é que, nos corredores do poder na Europa, absolutamente não se veem análises críticas das vastas consequências das ações do ocidente – como a que se viu recentemente no Egito.

Em resumo: todo o “projeto” do Golfo visa a devolver a região à “autoridade tradicional” e a esmagar a noção de “soberania popular” – o que se tenta obter expurgando do próprio Islã a ideia de “soberania popular”. Trata-se, aí, de salvar as ditaduras.

A questão é se tal anacronismo ainda seria sustentável hoje, numa região que passa por mudanças tectônicas. Isso teremos de esperar, para ver. Há muito ainda por acontecer, e muito depende do que aconteça.

O golpe militar no Egito conseguirá remodelar a região, como apostam os sauditas? Ou o golpe, ele próprio e por si mesmo, será o detonador de mudanças que lançarão a região em direção completamente diversa da esperada pelos patrocinadores protagonistas?

O que já se vê, bem claro, é que o Golfo envolveu-se de tal modo na prospectiva de aplicar avassaladora derrota à Fraternidade Muçulmana, que prestou pouca atenção à substância de tudo isso.

Sheikh de al-Azhar
Sim, é verdade que a Fraternidade Muçulmana foi decapitada (o Gabinete de Orientação [orig. Guidance Office] e Shura foram desmontados; e continuam as prisões e detenções políticas por todo o Golfo). Mas, de fato, o Islã político sunita foi, na prática, também decapitado (Erdogan foi desacreditado; o Sheikh de al-Azhar está em retirada; e Qaradawi segura-se hoje, precariamente, em Doha).

Quem são os líderes, agora, do Islã sunita? As identidades sunitas estão em desintegração. É verdade que o golpe do general Sisi expôs o vazio essencial da Fraternidade Muçulmana: só organização, sem visão alguma. Mas a posição do exército seria melhor? Recebeu apoio financeiro de patrocinadores (embora grande parte na forma de empréstimos ou dinheiro depositado no Banco Central do Egito) para manter o trem em movimento, mas, para reformas reais, é preciso muito mais.

Reformas reais exigem alguma massa-crítica de consenso popular – e consenso é precisamente o que não se vê no Egito. O exército criou um vácuo político de interesses fragmentados e dispersos. A esquerda secular/liberal está “em alta” e sem nenhuma vontade de ceder nem uma vírgula; e os salafistas terão de ser acalmados, para que seja possível pagar o dinheiro que o exército deve à Arábia Saudita. Essa é combinação absolutamente inoperável.

E quem serão os novos líderes da corrente islamista da Fraternidade Egípcia, atualmente acéfala; que homens serão? Por que se deveria pressupor que serão mais “moderados”? E agora que Mursi já não existe, a oposição egípcia, que só era unida em torno do ódio ao presidente, já começa a expor publicamente suas profundas divisões.

O mais provável é que o exército seja empurrado para trás, forçado a confiar em membros do “estado profundo” para construir algum governo – o que não agradará a ninguém. Deve-se prever que a insatisfação dos salafistas no Egito espalhe-se de volta também para o wahhabismo do Golfo.

Tony Blair
A resposta de EUA e Europa ao golpe do general Sisi – que prevaricou contra a legislação internacional – também criou novas tensões. Embora o enviado do Quarteto, Tony Blair, em tour pelos estúdios de TV em apoio  ao golpe do exército, tenha provocado críticas desdenhosas na Europa, ele ainda é visto como representante de uma modalidade do pensamento conservador norte-americano.


Assim, o novo credo intervencionista de Blair, sugerindo que alguma falta de ‘'eficácia'’ no governo, combinada com a manifestação de considerável rejeição popular, validaria o golpe do exército, com certeza provocou calafrios no partido AKP de Erdogan. Erdogan, segundo o noticiário, convocou imediatamente uma reunião do gabinete ‘'de crise'’, para avaliar se os recentes protestos na Turquia teriam sido inspirados precisamente para abrir caminho a uma intervenção do exército também contra os apoiadores turcos da Fraternidade Muçulmana.

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