26/9/2013, [*] M K
Bhadrakumar, Asia Times Online -
OBAMA AT THE UN
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Presidente dos EUA, Barack Obama discursa na 68ª Assembleia Geral da ONU (24/9/2013) |
A
expectativa era que o discurso anual do presidente dos EUA Barack Obama, na
sessão da Assembleia Geral da ONU na 3ª-feira, trouxesse alguma notícia de
alguma nova orientação norte-americana sobre o conflito sírio e a situação em
torno do Irã. E sim, o Oriente Médio foi tema dominante no discurso, e apagou
completamente outras questões, como a mudança climática ou a estratégia de
reequilibramento dos EUA na Ásia ou o desarmamento global.
Só
isso já é um espanto – os EUA, a única superpotência, em papel diminuído, como
potência regional impotente, incapaz, ou sem vontade, de afirmar coisa alguma.
Parece que chegamos ao fim de uma era.
A
impressão mais forte que resta é que o Oriente Médio continua a ser grave
preocupação de política exterior, talvez mesmo a mais importante preocupação, e
que assim será até o final do governo Obama. Não há dúvida de que Moscou e
Pequim perceberam claramente e anotaram.
Mas
outro traço recorrente no discurso foi a impotência dos EUA – a inabilidade para
forçar o passo em campo, ou para prescrever encaminhamentos e soluções; a
inqualificável desproporção de aliados clamando por “ação” robusta, e a
imperiosa necessidade de permanecer engajado.
Tudo
isso apareceu mais espantosamente à vista, no trecho sobre o Egito. Obama
reconheceu a compulsão de engajar “construtivamente” a junta militar no Cairo,
porque Camp David precisa ser preservado, mas vê com desgosto as coisas
abomináveis que o governo provisório está fazendo.
Enquanto
Obama falava, havia movimento diplomático frenético em outra parte do prédio da
ONU, em torno de uma resolução do Conselho de Segurança sobre a implementação da
iniciativa russa relativa à remoção das armas químicas na Síria.
Obama
insistiu que haveria “provas abundantes” de que o regime sírio teria usado armas
químicas no ataque de 21/8 perto de Damasco, e foi enfático: discordar “é um
insulto à razão humana – e à legitimidade dessa instituição [a ONU]”.
Sem
fogo nas tripas
Obama
usou a polêmica, para destacar duas coisas. Uma, para dizer que ao usar armas
químicas, o presidente Bashar Al-Assad teria perdido para sempre a legitimidade
política para governar o país. A outra, decorrente da primeira, para exigir uma
resolução “forte” do Conselho de Segurança:
a)
para “verificar” a cumplicidade do governo sírio; e
b)
para deixar claro que “deve haver consequências” se a Síria não aceitar.
Mas
não falou do uso de força militar, nem invocou o Cap. 7º da Carta da ONU como
tal. Assim, deixou bem claro que sua exigência era minimalista. E deixou espaço,
pode-se concluir, para que os diplomatas norte-americanos negociassem uma
resolução “forte”, mas que Moscou aceitaria sem problemas.
A
verdade é que Obama falou sem fogo nas tripas. O discurso expôs que Obama está
longe de ter conseguido resolver as graves contradições da posição dos EUA sobre
a Síria.
De
um lado, Obama afirma que cabe aos sírios decidir o próprio futuro, de outro,
chama de “fantasia” a possibilidade de que Bashar tenha qualquer papel naquele
futuro.
Obama
denunciou Rússia e Irã por “insistirem no papel de Assad”. E ignorou o papel
ativo da CIA e de íntimos aliados dos EUA, como Arábia Saudita, Turquia e Qatar
na execução do projeto clandestino de mudança de regime, ao longo dos últimos
dois anos, já quase dois anos e meio.
Obama,
a certa altura, realmente, sim, propôs que os aliados regionais dos EUA
exercessem influência de contenção sobre a “oposição moderada”, para que,
adiante, se evitasse um “colapso das instituições do Estado” na Síria.
É
proposta simplesmente cômica, risível, nas circunstâncias reais – com o príncipe
e espião chefe saudita Bandar bin Sultan incansavelmente recrutando extremistas
islamistas até de locais distantes como Líbia, Chechênia ou Paquistão;
trazendo-os para os arredores da Síria; treinando-os, equipando-os, pagando-lhes
salários diários; infiltrando-os em território sírio; e, na sequência,
aconselhando-os, gentilmente, a lutar só “de leve”, para não enfraquecer “as
instituições do Estado” na Síria.
Alguma
coisa realmente mudou na política dos EUA? Obama não deu qualquer garantia de
que os EUA não atacarão a Síria. E se em algum momento dos passados dois anos
até hoje, essa garantia, dada em termos claros, inequívocos, teria ajudado, o
momento seria agora.
Em
vez disso, Obama falou em termos ambivalentes, cheio de “avisos” e ameaças. Não
crê que a ação militar possa levar a uma “paz duradoura”. Em seguida, sai-se com
“nossa resposta ainda não alcançou a escala do desafio” na Síria.
Não
acredita que os EUA possam determinar quem governará a Síria; mas tem 100% de
certeza de que não pode ser – e não deve ser – Assad. Horroriza-se por o governo
sírio ter (diz ele) usado armas químicas; mas ignora que as mesmas armas foram
usadas por grupos da oposição apoiados por aliados dos EUA.
Simultaneamente,
Obama insistiu que não se trata de cenário da guerra fria ou de jogo de soma
zero e garantiu que os EUA não têm qualquer interesse na Síria, além do bem
estar do seu povo.
Superar
história difícil
Como
explicar essa ambivalência? Não seria difícil identificar dúzia e meia de
fatores relacionados à política doméstica norte-americana. Mas o elemento chave
está no movimento das placas tectônicas sobre as quais o impasse EUA-Irã
permaneceu ao longo dos últimos 30 anos.
Enquanto
segue a trilha síria – “trabalho em progresso”, como diriam os norte-americanos
– está-se delineando uma nova trilha paralela, que pode levar a conversações
diretas entre EUA e Irã. Obama espera que em algum ponto, em futuro próximo, as
duas trilhas comecem a ter a ver uma com a outra.
O
governo Obama ponderou os incontáveis “sinais”, ainda sem nome, que o novo
governo iraniano do presidente Hassan Rouhani tem enviado – as declarações antes
e depois das eleições, os nomeados para o Gabinete, e até a linguagem corporal
recente da diplomacia de Teerã.
O
governo Obama chegou a três importantes conclusões: Rouhani tem forte mandato
eleitoral, o que manifesta a vontade de mudança e reformas, dos iranianos (e de
normalização com os EUA); Rouhani é um “moderado”, por mais que seja também
figura histórica do establishment, visceralmente ligado ao regime
islâmico; e, mais importante, goza da confiança e de integral apoio do
todo-poderoso Supremo Líder Ali Khamenei, o que dá credibilidade à sua posição
de negociador e aumenta a confiança de que “entregará” o que promete.
Em
Washington, o senso de urgência é palpável. Obama até revelou que “estou
ordenando que [o secretário de Estado] John Kerry persevere em seu esforço junto
ao governo iraniano (...)”.
Mas
então, de repente, dá-se conta também de que a “história difícil” não pode ser
“superada do dia para a noite”. Disse que se se puder encontrar modo de avançar
na questão nuclear, será “um grande passo numa longa estrada rumo a relações
diferentes, baseadas em interesses mútuos e mútuo respeito”.
Obama
parou a um passo de dizer que os dois países também podem tratar de outras áreas
de interesse – Síria, Afeganistão, Iraque, Bahrain, etc..
Garantiu
a Teerã que os EUA não buscam mudança de regime e fez questão de registrar a
recente fatwa de Khamenei contra o desenvolvimento de armas nucleares, e
a reiteração da mesma fatwa, por Rouhani, mais recentemente, como a
verdadeira base para um “acordo significativo”.
Tudo
isso considerado, a fala de Obama não trouxe pensamento novo sobre o conflito
sírio, porque é preciso esperar pela normalização com Teerã. Os EUA esperam
negociar com Moscou, Teerã e Pequim bilateralmente, sobre a questão síria.
Isso
é o máximo que Obama conseguiu na direção de distanciar-se de pensamentos a
priori sobre lançar ataques militares contra a Síria para operar uma mudança
de regime. É compreensível, afinal de contas, que Obama não possa
simultaneamente dar instruções a Kerry para continuar as conversas, e mandar
Chuck Hagel pular na jugular de Assad.
A
parte mais esperançosa da fala de Obama foram os quatro “interesses núcleo” que
ele expôs sem ambiguidades, ao indicar os pontos sobre os quais os EUA estariam
dispostos a lançar toda a sua força, “incluindo o poder militar” no Oriente
Médio – no caso de agressão externa contra aliados regionais; para manter o
livre fluxo de energia; para desmantelar redes terroristas; e para obstruir o
desenvolvimento de armas de destruição em massa.
Tony Hoagland |
Tudo
isso posto e considerado, portanto, justifica-se alguma tímida opinião de que as
possibilidades do processo Genebra sobre a Síria pareçam hoje menos
inalcançáveis do que quando o dia raiou nos arredores da Baía Turtle [onde fica
o prédio da ONU], nos arredores de Manhattan em New York City, na 3ª-feira.
Mas
sempre ecoam na cabeça as linhas do poeta norte-americano
contemporâneo, Tony Hoagland, [1]
(...)
Amanhã
você pode estar absolutamente
sem
qualquer pista
mas
hoje chegou um telegrama
do
coração exilado
que
proclama que o reino
ainda
existe,
que
o rei e a rainha vivem,
ainda
falam com os filhos,
–
com qualquer deles
que
tenha tempo,
para
sentar ao sol e ouvir.
___________________________________
Nota dos tradutores
[1] Orig. Tomorrow you may be utterly / without a clue / but today
you get a telegram, / from the heart in exile / proclaiming that the kingdom
still exists, / the king and queen alive, / still speaking to their children, /-
to any one among them / who can find the time, / to sit out in the sun and
listen. Tradução de trabalho, sem compromisso literário, para ajudar a
ler.
_________________________
[*] MK
Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Irã,
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu,Asia Times Online e
Indian Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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